Braço-direito de Armando Pereira libertado com caução de 1,5 milhões

Juízes-desembargadores confirmam perigo de fuga validado por Carlos Alexandre: ‘O arguido tem todos os meios ao seu dispor para fugir’, diz acórdão da Relação. Mas medida de coação foi aliviada.

O Tribunal da Relação de Lisboa considera que os factos reunidos pelo Ministério Público na investigação da Operação Picoas, que tem como arguidos antigos gestores da Altice, constituem indícios muito fortes de que estes praticaram crimes de corrupção ativa no setor privado, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, que lesaram o grupo de telecomunicações em 660 milhões de euros.

Em acórdão de 28 de novembro último, na sequência de um recurso de Hernâni Vaz Antunes – braço-direto do acionista e fundador da Altice, Armando Pereira – os juízes desembargadores decidiram revogar a prisão domiciliária anteriormente determinada e fixar a este arguido uma caução de um milhão e meio de euros, por entenderem continuar a existir perigo de fuga, recomendando que se mantenha sob escuta e vigilância. Além disso, Vaz Antunes continua sem passaporte, proibido de sair do país e de contactar diretamente todos os arguidos, cidadãos e empresas referidos pelo MP no despacho que desencadeou a Operação Altice, em julho.

«Está devidamente fundamentada a decisão recorrida quando se formula o juízo de que aquilo que Armando Pereira recebeu (a disponibilidade de imóveis, o gozo de um cartão de crédito e as obras na sua casa) bem como os benefícios a terceiros, seus familiares, será contrapartida de uma intervenção em favor de interesse do arguido aqui recorrente», afirma-se no acórdão. «Não sejamos ingénuos. Nomeadamente no mundo dos negócios, nada é de graça. […] Quando falamos de aparentes ‘liberalidades’, o doador está à procura de um benefício a posteriori que compense a sua iniciativa». E conclui: «Quando a transmissão fica obscurecida por operações menos claras, seja a intervenção de terceiros, pessoas ou sociedades, a circulação do dinheiro, a criação de negócios apenas aparentes para justificar pagamentos, passamos a navegar nas águas da evidente atuação à margem das regras, que os atores pretendem ocultar, por saber da irregularidade da sua conduta. Para além do mais, ficou indiciado que o arguido terá promovido a entrega de vantagens contra a facilitação de negócios a outros colaboradores da Altice e da Cisco, tais como Luís Alveirinho, Alexandre Fonseca, Yossef Benchtrit, Akim Boubazine, Olivier Sansané e Olivier Duquèsne, claramente descritos na matéria de facto, pelo que deveremos concluir que, neste momento, se tem como suficientemente indiciada a prática deste crime de corrupção ativa no setor privado». Em relação ao desfalque feito pelos arguidos à Altice, o Tribunal da Relação elogia o trabalho da Inspeção Tributária, através do qual foi possível «calcular a dimensão das vantagens ilegítimas a partir das declarações fiscais das sociedades» do arguido Hernâni Vaz Antunes.

O valor foi determinado através do cálculo da diferença entre a taxa de imposto na zona franca da madeira e a praticada no resto do país, que corresponde a 110 milhões de euros. «É um cálculo objetivo, a partir de dados objetivos, sem recurso aos métodos indiretos ao dispor da Autoridade Tributária», lê-se no acórdão a que o Nascer do SOL teve acesso.

Segundo o MP, Hêrnani Vaz Antunes ausentou-se do país, em julho, evitando na altura a intervenção policial, desligando o telemóvel para evitar ser detetado. Só regressou porque a sua filha, também arguida, foi, entretanto, detida. «Tal comportamento, associada a facilidade que o arguido tem, atentas as suas disponibilidades financeiras, para se instalar onde quiser, nomeadamente em países onde tem casa, como Canadá ou Suíça, bastará para configurar o perigo de fuga», defendeu o MP. Por seu turno, a defesa invocou que o arguido se apresentou às autoridades, tendo colaborado com a Justiça, como fez no primeiro interrogatório judicial, além de ter a sua vida profissional centrada em Portugal.

Os juízes-desembargadores que assinam o acórdão – Rui Coelho, Ana Cláudia Nogueira e Manuel Sequeira – dão-lhe parcialmente razão: «O arguido tem todos os meios ao seu dispor para fugir e não evitará em fazê-lo se confrontado com um cenário no qual entenda não lhe ser permitido, mais, reagir. Contudo o seu regresso a Portugal, apresentação as autoridades e colaboração prestada, permite concluir, que tal cenário não é, por agora provável».

«Beneficiando de aconselhamento e representação jurídica e considerando a fase processual e as ‘armas’ que ainda cumpre utilizar […] é de entender que o arguido não sentirá necessidade de se ausentar definitivamente para se eximir ao curso deste processo. Não obstante, a qualquer momento, e sentindo que o desfecho lhe poderá ser desfavorável, tal ensejo fugitivo poderá manifestar-se, tal como ocorreu quando a intervenção desencadeada nos autos. Por isso, existe perigo de fuga, mas não com a intensidade apreciada na decisão recorrida o que permite optar por outra abordagem relativamente às medidas de coação disponíveis», acrescentam.

Os desembargadores criticam neste ponto, de forma implícita, a decisão anterior, do juiz de instrução Carlos Alexandre, que em julho apenas decidiu aplicar a Hernâni Vaz Antunes a obrigação de permanência na habitação, não tendo na altura sido pedida qualquer vigilância à GNR local: «Desenhando o perigo de fuga nos termos em que o foi no despacho recorrido, até é questionável se a obrigação de permanência na habitação seria medida bastante para, naquele quadro, tal como indiciado pela primeira instância, prevenir a fuga de alguém que aí é caracterizado como bastante abonado financeiramente e com múltiplas relações ao estrangeiro que lhe permitiriam ausentar-se indefinidamente do país. […] Aliás, poderá mesmo questionar-se se a medida, desprovida de vigilância eletrónica garante tal travão ao perigo de fuga uma vez que o controlo do seu cumprimento poderá esbarrar com a ausência do arguido, tendo este um considerável avanço se iniciar uma tentativa de fuga».

felicia.cabrita@nascerdosol.pt