Escritores sob o efeito de narcóticos – e outras curiosidades

A ‘irmandade’ das drogas também tem os seus textos e autores sagrados: Thomas de Quincey e as suas Confissões de um Comedor de Ópio e Baudelaire e os seus Paraísos Artificiais são dois dos clássicos fundadores da literatura sobre narcóticos. 

Mas há muitos mais: Verlaine, Walter Benjamin, Aldous Huxley, Jack Kerouac, Ken Kesey e Hunter S. Thompson… Alguns deles, apesar dos seus hábitos pouco recomendáveis, tiveram vidas longas, como William S. Burroughs, que viveu até aos 83 anos (1914-1997). Já a sua mulher, Joan Vollmer, não teve a mesma sorte. Pereceu no México, no que o escritor descreveu como um número de Guilherme Tell que correu mal:_Vollmer equilibrou um copo no topo da cabeça e Burroughs disparou. Às autoridades, disse que teria tomado umas oito ou dez bebidas antes da proeza.

William S. Burroughs, Junkie

“Deixei de beber e de sair à noite quando comecei a drogar-me todos os dias e, frequentemente, várias vezes por dia. Quando se usam drogas, não se bebe. Aparentemente, um corpo com droga nas células não absorve álcool e este fica no estômago provocando náuseas, mal-estar e tonturas. Além de que a droga tomada nesse estado não produz qualquer efeito. O uso de drogas seria uma cura garantida para os alcoólicos.

Também deixei de tomar banho. Quando se toma droga a sensação da água na pele torna-se, por qualquer motivo, desagradável.

Uma data de asneiras têm sido escritas quanto às mudanças pelas quais uma pessoa passa quando começa a drogar-se. De repente, olha-se ao espelho e não se reconhece. As verdadeiras mudanças são difíceis de especificar e não são reveladas ao espelho. Quer dizer, o próprio drogado não se dá conta do progresso do vício e, em geral, nem sequer percebe que está a habituar-se. Pensa que, se tiver cuidado e obedecer a certas regras, como chutar-se uma vez por outra, não há de viciar-se. Na verdade, ele não segue essas regras e considera todos os chutos extras uma exceção. Já falei com muitos intoxicados e todos eles me contaram que tinham ficado muito surpreendidos ao descobrir que estavam viciados.”_

 

Walter Benjamin, “Haxixe em Marselha”

“Agora fazem-se sentir as exigências de tempo e espaço que o fumador de haxixe experimenta. E, como se sabe, são absolutamente régias, essas exigências. Para quem tomou haxixe, Versalhes ainda é pequeno, e a eternidade não lhe basta. E no plano de fundo dessas dimensões imensas da vivência interior, da duração absoluta e do espaço incomensurável, instala-se agora um sereno e maravilhoso humor, tanto mais quanto maiores as contingências de espaço e tempo.”_

 

Sir Arthur Conan Doyle, O Signo dos Quatro

“Sherlock Holmes pegou no frasco no canto do aparador da lareira e tirou a seringa hipodérmica do seu elegante estojo de marroquim. Com seus dedos longos, brancos e nervosos, ajustou a delicada agulha e arregaçou a manga esquerda da camisa. Durante um curto tempo os seus olhos repousaram pensativamente no antebraço e no punho, musculosos, pontilhados por um sem-número de picadas. Por fim, introduziu a ponta aguda, apertou o minúsculo êmbolo e recostou-se na poltrona forrada de veludo com um longo suspiro de satisfação.

Três vezes por dia, durante muitos meses, eu havia testemunhado essa cena, mas o costume não me levara a aceitá-la. Ao contrário, a cada dia eu ficava mais irritado àquela visão, e à noite a minha consciência pesava diante da ideia de que me faltara coragem para protestar. […]

– O que é hoje, perguntei, morfina ou cocaína?

Ele levantou os olhos languidamente do velho volume em carateres góticos que abrira.

– É cocaína, disse, uma solução a sete por cento. Gostaria de experimentar?”

 

Aldous Huxley, As Portas da Percepção

“Tomei o comprimido às onze. Hora e meia mais tarde estava sentado no meu escritório, contemplando atentamente um pequeno vaso de vidro. Continha apenas três flores – uma rosa-de-portugal, inteiramente desabrochada, com sua rósea corola onde a base de cada pétala apresentava um matiz mais quente e brilhante, um grande cravo creme e arroxeado; e, arrogante em sua heráldica beleza, de um púrpura pálido, a flor-do-íris. Por mero acaso, o pequeno ramalhete violava todas as regras do bom gosto tradicional. Pela manhã, ao pequeno-almoço, ferira-me os olhos a vívida dissonância das suas cores. Mas tal já não era mais minha opinião. Não contemplava mais uma esquisita combinação de flores; via, agora, aquilo mesmo que Adão vira no dia de sua criação – o milagre do inteiro desabrochar da existência, em toda a sua nudez”.

 

Ressaca da guerra

Durante a I Guerra Mundial (1914-18), os famosos armazéns Harrods, no elegante bairro de Knightsbridge, Londres, vendiam pacotinhos com um conteúdo peculiar: morfina ou cocaína, uma agulha e uma seringa. O mote era: “Um presente útil para os amigos na frente”.

As guerras são terreno fértil para o uso de drogas. Embora fosse um feroz abstémio, Adolf Hitler não abdicava das injeções de Eukodal que lhe eram diligentemente administradas pelo anafado Theodor Morell, o seu médico pessoal. E, durante parte da II Guerra Mundial (1939-45), o exército alemão funcionou à base de pervitina, que tornava os soldados mais destemidos e agressivos. Depois veio a ressaca…

Mas o grande banquete das drogas foi a Guerra do Vietname (1955-75). Estima-se que durante o conflito tenham sido distribuídos pelos soldados norte-americanos cerca de 200 milhões de doses de metanfetaminas. Como seria de esperar, muitos ficaram viciados, com consequências humanas e sociais desastrosas. Calcula-se que o abuso de drogas tenha feito mais baixas do que os ferimentos sofridos em combate.

 

Testes em animais

Experiências médicas feitas com animais mostram que as drogas levam a comportamentos erráticos e autodestrutivos. Mas há uma exceção. Aranhas às quais foram administradas pequenas doses de LSD tornaram-se ainda mais competentes e perfeccionistas na hora de tecer as suas teias, que graças à influência da droga se tornavam ainda mais regulares e bem construídas. Porém, quando as doses aumentavam, os fios tornavam-se completamente desconexos.