Contas certas ou incertas?

Qualquer que seja o futuro Governo, economistas ouvidos pelo Nascer do SOL acreditam que a ideia de ‘contas certas’ acaba com António Costa. Mas cenário poderá agravar-se caso Pedro Nuno Santos chegue ao poder, face ao aumento da despesa que se perspetiva

A política de contas certas poderá ter os dias contados, independentemente de quem estiver à frente do Governo. Economistas ouvidos pelo Nascer do SOL reconhecem, no entanto, que esse perigo será ainda maior se Pedro Nuno Santos tomar as rédeas do país. “Os custos dessa política no funcionamento dos serviços públicos são demasiado evidentes para que se possa manter”, diz João César das Neves, acrescentando que “o facto de o líder o partido que concebeu e apregoou a política não falar dela, e até dizer por vezes o contrário é muito significativo”. Já em relação ao PSD, o economista admite que “o que quer que faça, nunca irá assumir a bandeira do opositor”.

E a face a isso não tem dúvidas: “Parece evidente que a política morrerá com a saída de Costa. Claro que o problema orçamental não desapareceu, e quem quer que governe tem de lidar com ele, mas ter esse objetivo como a bandeira central da governação deve desaparecer”.

Já Luís Mira Amaral acha “perigoso” o caminho que poderá ser seguido pelo novo secretário-geral socialista. “O que Pedro Nuno Santos tem vindo a anunciar vai ao encontro da sua política e vai acabar num aumento de despesa, o que irá inevitavelmente pôr em causa a lógica das contas certas”. Ainda assim, reconhece que percebe o discurso socialista por entender que é um partido estadista e, como tal, gere tudo à volta do Orçamento do Estado. “Ainda antes de este Governo ter caído, Pedro Nuno Santos disse que o Orçamento era excelente mas que podia ser melhor e o ser melhor significaria aumentar a despesa pública, considerando que havia margem para isso. Está tudo relacionado com a ideologia deles”. 

E dá como exemplo o anúncio feito pelo novo secretário-geral do PS que no congresso disse que queria que “no final da próxima legislatura, em 2028” que o salário mínimo nacional atinja, “pelo menos”, os mil euros e que para isso, o partido deverá “rever” o acordo de rendimentos com os parceiros sociais “de modo a que ao aumento do salário mínimo possa estar associado o aumento dos salários médios”.

Mas apesar dos parceiros sociais não terem fechado a porta a esse possível aumento já pediram como moeda de troca medidas para apoiar e incentivar a competitividade das empresas. Já os sindicatos sinalizam que o salário mínimo poderia até subir mais, com a CGTP a reivindicar os mil euros já este ano.

Uma proposta de aumento que já recebeu cartão vermelho por parte de Mira Amaral. “Em vez de se preocuparem com medidas amigas para o aumento da produtividade e da competitividade e para crescimento económico, pois a partir daí, as empresas passam a ser mais competitivas e os salários sobem, preferem aumentar o salário mínimo, em que qualquer dia é igual ao salário médio. Assim é inverter as coisas. O PS está-se nas tintas para as empresas”. 

Também César das Neves admite que essa proposta parece-lhe “uma política irresponsável e que terá o efeito sobre os pobres contrário ao pretendido”, lembrando que mil euros era o salário mediano nacional em 2022. “Só com muita inflação, que evidentemente criaria muitos outros problemas, poderia ser o nível do salário mínimo em 2028. As distorções que isso geraria no mercado de trabalho seriam gigantescas”.

Ao nosso jornal, Mira Amaral estranha o silêncio do lado do PSD e defende que o partido devia defender a ideia de de contas certas, “mas com níveis de despesa pública e de impostos mais baixos do que esses rapazes”. Ainda assim, alerta: “A mim não me chegam as contas certas, aliás essa é uma expressão incorreta, o que está em causa são os orçamentos equilibrados, sem défices. Isso é um chavão político de Costa que não tem substância técnica. Quanto ao PSD acredito que venham com uma lógica política de porem em causa um Orçamento equilibrado mas não sei o que estão a pensar em fazer responder economicamente”. 

Uma questão que, de acordo com o mesmo, ganha maior relevo depois de o Banco Mundial ter anunciado esta semana para o terceiro ano de abrandamento. “O quadro internacional é não famoso, há incertezas terríveis e ninguém se preocupa com as empresas. Veja-se o caso do TGV. Com o que é que se preocupam? É apenas o TGV Lisboa/Porto de passageiros. Ouve falar em ter um transporte decente para as mercadorias? Esqueceram-se, as empresas são esquecidas completamente”, salienta.

