Albuquerque fecha acordo com Ventura nas costas de Montenegro

Direção nacional do PSD não foi tida nem achada nas negociações com André Ventura. Miguel Albuquerque comprometeu-se a sair se for acusado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Zarco.

Foram duas semanas de negociações intensas, que só ficaram concluídas na manhã desta quinta-feira, a tempo de garantir a aprovação do programa de governo que permite a Miguel Albuquerque começar a governar. Ao que o Nascer do Sol apurou, o acordo entre PSD e Chega que permitiu a viabilização do governo regional passou sobretudo por entendimentos feitos em Lisboa, diretamente com André Ventura. Foi um deputado do PSD/Madeira que ao longo destes dias foi conversando com o líder do Chega procurando encontrar os compromissos que permitissem a Ventura deixar passar o governo de Albuquerque, ao contrário do que sempre foi dizendo ao longo dos últimos e meses.

Só na véspera da votação é que ficou garantida a viabilização do governo, depois de Miguel Albuquerque ter acedido à última exigência do Chega. Ventura enão abdicou da garantia do líder do governo regional de que abandonará todas as funções políticas caso venha a ser acusado no processo Zarco – em que Albuquerque é arguido. Esta última exigência veio somar-se a outras duas anteriormente aceites e que agora terão que ser postas em prática: a criação de um gabinete anti-corrupção e uma auditoria externa às contas do governo regional.

Nas costas da direção do PSD nacional e do Chega-Madeira

Ao longo de todo o processo, que foi tendo altos e baixos, nem Miguel Albuquerque, nem o líder do Chega/Madeira foram determinantes para o acordo a que se chegou. As negociações públicas que se foram fazendo na Quinta Vigia entre o líder do governo e Miguel Castro, líder do Chega Madeira, serviram mais como uma encenação de que as portas entre as duas forças políticas não estavam fechadas. Desde o início que era certo que a decisão final era de André Ventura e, nesse sentido, era obrigatório encontrar alguém que liderasse as negociações com ele. A aposta foi num deputado do PSD/Madeira muito próximo de Miguel Albuquerque e que, simultaneamente, tem mantido sempre boas relações com a bancada do Chega no Parlamento.

«Nunca ninguém me perguntou nada, nem fez qualquer comentário sobre como e o que é que estava a negociar», garante-nos o deputado que esteve no centro das negociações, referindo-se à liderança da bancada e do partido.

Do lado da direção nacional do PSD  não houve qualquer intervenção.  Todo o processo decorreu sem um único contacto com o líder do governo regional da Madeira. Montenegro não quis ser um empecilho nas negociações, mas também fez questão de não tomar parte nelas, matendo assim intacto o seu ‘não é não’ a nível nacional. Ao contrário do que aconteceu nos Açores em vésperas de eleições nacionais, desta vez o líder do PSD_respeitou em absoluto a autonomia regional e deixou Albuquerque de mãos livres para resolver como entendesse o imbróglio que quase o impediu de começar a governar.

Desta forma, aquele que é o primeiro entendimento formal entre Chega e PSD desde que Luís Montenegro é líder do PSD mantém intactas as relações difíceis entre os dois partidos a nível nacional.

O método adotado foi o de conversações discretas nos gabinetes da Assembleia da República em que o deputado intermediário serviu de ponte entre Ventura e Albuquerque. Os dois nunca falaram pessoalmente e os compromissos foram assumidos através de mensagens escritas.

Ao que nos foi dito, André Ventura ainda tentou adiar o compromisso para um momento posterior ao debate em que o Chega levou a votos as propostas para aumentar o suplemento dos polícias, mas o calendário regional não o permitia. O facto ainda gerou algumas hesitações, mas o entendimento acabou mesmo por concretizar-se ao mesmo tempo que o país estava concentrado nos desenvolvimentos do debate para o qual André Ventura tinha convocado os polícias.

A coincidência acabou por favorecer o Chega, já que evitou discussões sobre a incoerência da votação no parlamento regional, depois de muitas semanas a dizer que isso seria impossível.

Possíveis divisões na bancada aceleraram decisão

Ao que o Nascer do SOL apurou, um dos fatores que foi decisivo para a viabilização do Chega, foi o facto de dois dos quatro deputados eleitos pelo partido ameaçarem votar ao lado de Albuquerque, desobedecendo às orientaçoes da liderança.

As fragilidades do partido a nível regional, sobretudo depois de não ter conseguido um bom resultado nas eleições antecipadas, potenciou as divisões internas e mesmo a contestação à liderança a nível regional. O que os deputados eleitos temiam era que, em caso de convocação de novas eleições, o Chega não conseguisse repetir o score eleitoral e os quatro mandatos se transformassem num resultado inferior, com menos lugares no parlamento.

Miguel Albuquerque explorou ao longo destes dias essas divisões e, em Lisboa, André Ventura preferiu não arriscar nova crise política com uma ida às urnas que lhe poderia trazer mais um dissabor.  

raquel.abecasis@nascerdosol.pt