“Conjugação da taxa de juro e valor dos imóveis é o verdadeiro travão”

As taxas de juro continuam a subir e os empréstimos de crédito à habitação caíram pela primeira vez em anos. O que levou a esta queda e o que esperar daqui para a frente? Mediadoras explicam.

Os empréstimos de crédito à habitação estão em queda. E isto é algo que já não acontecia há vários anos. Segundo dados oficiais do Banco de Portugal, no final do mês de julho, o montante total de crédito era de 99,3 mil milhões de euros, menos 0,1 mil milhões de euros do que em junho. Relativamente a julho de 2022, os empréstimos com esta finalidade decresceram 0,1%.

O Nascer do SOL tentou perceber junto das mediadoras o que contribuiu para esta desaceleração. E para Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, «é uma consequência da subida das taxas de juro, que está a colocar ainda mais pressão na taxa de esforço que os portugueses têm que assumir para comprar uma casa, com recurso ao crédito habitação», alertando que, em muitos casos, «tendo em conta o valor dos imóveis em venda, atualmente, e os rendimentos disponíveis das famílias, não é possível cumprir os valores máximos da taxa de esforço permitidos pelo Banco de Portugal». `

Já Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, diz que todo o contexto internacional, principalmente desde o início da guerra na Ucrânia «e um ecossistema muito próprio do mercado português justificam perfeitamente esta variação anual negativa». O responsável acrescenta que, em relação à conjuntura internacional, o conflito bélico na Europa «trouxe consequências económicas evidentes e que influenciam bastante os diferentes mercados, como: a elevada inflação, o crescimento progressivo das taxas de juro, o aumento do custo das matérias-primas, a falta de mão de obra», defendendo que todos esses fatores «têm naturalmente um impacto direto nos consumidores porque além de aumentarem o custo de vida e com isso limitarem bastante a sua capacidade de fazer face às despesas mensais acabam por adiar a tomada de decisões que implicam a necessidade de solicitar créditos bancários».

A juntar a este cenário, Rui Torgal diz que não se pode esquecer «a unicidade do ecossistema imobiliário português que há décadas atravessa um desequilíbrio acentuado entre a procura existente e a parca oferta de casas disponíveis no mercado». Um problema estrutural que, na sua opinião, «conduz a uma subida natural dos preços que, considerando o contexto descrito acima, torna mais difícil a própria aprovação dos créditos, porque, com as taxas de juro atuais, as taxas de esforço tornam-se incomportáveis para a maioria das famílias».

Já Beatriz Rubio, CEO da Remax, destaca que este ano «temos assistido a um aumento do custo de vida e a uma subida das taxas de juro de referência, pelo que, sem surpresas, ocorreu uma desaceleração no volume de crédito concedido», detalhando que as duas principais justificações são «o abrandamento da procura desse tipo de crédito, mas também um certo incremento do volume de amortizações antecipadas que se tem observado».

Questionado sobre se há menos pessoas a comprar casa e o alto preço tem afastado os compradores, Ricardo Sousa avança que se registam elevados níveis de procura mas «há um enorme gap entre a oferta disponível de imóveis em venda no mercado e o valor dos imóveis que os portugueses podem efetivamente comprar, de acordo com os seus rendimentos. Ou seja, há procura, mas é uma missão quase impossível para muitos portugueses encontrarem a casa que precisam por valores que possam assegurar».

Sobre este tema, o CEO da ERA recorda que é preciso não esquecer que uma casa é um bem de primeira necessidade. «Mesmo tendo em conta a atual conjuntura, a necessidade e a escassez de habitação levam a que a procura continue a superar a oferta», acrescentando que «embora os preços das casas dificultem cada vez mais as concessões de crédito e isso também contribua para uma desaceleração no número de transações face ao ano passado, a verdade é que esta incerteza, bem evidente no 1.º trimestre deste ano, deu lugar a um sinal de confiança no mercado já no 2.º trimestre onde se registámos uma evolução positiva». 

Já Beatriz Rubio garante que foi registada uma desaceleração da procura, «motivada não apenas pelos preços comparativamente mais elevados, mas também porque as condições de crédito foram dificultadas com o aumento das taxas de juro».

