AD. Vários protagonistas para conseguir chegar a todos

Onde muitos viram um problema, os estrategas da campanha viram uma oportunidade para chegar a eleitorados diferentes e à boleia dominar o debate político na primeira semana de campanha.

Para ganhar eleições a AD tem que ir atrás de todos os votos. Recuperar votos fugidos para o Chega e reconquistar o centro, é um desafio difícil de conciliar. Ao falar para uns podem perder-se outros e é neste equilíbrio difícil que se desenrolado a campanha da AD.

Desde o anúncio da coligação que ficou muito claro que Nuno Melo e Luís Montenegro iriam desempenhar papéis diferentes no contacto com o eleitorado. Melo falaria sobretudo ao eleitorado de direita e Montenegro manter-se-ia rigorosamente ao centro.

O guião tem sido cumprido, mas à primeira divisão de papéis a campanha da AD juntou outras vozes, cada uma delas escolhida a dedo para se dirigir a setores específicos do eleitorado, cada uma cumprindo a sua missão, mesmo que para isso possa ser considerada uma voz dissonante. Ao que sabe o i a única surpresa que abalou a campanha foram as declarações inesperadas de Paulo Núncio, número dois do CDS e candidato a deputado por Lisboa. O tema de um novo referendo ao aborto veio criar um ruído que a AD dispensava e que obrigou Montenegro a desautorizar Paulo Núncio, para acabar rapidamente com o imprevisto.

Apito de cachorro

Apito de cachorro, ou política do dog whistle, é uma mensagem política que parece significar uma coisa para a população em geral, mas tem um significado mais específico e diferente para subgrupos alvo.

É uma técnica testada em várias campanhas, nacionais e internacionais, e parece ser a estratégia adotada pela AD para conseguir chegar a potencial eleitorado de setores específicos.

É assim que aquelas que foram consideradas gaffes de campanha que obrigaram Montenegro a ter que passar a primeira semana a recentrar o discurso, não parecem ter criado grande incómodo ao líder da AD, nem levaram a um cuidado redobrado com convidados ou com o controlo das mensagens.

A verdade é que a caravana da AD considera que Passos Coelho não só não prejudicou a campanha como trouxe uma ajuda imprescindível para uma larga faixa de eleitorado que admira o ex-primeiro-ministro e que tem estado mais afastada do PSD. Quanto à polémica gerada em torno das declarações sobre imigração e segurança, também elas foram vistas com agrado, porque refletem uma preocupação clara de muitas populações e permitiu colocar o tema da imigração na agenda.

Também a escolha de Eduardo Oliveira e Sousa para discursar em Santarém não foi um acaso, nem terá causado incómodo. O ex-presidente da CAP falava para uma plateia de agricultores, e o seu discurso destinava-se a ser ouvido pelo mundo rural de norte a sul. “As últimas manifestações de agricultores aqui e em toda a Europa provam bem que estas são as preocupações do setor”, diz-nos uma fonte envolvida na campanha. Mais uma vez aqui, as declarações tiveram um efeito no debate político que não é comparável ao que tiveram no setor agrícola.

Por fim também a aparição de Durão Barroso cumpriu um propósito. Para além de mostrar o apoio de um dos mais importantes senadores do PSD, Barroso veio também colocar no discurso da AD a importância dos valores nacionais e da família, numa clara mensagem para um eleitorado mais conservador que poderá estar em dúvida entre o voto no Chega ou na AD.

A primeira semana de campanha terá assim correspondido em pleno ao que estava planeado: falar a vários grupos específicos do eleitorado considerados essenciais para construir uma vitória eleitoral no dia 10 de março.

AD no centro das atenções

Com bons ou maus motivos, a verdade é que a AD esteve no centro de todas as discussões políticas na primeira semana de campanha. Pedro Nuno Santos viu-se mesmo na necessidade de justificar porque motivo perdia tanto tempo a falar dos outros e esforçou-se nos últimos dias por mudar o discurso.

Este é também um trunfo que os apoiantes da AD reconhecem na passagem para a reta final da campanha. “Nós marcámos a agenda e lançámos os temas que estiveram no centro de todos os debates políticos, obrigando os outros a serem reativos. A iniciativa esteve do nosso lado”.

Perante tudo isto, Luís Montenegro tem conseguido continuar a cumprir o seu guião. Na resposta a todas as supostas polémicas provocadas por afirmações feitas nas intervenções feitas nos comícios da AD, o líder do PSD mostrou sempre moderação e foi aproveitando para apresentar as várias propostas da Aliança Democrática.

Manter ou não o ritmo da campanha na última semana antes da ida a votos é o grande desafio que a AD enfrenta por estes dias.

No interior da coligação espera-se que o efeito surpresa continue a ter capacidade para o domínio da agenda, ao mesmo tempo que parece certo que, depois de um primeiro tempo para ouvir vozes aparentemente dissonantes, agora se aproximem dias em que os discursos serão mais moderados e ao centro.

O nosso jornal sabe que o desfile de figuras vai continuar ao longo de toda a campanha, mas agora esperam-se presenças com capacidade para outro tipo de tração. Marques Mendes e Paulo Portas são nomes que deverão marcar presença nos próximos dias e espera-se da presença dos dois um apelo ao voto do centro, alavancado na capacidade que estes dois nomes conquistaram nos últimos anos com a sua presença no comentário televisivo.

A ordem neste momento é para não baixar os braços nem dar a vitória por garantida. Apesar de os dados das sondagens darem indicação de que a AD está num percurso ascendente, o elevado número de indecisos que os estudos de opinião ainda revelam deixam dúvidas e receios sobre uma inversão dos números na reta final da campanha.

O guião é para cumprir escrupulosamente até ao final, evitando cenários de vitórias antecipadas. Montenegro sabe que um passo em falso pode deitar tudo a perder e por isso vai evitar triunfalismos, preferindo vincar até ao fim a importância de concentrar votos na AD para permitir uma mudança política no país. O risco de uma vitória de última hora do PS é um papão com que vai continuar a agitar até ao último dia.