Os guias de Paris

O Baedeker é hoje encarado como um símbolo do diletantismo das classes privilegiadas de Oitocentos. Talvez injustamente. Das 500 páginas sobre Paris e arredores, exatamente 101 são dedicadas ao Louvre.

Não é segredo para ninguém que cada biblioteca transparece, tanto quanto a curiosidade ou os interesses do proprietário, as suas obsessões. Nas minhas estantes encontro, por exemplo, quatro guias de Paris de diferentes épocas. O mais antigo é um Baedeker de 1911, o famoso guia de capa vermelha ou cor de tijolo, suficientemente pequeno para poder ser levado para todo o lado. Criado em 1827 pelo alemão Karl Baedeker, dirigia-se àqueles que se podiam dar ao luxo de fazer turismo – por vezes em grande estilo.

Os guias Baedeker são hoje encarados como um expoente de um certo diletantismo das classes privilegiadas de Oitocentos. Talvez injustamente. Abrindo meu o Paris et ses environs (Paris e arredores), constato que, em cerca de 500 páginas, exatamente 101 são dedicadas ao Louvre. Não é coisa pouca, mesmo tratando-se, nas palavras do autor, do «palácio mais vasto e esplêndido do mundo, cobrindo uma superfície de cerca de 198 mil metros quadrados, ou seja, o triplo do [palácio] do Vaticano, incluindo a igreja de S. Pedro».

O segundo espécime da coleção é, evidentemente, um Michelin, neste caso de 1959. De capa verde, possui um formato alongado próximo do de um mapa, ou não fosse a Michelin uma marca de pneus, pelo que estes guias foram concebidos para acompanhar viagens de automóvel. Acaba por ser mais prático do que o Baedeker, pois a informação ‘respira melhor’, mesmo se o corpo da letra também não é aconselhado para vistas cansadas.

O terceiro, publicado em 1997 pela Gallimard, comparado com os anteriores, é como uma flor que desabrochou. Um autêntico banquete para a vista, tão ricamente ilustrado que quase dispensa a viagem… Um dos diagramas, numa folha desdobrável, é dedicado à cidade subterrânea: «Paris deve o seu rosto às suas entranhas. A pedra dos seus monumentos e a água das suas fontes vêm do seu subsolo, e quilómetros de tubagens digerem o que ela devora»…

O último dos quatro dá pelo sugestivo título de Paris insólita e secreta e é de 2008. Mostra, evidentemente, o lado menos conhecido da cidade. Por exemplo, «uma assombrosa galeria-museu instalada num pagode chinês» ou uma bala de canhão incrustada na fachada de um prédio.

Recapitulando, temos:

– um Baedeker de 1911 – o ano em que um funcionário do Louvre, o italiano Vicenzo Peruggia, saiu do museu com a Mona Lisa debaixo do casaco.

– um Michelin de 1959 – o ano em que De Gaulle assumiu a Presidência e em que apareceu o Astérix, no primeiro número da revista Pilote.

– um Gallimard de 1997 – o ano em que a Princesa Diana sofreu um acidente mortal no túnel de l’Alma, quando fugia dos paparazzi.

– um Paris insólita e secreta de 2008 – o ano em que… nada de muito assinalável se passou em França. A menos que consideremos o casamento de Sarkozy e Carla Bruni um acontecimento importante. Fica a sensação de que quanto mais avançamos no tempo menos interessantes as coisas se tornam. O que, pensando bem, talvez nem seja um mau sinal.