Governar em regime de duodécimos divide economistas

Mira Amaral reconhece que é uma solução que agrada a quem ‘não gosta de despesa pública e duvida da eficácia da intervenção do Governo na economia’. Já Luís Aguiar-Conraria diz que vive ‘muito bem com duodécimos’ e que um retificativo tiraria pressão ao PS para aprovar o Orçamento de 2025.

Com a geometria parlamentar saída das eleições de 10 de março, a hipótese de Portugal ser governado no próximo ano em regime de duodécimos tem vindo a ganhar terreno, até mesmo no PSD. Um cenário possível caso a proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano seja chumbada no Parlamento, o que cria algumas reservas e divide opiniões junto dos economistas ouvidos pelo Nascer do SOL.

Luís Marques Mendes – que deu o tiro de partida para esta hipótese – já veio afirmar que «é uma má solução», lembrando que um chumbo em 2025 iria provavelmente repetir-se no ano seguinte. «Na prática, o país viveria dois anos em regime de duodécimos. Sem Orçamento durante 2025 e 2026. Até porque, de 9 de setembro de 2025 a 9 de março de 2026, o Presidente da República não pode dissolver a Assembleia da República», acrescentando que seria «um desastre político para o Governo», que ficaria «num pântano, fragilizado e de mãos atadas» – face à expectável pressão de alguns setores, a começar pelos funcionários públicos.

Ao nosso jornal, Luís Mira Amaral diz que, em termos constitucionais, o facto de um Orçamento ser chumbado não implica necessariamente que o Parlamento tenha de ser dissolvido, cabendo essa decisão ao Presidente da República, embora admita que «não seria desejável».

Para já, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu não passar de um exercício de futurologia comentar um cenário em que o Executivo terá de governar em regime de duodécimos, sublinhando que o Orçamento está em vigor há apenas quatro meses. «Isso é futurologia. Temos um Orçamento que está em vigor há quatro meses e já estamos a falar do que acontece daqui a oito ou nove meses», afirmou o chefe de Estado nesta semana.

Mira Amaral diz, no entanto, que esta solução é vista com bons olhos para quem «não gosta de despesa pública e para quem tem dúvidas da eficácia da intervenção do Governo» na economia. «Essa malta fica encantada com os duodécimos porque não se faz um puto e é maneira de não se poder gastar mais». Mas lembra que, nesse cenário, seria o Orçamento Retificativo a vigorar em 2025, que já irá contar com um aumento da despesa e, no seu entender, «bastante superior» ao que conta atualmente.

O economista não hesita: «Este não é um caminho técnico, é um caminho político. Os partidos e principalmente o PSD que formou o Governo fizeram promessas e têm de cumprir alguma coisa, caso contrário é um descrédito total».

‘Vivo bem com duodécimos’

Mais entusiasmado com esta solução está Luís Aguiar-Conraria. «Vivo muito bem com duodécimos. Achei um disparate Marcelo Rebelo de Sousa ter convocado eleições porque o PS não conseguiu aprovar o Orçamento de Estado, na altura, tal como achei agora um disparate ter andado a adiar as eleições para permitir que houvesse a aprovação do Orçamento», refere ao Nascer do SOL.

O economista recorda ainda que Portugal viveu neste regime quase seis meses, depois de António Costa ter ganho as eleições em 2022 com maioria absoluta. «Nessa altura, não houve problema nenhum. Entre o Governo tomar posse, apresentar o Orçamento, ir à generalidade e ser aprovado, ir à especialidade e voltar a ser aprovado passou-se praticamente meio ano».

Mas, para isso, defende que o Orçamento a vigorar teria de ser um Retificativo: «Se não houver Orçamento de Estado Retificativo, isso queria dizer que a AD estaria a governar em 2024 e depois em 2025 com um Orçamento do PS, e aí já me parece um bocado pesado».

Ainda assim, reconhece que o Governo teria menor margem de manobra, já que a flexibilidade aí seria muito curta. «No fundo, seria aplicar o Orçamento de 2024 mês a mês, em que não há flexibilidade de se poder aumentar a despesa todos os meses e algumas teriam de ser adiadas para o mês seguinte de forma a poderem ser encaixadas. Mas de certa forma obriga a não aumentar muito a despesa, o que é uma boa forma de controlar a despesa pública porque não se pode aumentar os gastos», acrescenta.

Pressão sobre o PS?

Luís Aguiar-Conraria diz também que, se houver um Retificativo, a governabilidade já não recai sobre um Orçamento aprovado pelo PS. E esclarece: «É o que foi aprovado pelo PS mas com a correções que a AD fizer. Por isso é que me parece que há tanta boa vontade do PS para aprovar o retificativo, pois assim retirar a pressão de terem de aprovar o Orçamento de Estado para 2025, daí a disponibilidade pela carta enviada».

Em causa está a disponibilidade, manifestada esta semana pelo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, para negociar um acordo que, em 60 dias,  permita encontrar soluções que valorizem as carreiras e os salários na Saúde, Segurança, Justiça e Educação. E, se necessário, materializá-lo através de Orçamento Retificativo. Luís Montenegro aceitou o repto do secretário-geral do Partido Socialista, afirmando que os dois devem agendar uma reunião «quando for oportuno», mas só depois de ouvir os setores.

Também Mira Amaral reconhece que em relação ao que se tem assistido em torno do comportamento dos partidos «não é possível fazer pressão sobre os líderes partidários, já que vão jogar em função da performance do Governo e da visão que a opinião pública tenha sobre o Governo». E acrescenta: «Se o Governo estiver a fraquejar é tiro e queda para o deitarem abaixo, mas se tiver criado uma imagem que a malta acredita então pensam duas vezes. Por aquilo que conheço, esse tipo de pressões não funciona para os líderes políticos, é musica celestial».

Quanto à revisão em baixa do crescimento da economia portuguesa pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), que antecipa uma desaceleração da atividade económica para 1,6% em 2024 (2,3% em 2023), seguido de uma recuperação para 1,9% e 2,1% em 2025 e 2026, respectivamente, o economista lembra que «o CFP aprecia do ponto de vista técnico orçamental, mas o Governo que entrou em funções comprometeu-se perante a opinião pública, por isso, alguma coisa vai ter de cumprir. E se há coisa que é evidente é que a despesa pública vai aumentar. O problema que tem é que não é uma despesa não recorrente, ou seja, fica para sempre. Mas isso não é economia, é política», conclui.

Outro risco apontado pela entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral diz respeito à eventual não aprovação de legislação necessária à autorização dos desembolsos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), devido ao novo quadro parlamentar, o que poderá penalizar a FBCF (formação bruta de capital fixo) projetada.

sonia.pinto@nascerdosol.pt