Governo cede a senhorios e rendas vão subir quase 7%

Inquilinos acham que apoios podiam ter ido mais longe. Deco reconhece que risco de incumprimento pode subir.

O Governo prometeu e cumpriu. O aumento das rendas no próximo ano não vai sofrer nenhum travão, ao contrário do limite dos 2% que foi imposto este ano, e os senhorios vão poder subir os valores em 6,4% – o maior em 30 anos. No entanto, foram aprovadas medidas para reforçar os apoios. “Repetir a fórmula que foi adotada neste ano, não. Qual a medida entre os 2% e os 6,95% que resultaria da fórmula legal, é algo que estamos a falar”, chegou a referir António Costa, no início deste mês. Mas, se a medida agora anunciada responde às exigências da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), fica aquém dos alertas feitos pela Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL). 

Ao que o Nascer do SOL apurou, esta subida foi decidida pelo Governo depois de ter revelado os aumentos na ordem dos 7,9% relativos ao salário mínimo nacional e de 6,2% das pensões que foram anunciadas no Orçamento do Estado para o próximo ano e, por isso, é considerado suportável pelo aumento dos rendimentos. 

Ao Nascer do SOL, o presidente da ALP, Menezes Leitão, aplaude a medida e lembra que “temos leis e que as leis têm de ser cumpridas sob pena de as pessoas deixaram de ter confiança”, referindo que, a partir daí, espera que o mercado funcione de forma adequada.

O responsável lembra ainda que, desde 1985 até este ano, sempre foi aplicada a taxa de inflação na subida das rendas, tendo sido criado em 2023 “um problema injustificadamente”, acrescentando que “não o devia ter feito no ano passado mas, ao menos, agora reconheceu o erro, o que é positivo”. Ainda assim, admite que os senhorios não podem suspirar de alívio, uma vez que, o pacote Mais Habitação “é dramático para o setor”, defendendo que criar um novo travão seria “minar completamente a confiança”. E desabafa: “Felizmente houve um bom senso de não voltar aí”.

Quanto aos apoios anunciados pelo Governo, diz apenas: “O Governo tem de deixar o mercado funcionar, dando naturalmente apoios e subsídios aos carenciados”.

Em causa está o diploma aprovado pelo Governo que pretende salvaguardar as famílias até ao 6.º escalão com taxa de esforço de 35%, que terão um aumento automático de 4,94% sobre o valor da renda. Uma medida que será automática para quem atualmente já recebe o apoio à renda. Por outro lado, será transversal a todos os inquilinos, o alargamento da dedução à coleta do IRS, passa de 502 euros para 550 euros, sendo que o valor não era atualizado há vários anos.

‘Governo podia ter sido mais mãos largas’

Menos satisfeito está o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, António Machado, para quem o Executivo podia ter “sido mais simpático e mais mãos largas em termos de apoio”. Ao nosso jornal, lembra que, face ao atual valor das rendas, “não  ficava nada mal ao Governo que colocasse os apoios num patamar mais elevado”. E embora reconheça que estamos perante um avanço admite que fica aquém das medidas que apresentou ao Governo. “Uma solução que colocámos foi a dedução das rendas em sede de IRS de 15% para 20% a ser alargado a todas as rendas sem exceção, ao contrário do que acontece hoje, em que os contratos antes de 1990 não têm acesso a essa dedução. Além disso, sugerimos passar o limite de 502 euros para 820 euros, ou seja, para o patamar do salário mínimo nacional”.

Sugestões que não foram tidas em conta e que, mesmo assim, de acordo com o responsável, não compensariam o aumento das rendas em quase 7%. “E mesmo aí há um problema. Em 2024 paga-se as rendas, mas esta dedução só tem efeitos em 2025, altura em que se entrega o IRS, até lá existe um esforço que tem de ser compensado através dos apoios”. 

