Educação. Como se desperdiçam 77 milhões

Escolas têm mês e meio para concorrer ao Plano de Recuperação das Aprendizagens e apenas o 3.º período para fazerem as ações e gastarem 77 milhões. O Plano era para este ano letivo.

As escolas têm pouco mais de dois meses para justificar o gasto de 77 milhões de euros na implementação das medidas de recuperação das aprendizagens em consequência da pandemia. O Plano 23/24 Escola+, criado em julho deste ano e sucessor do Plano 21/23 Escola+, arrancou este mês e só no final do ano letivo é que as medidas serão aprovadas e implementadas. Medidas para um plano que devia ter a sua abrangência até junho, para o presente ano letivo, mas que, assim, só podem executadas no terceiro período.

“Está aberto, até dia 14 de fevereiro de 2024, às 18h, o concurso PESSOAS-2024-01, que vai apoiar o plano de recuperação das aprendizagens, promoção do sucesso escolar e combate às desigualdades, para o ano letivo de 2023-2024, com o montante total de 77 milhões de euros”, anunciou o Governo no site Pessoas 2030, o programa do acordo de parceria entre Portugal e a Comissão Europeia “que fixa os grandes objetivos estratégicos para aplicação, entre 2021 e 2027, do montante global de 23 mil M€”. O anúncio, publicado em 29 de dezembro, estabelece o período para a apresentação das candidaturas – que vai de 2 de janeiro até 12 de fevereiro – e determina que os resultados têm de ser divulgados em 12 de abril. O ano lectivo acaba dois meses depois. E não deixa margens para dúvidas: “São elegíveis as ações a desenvolver enquadradas no plano integrado para a recuperação de aprendizagens em particular as ações específicas a desenvolver por domínio, no ano letivo de 2023/2024, previstas para o Plano 23|24 Escola +”. Destes 77 milhões, 85% são comparticipados pelo Fundo Social Europeu Mais, ou seja, 65,5 M€.

A este concurso podem candidatar-se, enquanto beneficiários dos apoios, a Direção-Geral da Educação (DGE); a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE); a Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC); o Instituto da Avaliação Educativa (IAVE, I.P.); e os Agrupamentos de Escolas e Escolas não Agrupadas. Sendo que as escolas apenas podem aceder aos apoios «na qualidade de parceiras de uma das entidades». Há mais uma ressalva: não são aprovadas operações com custo total igual ou inferior a 200 mil euros.

Como serão operacionalizadas medidas que apenas têm a duração de dois meses?, quantas escolas estarão interessadas em aderir a este plano?, qual a sua eficácia? e quanto dinheiro será efetivamente gasto ou onde será? só o tempo dirá. Certo é que, uma vez mais, o Plano de Recuperação das Aprendizagens (PRA) se define como um conjunto de anúncios e não como um conjunto de medidas concretas e implementadas. E continua a gerar polémica e a levantar dúvidas, como tem acontecido desde que arrancou em 2021. Sem resultados para mostrar.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Pública (ANDAEP), diz que o concurso chega tarde e a más horas e tem dúvidas da sua eficácia. “Se este dinheiro á para gastar apenas no terceiro período, em poucos dias, há aqui um atraso na abertura do concurso. É curtíssimo e não sei qual é o motivo», afirmou ao Nascer do SOL. Quanto à questão de o plano conseguir ser executado em tão pouco tem, Filinto Lima diz que «as escolas é que vão dizer, de acordo com as suas candidaturas ou não, se conseguem”. E levanta a questão: “Todas as escolas irão candidatar-se, estarão elas interessadas tendo em conta o tão curto espaço de tempo para fazer a candidatura e depois para desenvolveras suas acções no âmbito deste projeto? Não sei se terão interesse”. O que pode vir a ser o mais provável. Mas tem a certeza de que haveria maior adesão se não fossem estes os prazos. “Este plano é interessante e devia estar em execução pelo menos desde o início do ano letivo e vai ter um período muito curo para ser executado”. Assim, tanto o seu sucesso como o aproveitamento dos milhões europeus poderão estar comprometidos. “A verba seria certamente bem aproveitada se os prazos para desenvolver as ações não fossem estes”, garante.

A resolução do Conselho de Ministro de julho de 2023 estrutura o Plano 23724 Escola+ em seis domínios: leitura e escrita; autonomia curricular; recursos educativos; família; avaliação e diagnóstico; inclusão e bem -estar; apoios às comunidades educativas. Que serão concretizados em ações nos ensinos básico e secundário, incluindo escolas profissionais, públicas e privadas. Tendo em vista a “preparação e implementação dos seus planos, as escolas procedem à identificação prévia dos principais domínios em que subsiste a necessidade de recuperação de aprendizagens”. Produzem então um diagnóstico e “elaboram o seu plano, selecionando as ações específicas a desenvolver no ano letivo de 2023/2024, sinalizando para cada uma o número de alunos abrangidos”. Tudo isto num mês em meio e para ser aplicado no último período.

O primeiro programa de recuperação da aprendizagem (Escola 21|23) foi aprovado em julho de 2021. Tinha como finalidade preparar as escolas para que nos dois anos letivos seguintes conseguissem compensar os alunos prejudicas pelas medidas de contenção da pandemia. Para que nenhum ficasse para trás. Um estudo encomendado ao IAVE e publicado em março desse ano, 2021, não avaliava o impacto da pandemia, uma vez que não existiam dados pré-pandemia para comparação. Um ano depois e não se realizou mais nenhum estudo nem foi feito um diagnóstico sobre as perdas de aprendizagem.

Entretanto, entrou em vigor o Escola 21|23. E no final da sua implementação foi demolido pelo Tribunal de Contas (TdC). Em julho do ano passado, o TdC emitiu um relatório denunciando várias falhas graves: “Prioridades pouco claras, a insuficiente afetação de recursos, o excessivo número de ações e a inexistência de metas e de indicadores predefinidos para efeitos de monitorização e avaliação”. Quanto à transparência, lê-se: “A identificação de aspetos críticos da monitorização e avaliação do Plano 21|23, relacionados com o diagnóstico e a avaliação limitados, associados à inexistência de um sistema de recolha de informação nacional para aferir e comparar resultados antes e após a implementação das ações, com validade e fiabilidade, tornam difícil saber se e quando se atingirá o objetivo de recuperar as aprendizagens mais comprometidas”.

Entre as principais críticas feitas à monitorização e avaliação deste plano, o TdC apontou o diagnóstico e a avaliação “limitados que, associados à inexistência de um sistema de recolha de informação nacional para aferir e comparar resultados antes e após a implementação das ações”, impede “saber se e quando serão recuperadas as aprendizagens mais comprometidas”. Quanto ao modelo de financiamento, concluiu que foi “comprometido o princípio da transparência orçamental e não é possível apreciar o esforço financeiro efetuado”.

O que fez o Governo? Respondeu ao TdC e prorrogou por mais um ano o PRA, aprovando o Plano 23/24 Escola+. Desta vez, anunciou-o no segundo período, assim como a verba de 77 milhões, deu um mês e meio às escolas para se candidatarem e pouco mais de dois meses para implementar.