Paulo Raimundo. Um homem do aparelho com a difícil tarefa de reconquistar o eleitorado

A escolha de Paulo Raimundo para secretário-geral do PCP apanhou muitos de surpresa. Mas apesar de ser anónimo para a maioria dos portugueses, o candidato está há muito ligado ao partido. O homem dos sete ofícios tem agora como desafio recuperar as perdas eleitorais e a confiança do eleitorado. Não afasta a ideia de viabilizar…

Surgiu na liderança do PCP como um anónimo e apanhou quase todos fora do aparelho partidário de surpresa. Paulo Raimundo foi o nome escolhido para substituir Jerónimo de Sousa, em vez de João Ferreira ou João Oliveira como muitos estavam à espera. Foi eleito a 5 de novembro de 2022, mas em março desse ano fez a sua primeira presença pública com destaque próprio da função que viria a assumir como secretário-geral do partido comunista, no comício de celebração do centenário do partido, onde afirmou que “a força organizada é capaz de muito, mas a força organizada dos trabalhadores é capaz de tudo”. É o secretário-geral mais novo na história do PCP.

Apesar da surpresa, Jerónimo de Sousa explicou a decisão: “É um homem sensível que compreende as coisas de uma forma célere, é um camarada modesto, que ouve muito os outros. Tenho a profunda confiança de que ele vai ser capaz de dar conta do recado”. Raimundo aderiu à Juventude Comunista Portuguesa em 1991, é membro do partido desde 1994, tendo sido eleito pela primeira vez para o Comité Central dois anos depois e pertenceu à comissão política de Carlos Carvalhas.

Ao nosso jornal, a especialista em ciência política Paula Espírito Santo disse que esta escolha está relacionada com lógicas partidárias que apostam em bases diferentes do ponto de vista daquilo que é o funcionamento interno do próprio partido. “O PCP funciona com um aparelho muito forte interno, em que as figuras não são tão relevantes, o que é importante é o comité central como grande decisor coletivo. É o comité central que toma decisões que normalmente até são unânimes, que não passam pela figura central, em que o líder acaba por permanecer anos a fio, o que lhe permite ganhar notoriedade por essa permanência no espaço público”.

Mas os desafios são muitos. Raimundo tem como primeiro combate as eleições legislativas com o objetivo de recuperar a confiança do eleitorado e estancar as perdas eleitorais, depois de ter visto a sua bancada parlamentar reduzir-se para seis deputados, longe dos 15 que tinha na anterior legislatura. Um número que permitiu ao partido viabilizar um Governo de esquerda sobre a liderança de António Costa. Mas que agora também representa um desafio para Paulo Raimundo se a ideia é fazer uma gerigonça 2.0. O secretário-geral comunista já veio garantir que o partido “nunca faltará para dar contributos positivos” e apelou a que não peçam aos comunistas “para mudar de opinião e de caminho”, sem dar uma resposta definitiva sobre um eventual acordo de incidência parlamentar com o PS.

Ainda assim, tem vindo a lamentar o debate que tem sido feito em torno dos cenários políticos de governabilidade após as eleições legislativas, considerando que se trata de “questões laterais” e que não respondem às necessidades das pessoas. “Quanto mais tempo perdemos a falar dos cenários, menos tempo temos para falar das respostas concretas, e há muitos partidos que querem fugir a esse debate. Preferem falar no debate dos cenários e não das respostas concretas”, referiu.

Entraves

O facto de o PCP ter chumbado o Orçamento do Estado – um comportamento idêntico ao Bloco de Esquerda – em 2021 e levando o país a eleições no ano segundo, o que deu maioria absoluta ao Partido Socialista, parece ainda não ter sido esquecido pelos portugueses e a somar ao desafio há que contar que Paulo Raimundo ainda não conseguiu brilhar no seu papel. Também a sua presença nos debates televisivos não saiu triunfante, talvez por ser o menos experiente dos novos líderes.

Também o facto de PCP ter sido o único partido a não condenar a invasão russa não lhe facilita o seu trabalho, ainda assim Paulo Raimundo tem vindo a mudar o discurso e num dos recentes debates referiu que “as forças da paz não vão permitir em que nos tenhamos que deparar com uma situação em que exista uma guerra global”, defendendo que “para chegarmos a essa paz é preciso que os intervenientes na guerra se juntem à mesa”. E não hesitou: “Enquanto os EUA, UE, Ucrânia e Rússia não se sentarem à mesa não vai haver resolução”.

Mais recentemente demarcou-se das opções da Rússia após a morte do opositor russo Alexei Navalny numa prisão no Ártico, onde cumpria uma pena de 19 anos de prisão sob “regime especial”, referindo que “estamos aqui perante mais um exemplo claro, de opções claras, que nos colocam no lado oposto daquilo que são as opções do governo russo, do governo capitalista russo”.

Homem dos sete ofícios

Paulo Raimundo tem no seu currículo várias profissões. Trabalhou como carpinteiro, padeiro, operário, animador cultural na Associação Cristã da Mocidade na Bela Vista e funcionário da JCP. Desde 2004 é funcionário do PCP. Nasce na época em que os seus pais, naturais de Beja, trabalhavam como funcionários do Estoril Futebol Clube, vivendo nas instalações do clube. Quando tinha três anos a família vai viver para Setúbal. Disse que as suas primeiras memórias ficam marcadas pela “vivência de rua e junto ao rio Sado”, onde chegou a participar na apanha do marisco com a mãe.

Frequentou a Escola Primária do Faralhão, freguesia do Sado, em Setúbal, uma escola construída durante a Revolução de Abril, na dinâmica do trabalho solidário e voluntário dos trabalhadores e populações da localidade, como recorda o PCP no seu site, referindo ainda que o período em que estudou e trabalhou permitiu-lhe ter um contacto com diferentes realidades laborais e sociais, o que lhe deu acesso a “realidades que lhe permitiram sentir as contradições do dia-a-dia, a realidade do trabalho mal pago, da exploração e da precariedade e, por outro lado, ter a vivência da camaradagem e da solidariedade entre os trabalhadores”.

Casado e pai de três filhos, o PCP descreve-o com “um percurso de vida dedicado à defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo português, por um Portugal com futuro, pelo ideal e projeto comunistas”.

Curiosamente foram agora divulgadas umas imagens de Paulo Raimundo, na altura com 17 anos, em que surge a cantar e a dançar no famoso concurso de talentos A Filha da Cornélia, apresentado por Fialho Gouveia e chegou mesmo a ganhar o concurso na sua segunda participação.