Estará então o aumento de juros a afastar os portugueses em relação ao crédito? O CEO da Century21 Portugal diz que na rede desta imobiliária, aproximadamente 60% dos portugueses recorrem a crédito à habitação e para a maioria esta é a única forma de acesso à aquisição de casa. «Mesmo a atual taxa Euribor, a atingir já os 4%, não está a afastar os portugueses de procurar crédito à habitação». Mas deixa um alerta: «A explicação obriga-nos a voltar ao tema central do problema: a conjugação da taxa de juro atual e o valor dos imóveis em venda é o verdadeiro travão».

Já Rui Torgal aponta para incertezas. «O aumento contínuo das taxas de juro, mas sobretudo a incerteza do teto máximo onde podem chegar, não é bom para o mercado e é uma das principais causas da desaceleração sentida pelo setor no início deste ano». E diz que as famílias «têm mais dificuldades em ter acesso aos créditos e até adiam a decisão de comprar casa para um momento em que o contexto esteja mais favorável. Isso parece-me inequívoco. Ainda assim, também se assiste a um perfil de cliente comprador que adquire uma casa sem recurso a crédito ou recurso parcial».

A CEO da Remax é da mesma opinião e diz que o aumento dos juros «têm maior impacto nas famílias mais dele dependentes, obrigando-as a uma reestruturação do orçamento familiar e/ou a uma renegociação das condições» e que, complementarmente, «tem incentivado a que algumas protelem a decisão de obterem crédito, ficando a aguardar por uma tendência decrescente das taxas».

Casas mais tempo para vender?

O nosso jornal tentou ainda perceber se estes fatores conjugados fazem com que as casas estejam mais tempo no mercado, demorando mais tempo a ser vendidas. A opinião é diferente entre operadores. «As famílias e investidores estão mais prudentes e os processos das transações imobiliárias começam a ser mais longos», assume Ricardo Sousa.

Por sua vez, Rui Torgal considera o contrário. «A última análise que fizemos, relativa ao 2.º trimestre do ano, mostra-nos que o tempo de venda diminuiu 25% e que os imóveis são vendidos em menos de três meses. Vamos analisar atentamente o comportamento do próximo trimestre», prometeu.

Mas Beatriz Rubio não é da mesma opinião e considera que as casas podem demorar mais tempo a ser vendidas «se não houver uma revisão dos preços dessas casas face ao abrandamento da procura». Ou seja, «se os preços se mantiverem, mas a procura diminuir, naturalmente espera-se um aumento do tempo de venda».

Tendência até quando?
Subidas das taxas de juro, casas mais caras… até quando estas tendências e o que esperar daqui para a frente? «Os enormes níveis de incerteza que se verificam – gerados pelo atual contexto económico, social e geopolítico – tornam muito difícil antecipar com exatidão os impactos que se podem registar no mercado imobiliário nacional», confessa Ricardo Sousa, que acrescenta que «esta é uma nova realidade que todos temos que enfrentar, para a qual é fundamental adaptarmo-nos e encontrarmos as melhores soluções, face às circunstâncias atuais».

Opinião que é partilhada por Rui Torgal ao defender que é impossível falar com certeza sobre o futuro, «sobretudo quando temos tantas variáveis em jogo, mas estou convicto que, ao longo do próximo ano, com a estabilização da inflação e a consequente redução/estabilização das taxas de juro, o mercado poderá voltar aos registos positivos de um passado muito recente».

Para finalizar, a CEO da Remax adianta que a inflação e as taxas de juro são variáveis macroeconómicas que, por definição, não são geríveis a curto prazo. «Ou seja, quaisquer medidas que se tomem, demoram o seu tempo a terem impacto nessas duas variáveis, e uma vez que estamos a quatro meses do fecho do ano e atendendo às atuais diretivas do banco central europeu, não são esperadas grandes flutuações ainda em 2023, pelo que teremos de esperar por 2024 para podermos, eventualmente, assistir a uma outra tendência».

Daqui para a frente, acrescenta Beatriz Rubio, espera-se uma estabilização de preços «com leves subidas em algumas zonas e ténues descidas noutras. Uma procura reticente, a aguardar por uma melhor conjuntura no acesso ao crédito e uma oferta de nova habitação ainda a refletir o aumento dos preços das matérias primas e dos materiais e os atrasos nos licenciamentos que caracterizam há muito o mercado».