Com a maior parte da classe política a banhos, já se prepara o regresso de férias para dar início a um ano que promete ser agitado. O Orçamento é só o primeiro desafio, que ditará o ritmo do ano político. Num cenário normal, sem colocar a hipótese de eleições antecipadas, os partidos políticos têm dois marcos que vão ditar as suas estratégias eleitorais: as eleições autárquicas em setembro/outubro de 2025 e as presidenciais em janeiro de 2026.
É com estas datas na cabeça que as lideranças políticas vão fazer contas para decidir os próximos passos, numa legislatura em que a tática política tem mais importância do que nunca. A decisão certa na hora certa, ou um erro de análise podem alterar os dados do jogo político e ninguém quer cometer erros.
Por agora e até setembro é tempo para marcar território e tentar chegar à mesa das negociações orçamentais em vantagem. Não é por acaso que PS e Chega têm insistido em dizer que tudo está em aberto e em descartar a ideia de que a margem negocial é estreita por causa das medidas já aprovadas no Parlamento por iniciativa dos dois principais partidos da oposição, avaliadas num total de 733 milhões (descida de IRS, alargamento das deduções com despesas de rendas de habitação, abolição das portagens das SCUT, IVA_para a eletricidade).
Governos de Guterres no argumentário do Executivo
O discurso do Governo está alinhado e passa por invocar o exemplo do consulado de António Guterres, o ex-primeiro-ministro do PS_que governou entre 1995 e 2001, sempre em minoria e sempre com orçamentos aprovados.
Nos últimos dias, foram vários os membros do Governo que vieram a público defender a ideia de que o PS deve revisitar os tempos da governação Guterres e adotar o princípio da reciprocidade, replicando a disponibilidade que o PSD teve nessa altura para aprovar os orçamentos de Guterres, não obrigando o então governante a abdicar do seu programa.
«E uso a palavra ‘desvirtuado’ de propósito porque esta era a expressão que António Guterres usava naqueles anos em que negociou orçamentos no seu primeiro Governo e em que, com exceção do primeiro, passaram com a abstenção do PSD», refere o ministro das Finanças numa entrevista concedida esta quarta-feira à Rádio Renascença e ao Público. Idênticas expressões tiveram nos últimos dias o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e a ministra da Juventude, Margarida Balseiro Lopes.
Orçamento deve passar
São claramente intervenções que procuram balizar as negociações e a margem de manobra do Governo para ceder às exigências da Oposição, em particular do PS e do Chega, que têm nas mãos o poder para chumbar ou deixar passar o Orçamento. É nessa linha que Miranda Sarmento dramatiza um cenário em que as exigências negociais impeçam o Governo de avançar com medidas bandeira, ainda que «calibradas» no processo negocial como é o caso do IRS Jovem e da descida do IRC. «Se desvirtuar, obviamente que o Governo terá de perguntar aos portugueses se aceitam ter um orçamento que, primeiro, possa pôr em causa o equilíbrio das contas públicas e, segundo, um orçamento que não reflete aquilo que foi o programa eleitoral».
Que o Orçamento de Estado para 2025 deve ser viabilizado é a opinião generalizada nos corredores políticos e até naqueles que mais à distância observam o jogo de palavras dos últimos dias.
«Eu não tenho uma bola de cristal e não sou como o Marcelo para saber tudo. Acho que o Orçamento vai acabar por passar, vai ser um bocadinho com ‘band aid’, com acrescentos, mas vai acabar por passar, não tenho grandes dúvidas». Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, acredita que nenhum partido está interessado em eleições e acredita que os últimos números da economia, revelados esta semana, que não foram animadores, vão ajudar o Governo a impôr alguma parcimónia nas negociações.
Opinião idêntica tem Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais: «Acho que está passado (o Orçamento), mas nem será por bons motivos, será por motivos de receio, porque o Partido Socialista neste momento não se sentirá em condições nem garantirá essas condições até outubro, de se sentir à vontade para poder ir a eleições, é mais prudente não criar problemas ».
A juntar-se a esta convicção surge também a opinião de António Costa expressa esta semana em entrevista ao canal de notícias NOW: «Se não houver nenhuma medida que seja absolutamente intolerável para a oposição, eu acho que a oposição deve viabilizar». O antigo primeiro-ministro sublinha que, apesar de ser possível governar em duodécimos, «não é a solução ideal num contexto de grande instabilidade internacional».
A entrevista de António Costa foi vista no interior do Partido Socialista como uma ajuda ao Governo de Montenegro e um condicionamento à liderança de Pedro Nuno Santos. Ao defender a utilidade da viabilização do Orçamento, como fator imprescindível para que o país possa enfrentar com mais segurança possíveis choques que sejam provocados por fatores externos, o ex-primeiro-ministro retira argumentos e poder negocial ao PS.
Grande incómodo causou também a tese defendida por Costa de que o instrumento certo para responsabilizar os Governos por parte da oposição é a utilização da moção de censura e não a aprovação de orçamentos, que é «fundamental para a ação do Estado».