Habitação. Municípios em brasa com o Governo

Autarquias desesperam com a falta de resposta às candidaturas a financiamento da construção de habitação no âmbito do PRR. Presidente da Câmara de Sintra (PS) escreveu carta à ministra.

Em Sintra, só 10% dos financiamentos para habitação no âmbito do PRR foram aprovados e, em Lisboa, apenas um terço. Nos maiores concelhos do país, onde a crise na habitação é um dos problemas mais urgentes e delicados,  as candidaturas submetidas desde a abertura deste  programa de financiamento –  há cerca de três anos – são aprovadas a conta gotas. E os municípios estão num verdadeiro tumulto. Enquanto o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU)não desbloqueia os processos, as câmaras vão assumindo compromissos  e gastam milhões sem a garantia de verem as candidaturas aprovadas. «A carta é só o culminar de um processo. Fizemos várias tentativas para que as coisas melhorassem», explicou na última de reunião de câmara o presidente Basílio Horta ao pedido de esclarecimento do vereador Luís Patrício, do PSD. Mas verdade é que as coisas não melhoraram.  E Basílio Horta, que lidera o município mais pobre da área metropolitana de Lisboa e o segundo maior do país, numa derradeira tentativa  de ter uma resposta  às 65 candidaturas submetidas ao PRR,  foi forçado a escrever uma carta à ministra da Habitação, Marina Gonçalves, que sucedeu a Pedro Nuno Santos na tutela da Habitação. «Havia um problema no IHRU, que estava com dificuldades, e tanto é  assim que a direção foi mudada. Mas mesmo com a nova direção as coisa não têm andado bem», relatou o autarca socialista. E a carta teve um pequeno efeito: «Houve cinco ou seis projetos que estavam adormecidos e foram aprovados», disse o autarca.  Mas poucos e com pouca relevância, «de  algumas centenas de milhares de euros». Uma gota no oceano dos milhões que estão em causa.  Uma vez que a Câmara de Sintra submeteu 65  candidaturas para aquisição de 1222 fogos e reabilitação que correspondem a um valor global de 52 milhões e 700 mil euros. Até agora só foram aprovadas pelo IHRU 15 candidaturas no valor de 5 milhões. Ou seja, menos de 10%.     

Também em Lisboa, um concelho que tem a   declaração fundamentada de carência habitacional, o que permite acesso prioritário a estes fundos, apenas  conseguiu a aprovação de um terço do valor das candidaturas submetidas. Num total de 62 , que correspondem a 310 milhões de euros, só 27 foram desbloqueadas e cerca de 100 milhões de euros. Mas os projetos continuam a andar com ou sem aprovação do IHRUe os municípios já investiram milhões sem saberem se e quando irão ter retorno.   

«Nós já temos grandes investimentos e não podemos continuar a fazê-los, a comprometer a câmara, sem que haja a garantia de que os projetos são aprovados», advertiu Basílio Horta.  Até há data, o município contabiliza «gastos reais, efetivos, para o  erário municipal, na ordem dos 13,5 milhões de euros», lê-se na carta enviada à ministra pelo autarca socialistas,  e em «procedimento de contratação pública» já foram investidos  15 milhões. 

Neste concelho, o objetivo é chegar às 90 candidaturas para um financiamento de 90 milhões até 31 de março. «Tem havido um enorme esforço por parte do município para que as candidaturas sejam submetidas até 31 de Março, prazo que não será prolongado», afirmou o vereador Quinta Nova, do PS, na referida reunião de câmara. O autarca denunciou que este não é um problema circunscrito apenas a alguns, mas sim a todos os concelhos. «Esta não é uma questão do município de Sintra  mas transversal no país. Temos os municípios num verdadeiro tumulto porque não queremos perder estas verbas», afirmou o vereador. «Ninguém gostará, e ninguém deixará de fazer uma dura crítica, se nós chegarmos ao final e tivermos um PRRque não é aproveitado na sua integra por disfunções ou má organização do IHRU. E os municípios têm de ser muito, muito duros».

Segundo Basílio Horta, o problema não é só em relação à habitação: «Em matéria de educação e das escolas também temos coisas que não funcionam. Na remodelação das escolas, um valor muito elevado, diz-se que se não houver PRR, será Orçamento de Estado,  mas a verdade é que só os projetos custam centenas de milhares de euros e nós estamos a avançar. Agora não podemos fazer construção» (enquanto os projetos não forem aprovados), avisou o presidente da câmara. 

Quanto a Lisboa , a Câmara já submeteu 310 milhões de investimento  e tem aprovados 100 milhões, apurou o Nascer do SOL. O que corresponde a 62 candidaturas e 27 aprovadas.  «Estamos bastante apreensivos para saber o que isto dá. está a ser feito um investimento muito grande, com um impacto brutal financeiro. Era bom sabermos o que é para apoiar e o que não é», afirmou ao Nascer do SOL  uma fonte da autarquia.  

Esta falta de resposta do IHRU não é de agora – vem desde o tempo em que Pedro Nuno Santos tutelava esta pasta. A Câmara de Lisboa contabiliza 22 candidaturas submetidas em 2022, 32 em 2023 e 9 em 2024. E até  31 de março, prevê chegar aos 400 milhões de euros em candidaturas, que é o pré- acordo estabelecido com o IHRU. Entretanto, os projetos ainda não aprovados, no valor de  200 milhões, já estão em curso, tal como em Sintra. E uma verba avultada do erário municipal  já foi afetado. Pelo menos 5% dos projetos ainda não aprovados já estão concretizados em obra. Sem garantia de retorno, os compromissos continuam a ser assumidos pelas autarquias