Novo ‘golpe’ no mercado imobiliário

Outra medida anunciada por Pedro Nuno Santos diz respeito à criação de um novo indexante de atualização das rendas que tenha em consideração a evolução dos salários. “Quando a inflação é igual ou inferior a 2%, a atualização das rendas continua a ser como ocorre hoje. Quando a inflação é superior a 2% a atualização das rendas terá de ter em linha de conta a capacidade das pessoas as pagarem, capacidade essa que é medida pela evolução dos salários», afirmando que «em anos de inflação elevada, a evolução das rendas não pode estar desligada da evolução dos salários”.

Para César das Neves, “travar um preço sem dar subsídios ou outros apoios é uma violação descarada da liberdade económica. Medidas como essa apenas servirão para reduzir o número de casas disponíveis para arrendar”.

Mais crítico é Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) ao considerar que “é uma medida completamente absurda”. No entanto, afirma que “vai ao encontro de outras feitas por Pedro Nuno Santos quando dizia que não pagava a dívida e que os banqueiros alemães até tremiam as pernas se isso acontecesse” e que isso teria consequências dramáticas para os portugueses em termos de falta de habitação. “É óbvio que esse tipo de medidas teria como efeito o agravar da situação que já foi em grande parte causada pela política de Pedro Nuno Santos, enquanto esteve à frente do ministério da Habitação e o resultado está à vista: o arrendamento acessível que o Governo queria apostar, em vez dos 20% que tinha dito que ia atingir só atingiu 0,12%. Isso mostra bem o falhanço de medidas que procuram apostar na hostilização dos proprietários e em atitudes contrárias ao livre funcionamento do mercado e que por isso acabam por se traduzir numa escassez enorme de habitação”, refere ao nosso jornal.

O responsável diz ainda que se essa proposta fosse aplicada nos postos de combustível ou nos supermercados, “o resultado é que fechariam no dia seguinte, porque não há nenhum produto que esteja a ser comercializado que possa ficar dependente da evolução de outros fatores, como seja o valor dos salários”. 

Menezes Leitão lembra também que essa alteração é da competência do Parlamento. “O que atualmente está previsto é que a atualização das rendas seja feita com base no critério aprovado pelo INE, critério esse que é o mesmo desde 1985 que foi proposto pelo Governo de Mário Soares que ainda agora foi homenageado pelo congresso do PS, mas parece que se esqueceram da sua obra, e uma das obras que fez corajosamente foi a atualização das rendas. O que significa é que o PS de Pedro Nuno Santos é um Bloco de Esquerda parte II e acaba por atacar a própria herança de Mário Soares”, salienta. 

E alternativa?

Do lado dos sociais-democratas, a ‘campanha’ também já começou e as promessas são muitas. Ainda que mais ‘apagado’ nos últimos tempos que Pedro Nuno Santos – o congresso dos socialistas ajudou – Luís Montenegro tem continuado com a sua oposição e a falar em propostas que considera melhores para o país. Sendo que agora não a levará à frente – em caso de vitória, obviamente – sozinho, uma vez que conta com o regresso da Aliança Democrática.

A ambição de ganhar as legislativas tem um objetivo já assumido: reformar o país. Um dos objetivos de Montenegro está relacionado com a saúde e já disse que que precisa de uma “solução estrutural” devido ao “desgaste enorme”. “Em Portugal, é preciso um pacto para a Saúde que envolva não só os partidos políticos, mas os operadores públicos, privados e sociais para gerir equipamentos, capacidade de resposta e recursos humanos”, defendeu.

Mas não só. No que diz respeito aos professores, Luís Montenegro diz que a recuperação do tempo dos professores é uma prioridade. Aliás, já tinha proposto o pagamento faseado por cinco anos do tempo de serviço dos professores, atribuindo 20% em cada ano.

Além dos professores, é nos pensionistas que Montenegro tem também mais apostado. O aumento das pensões foi, aliás, uma das suas medidas mais polémicas. Até ao final da legislatura, a pensão mínima do regime geral vai atingir os 820 euros. A medida deu polémica e o líder do PSD teve de vir explicar que, em causa está o aumento do complemento solidário.

Todos os setores são motivo de ataque e vontade de fazer diferente. A saúde não é exceção e já é tratada pelo PSD como a “grande prioridade social”, insistindo num “pacto nacional para a saúde”, ou seja, complementaridade do serviço público com os setores privado e social.

No que diz respeito à habitação – área que foi de Pedro Nuno Santos – Montenegro disse, no Congresso do PSD que “quando nos empenhamos em unir os setores público, privado e social e queremos celebrar um novo contrato social o que queremos é que na saúde, educação, habitação e transportes é que o serviço público seja assegurado pelo Estado, mas também pelo setor privado e social”, garantindo que se “seguíssemos este princípio tínhamos um SNS com mais capacidade e uma educação com menos problemas, mais oferta no arrendamento e de compra de habitação”. Sem avançar medidas concretas, o líder dos sociais-democratas disse que “não podemos ter a porta escancarada nem a porta fechada à imigração”.