Incumprimentos à vista 

Ao Nascer do SOL, Natália Nunes, coordenadora do gabinete de Proteção Financeira da Deco diz que o risco de incumprimento pode subir mas que está relacionado com o problema habitacional que existe em Portugal. «Com este aumento de 6,94%, claro que vai ter um impacto negativo. Diria até para todas as famílias». No entanto, refere que será maior nas famílias com menores rendimentos, que estão numa situação de maior vulnerabilidade económica. «Quem tem uma renda mais elevada, claro que este aumento vai ser significativo, mas o problema é não termos neste momento rendas adequadas aos rendimentos das famílias». 

Para Natália Nunes, o problema da habitação em Portugal «é tão grave» que não se pode distinguir o que é só de arrendamento do crédito a habitação. E diz que para quem os preços são muito elevados, 6,94% é «um valor muito elevado». «Mas o problema não é tanto este aumento – claro que é um valor exorbitante – mas é o facto de já termos rendas muito elevadas».

Sobre o aumento de 502 para 550 euros em termos de dedução no IRS, a responsável da Deco diz ter «muitas dúvidas» que seja suficiente. «Aquilo que sabemos e temos vindo a reivindicar é a necessidade de criar medidas que apoiem os mais vulneráveis. São estes que nos deixam angustiados todos os dias quando vemos famílias que estão quase que a destinar todo o seu rendimento ao pagamento das rendas», destacando pessoas reformadas que muitas vezes não têm o apoio da família ou porque ela não existe ou porque elas também não têm condições. «Temos muitas famílias que só conseguem sobreviver porque o dinheiro que recebem das suas pensões é para pagar a renda e só conseguem ter dinheiro para pagar a alimentação, pagar os medicamentos, ou porque existem instituições de solidariedade social que as estão a ajudar ou porque os filhos ou os netos ajudam. E tem que ser sobretudo para estas famílias que têm que ser canalizados os apoios».

Já Mariana Almeida, jurista da Deco, relembra que a associação de defesa ao consumidor teve oportunidade de demonstrar a sua preocupação quanto ao cenário atual das rendas.

 O primeiro-ministro já tinha afastado a ideia do travão, o que veio a confirmar-se. Sobre este assunto, Mariana Almeida, diz que há vários cenários que a preocupam. «No que a atualização das rendas diz respeito, por exemplo, foram vários os relatos por parte d consumidores sobre terem sido notificados para um aumento de renda associado à uma eventual cessação do contrato de arrendamento o que colocava os arrendatários numa situação de desproteção», diz a jurista, acrescentando que, por outro lado, «também temos vindo a assistir a algumas situações em que famílias que demonstram uma taxa de esforço muito superior a 35% e que por algum motivo não vêm abrangidas pelo apoio extraordinário às rendas, colocando-se numa situação de dependência e vulnerabilidade no relacionamento com os respetivos senhorios, o que naturalmente nos preocupa».

 Questionada sobre os novos contratos, em que a atualização será apenas de 2%, Mariana Almeida diz que o que o diploma agora em vigor vem prever «é que a renda inicial dos novos contratos de arrendamento para fins habitacionais que incidam sobre imóveis relativamente aos quais tenham vigorado contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos anteriores à entrada em vigor da presente lei não pode exceder o valor da última renda praticada sobre o mesmo imóvel em contrato anterior, aplicado o coeficiente de 1,02, sendo que esta regra apenas se irá aplicar contratos que excedam os limites gerais de preço de renda por tipologia no regime previsto para o Programa de Arrendamento Acessível (atual programa de apoio ao arrendamento)».

A responsável diz que esta medida «visa de alguma forma equilibrar os preços de mercado e pôr fim às rendas consideradas especulativas. Neste momento não conseguimos avaliar a adequabilidade da medida uma vez que ainda não existem dados para esse efeito, principalmente quando falamos de rendas que nos últimos 5 anos sofreram um aumento significativo».

Ainda assim, a DECO crê que a solução ideal «seria vir a ser desenhado um quadro que viesse a limitar o valor de atualização quando o arrendatário reúna os requisitos acima mencionados (taxa de esforço superior a 35% e integrado no âmbito do 6.º escalão do IRS) com vista a ser criado um melhor equilíbrio de mercado, acautelando-se a posição dos arrendatários e simultaneamente de senhorios (principalmente os que atuam sem qualquer intuito profissional)».