Foi o primeiro dossiê quente que Maria do Rosário Palma Ramalho, a nova ministra do Trabalho e da Segurança Social, quis resolver.
As notícias sobre a grave situação financeira que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) atravessa são alarmantes e a ministra quis saber logo no início do seu mandato como é que a administração estava a fazer face ao problema. As respostas que obteve – e, sobretudo, de acordo com o comunicado da ministra, a ausência de respostas – levou à decisão de exonerar Ana Jorge e toda a equipa que a acompanha na provedoria. A decisão foi tomada na segunda-feira, e nessa mesma manhã comunicada à provedora. De lá para cá, multiplicaram-se as acusações de saneamento político e os pedidos de justificação a Palma Ramalho. Ministra e ex-provedora estão já convocadas para prestar esclarecimentos no Parlamento.
A linha do tempo de uma exoneração
Da primeira reunião entre a ministra e a provedora, no dia 12 de abril, ficou pendente a prestação de informação complementar considerada essencial pela tutela. Essa informação não tinha chegado ao Ministério até ao final da semana, facto que precipitou a decisão de exonerar a administração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A rápida tomada de decisão tinha em conta que no dia 2 de maio Ana Jorge completaria um ano à frente dos destinos da SCML e a partir dessa data teria direito a uma indemnização caso fosse exonerada. Assim, o Governo ficaria desobrigado do pagamento de indemnizações à administração demitida.
Palma Ramalho convocou Ana Jorge para uma reunião no Ministério na segunda-feira, às 12h. A provedora chegou meia hora mais tarde, por ter estado a participar numa reunião do Conselho de Jogos. O encontro, que começou às 12.30h, durou menos de meia hora, tempo suficiente para a ministra expor as razões pelas quais tinha tomado a decisão de demitir a mesa da SCML. Ramalho colocou a opção à provedora de apresentar a demissão, para não ser demitida. Ana Jorge pediu duas horas para decidir e voltou para o seu gabinete, onde transmitiu aos restantes membros da mesa a decisão da tutela.
Às 15.30h, João Correia, vogal da mesa, tendo já conhecimento da eminente exoneração, assinou contratos que comprometem a SCML_num valor global de 6 milhões de euros.
Às 16h, antes de a provedora ter comunicado a sua decisão à ministra, começam a circular na comunicação social notícias de que a administração da Santa Casa tinha sido demitida. Só meia hora mais tarde, às 16.30h, é que Ana Jorge comunicou a Palma Ramalho que não se iria demitir. Às 17.30h, a ministra assina a exoneração da mesa da SCML.
5 mil e 500 milhões para SIC e TVI
São dois contratos de prestação de serviços de publicidade à SCML aprovados na reunião da administração de 18 de abril, e assinados por João Correia, vogal da mesa, já depois de saber que toda a administração iria ser exonerada nesse mesmo dia.
Antes de perder formalmente os seus poderes, o administrador da SCML quis garantir o pagamento de 3 milhões de euros à SIC e 2 mil e 500 milhões à TVI.
Aos dois contratos milionários com as estações de televisão juntou-se mais uma assinatura, na mesma segunda-feira à tarde, de um contrato por ajuste direto no valor de 500 mil euros. Neste caso, tratou-se de um «contrato de aquisição de serviços de assistência técnica e atualização ao licenciamento dos sistemas de informação SAP». O ajuste direto foi feito à empresa AVVALE, Unipessoal LDA, que não consta da lista de empresas oficiais credenciadas para o licenciamento SAP (um sistema tecnológico que permite fazer a gestão automatizada de recursos). As entidades públicas estão autorizadas a fazer ajustes diretos com empresas credenciadas para o sistema. Não sendo este o caso da AVVALE, coloca-se a dúvida sobre a legalidade deste ajuste de 500 mil euros.
Ana Jorge quis processar tutela e impugnar demissão
Já depois de ser pública a decisão governamental, a mesa da SCML reuniu informalmente na terça-feira de manhã. Nesse encontro, Ana Jorge apresentou uma proposta aos outros membros da mesa para impugnar judicialmente a exoneração e ainda fazer uma queixa-crime contra a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho e contra o primeiro-ministro, que também assinou o despacho de exoneração, por calúnia e difamação.
Esta pretensão da provedora não teve acolhimento junto da maioria dos membros da mesa. Apenas João Correia esteve ao lado de Ana Jorge.
Perante isto, a provedora resolveu que deixaria para a Assembleia da República, para onde está convocada, para contar a sua verdade.
Numa carta enviada aos trabalhadores, Ana Jorge escreve que «o comunicado emitido pelo Ministério do Trabalho é, pela forma rude, sobranceira e caluniosa com que justifica a minha exoneração, motivo para me sentir desiludida».
Enquanto aguarda pela sua substituição à frente dos destinos da SCML, Ana Jorge continua à frente da instituição em regime de gestão corrente.
Ao que sabe o Nascer do SOL, a nova administração será conhecida nesta sexta-feira. Os nomes escolhidos são um segredo bem guardado, cumprindo aquilo que é já uma tradição deste Executivo.