Médio Oriente: A escalada

Há muito que se temia o envolvimento direto do Irão no conflito e, após uma ameaça em abril, hoje a escalada parece inevitável. Israel reforçará a sua ofensiva contra Teerão.

O mais recente conflito no Médio Oriente, que há muito transcende a Faixa de Gaza, está a três dias de completar um ano. Um ano desde o ataque terrorista levado a cabo pelo Hamas – com a autoria indireta do Irão – contra a população israelita que trouxe imagens de barbárie. O que se seguiu foi a resposta de Israel – cuja proporcionalidade é discutida e objeto de escrutínio internacional – que tem levantado preocupações na dimensão humanitária.

O vírus do conflito contamina hoje toda a região, desde os Houthis no Iémen ao Hezbollah no Líbano, passando pela Síria e chegando ao maior rival de Israel, o Irão. O confronto direto entre as duas principais potências da região constitui uma das fundamentais preocupações internacionais. As tensões há muito que são uma realidade e o 7 de outubro agravou o ódio proverbial. É de lembrar que o Hamas, o Hezbollah e os Houthis são financiados pela República Islâmica do Irão e atuam como seus proxies.

O discurso premonitório

Em abril deste ano temeu-se a escalada total após o ataque de Israel a um edifício perto da embaixada iraniana em Damasco, que vitimou mortalmente membros de topo da Guarda Revolucionária Iraniana. Num exercício de retaliação, o regime de Teerão fez chover mísseis sobre Israel, causando danos mínimos e apostando na contenção, também para evitar o envolvimento direto dos Estados Unidos.

Porém, e ainda que os ataques iranianos desta semana apresentem claras semelhanças com os de abril, a conjuntura atual é diferente. As Forças de Defesa de Israel (FDI) têm conduzido operações no Líbano ao longo das últimas semanas, tendo eliminado toda a cúpula de liderança do Hezbollah – o que culminou na morte de Hassan Nasrallah após um ataque aéreo em Beirute. O bombardeamento que derrubou seis edifícios, matou seis pessoas e feriou outras noventa, segundo dados do Ministério das Saúde do Líbano, foi realizado no momento em que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, discursava perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Podemos hoje constatar que a sua exposição foi premonitória.

Além de reforçar a ideia de que Israel não descansará até reaver todos os reféns ainda detidos na Faixa de Gaza, Netanyahu dirigiu-se especificamente ao Irão: «Tenho uma mensagem para os tiranos de Teerão», afirmou perante a bancada vazia dos representantes do regime teocrático, «se nos atacarem, atacaremos de volta. Não há local no Irão que não esteja ao alcance do longo braço de Israel. E isto aplica-se para todo o Médio Oriente». «Há demasiado tempo que o mundo apazigua o Irão. (…) Esse apaziguamento deve acabar agora».

‘Bibi’, como é conhecido, mencionou também o Hezbollah e a necessidade de desmantelar o grupo terrorista – algo que tem sido feito tanto com a eliminação das altas patentes como através da invasão terrestre – e pode ter funcionado como engodo para provocar um ataque iraniano.

Ataque e sistemas de defesa

Na noite de terça-feira, o Irão acabou mesmo por lançar um ataque contra Israel, disparando cerca de duzentos mísseis. No entanto, e à semelhança do que aconteceu em abril, os danos foram mínimos: durante a operação faleceram apenas membros da Guarda Revolucionária Iraniana com uma explosão no lançamento de um míssil e um cidadão palestiniano atingido pelos destroços de um projétil intercetado que caiu nas ruas de Jericó, na Cisjordânia.

Nos vídeos que circulam na internet e nas televisões é possível observar a luta dos sistemas de defesa antiaérea israelitas contra o fogo iraniano, mas as imagens que mostram um número considerável de mísseis a atingir Israel podem ser enganadoras. Os projéteis que efetivamente atingiram solo israelita caíram em ‘zonas vazias’ e não em áreas residenciais ou alvos estratégicos. Assim, é impreciso constatar que os sistemas de defesa fracassaram.

O Estado judaico possui três sistemas de defesa antimíssil distintos: o Iron Dome, ou Cúpula de Ferro, a Funda de David e o sistema Arrow. O Iron Dome consegue apenas intercetar mísseis de curto alcance, com uma abrangência de 70km, enquanto que a Funda de David e o Arrow têm capacidade para detetar e destruir mísseis a distâncias de até 300km e 2400km, respetivamente.

Ainda assim, foram assassinados sete civis israelitas num ataque terrorista em Jaffa, perto de Telavive. Os dois jovens homicidas utilizaram uma metralhadora e uma faca para perpetrar o ataque e eram habitantes de Hebron, na Cisjordânia.

O erro estratégico

O regime iraniano pode ter cometido um erro estratégico que importa ressalvar. Não estando interessado num possível envolvimento direto americano – que tem uma presença militar reforçada na região -, a escala dos ataques a Israel não deverá ser superior à desta semana. O ataque de terça-feira pode ter consequências indesejadas para o líder supremo Ali Khamenei e todos os seus fiéis seguidores e apoiantes.

Isto porque Netanyahu tem agora uma justificação para atacar de forma mais agressiva o regime para lograr os seus principais objetivos, que são a destruição das infraestruturas nucleares – para evitar que um regime como o iraniano possua armas desse calibre – e petrolíferas, podendo, num último cenário, pôr um ponto final no regime opressor. É um cenário que não pode ser descartado, uma vez que o descontentamento dos iranianos face à República Islâmica é visível, o que levou Reza Palavi, filho do último xá do Irão, a pronunciar-se: «Ali Khamenei trouxe a nossa amada nação para a beira da guerra», escreveu no X. «Há décadas que forja o terror e o caos na região. Agora enfrenta as consequências. Mas vamos ser claros: esta é a guerra da República Islâmica e não do povo iraniano», acrescentou Palavi que garante ainda estarmos perante um «momento de oportunidade», sentimento que é partilhado pelos israelitas. Naftali Bennett, ex-primeiro-ministro de Israel, acredita que se deve agir de imediato «para destruir o programa nuclear iraniano (…) e afetar fatalmente este regime terrorista» e «garantir à população iraniana uma oportunidade de se erguer e sacudir o regime que tiraniza as suas mulheres e as suas filhas». «Temos a justificação. Temos as ferramentas. Agora que o Hamas e o Hezbollah estão paralisados, o Irão está exposto», acrescentou. É precisamente por isto que a República Islâmica do Irão, comandada por Khamenei, pode ter cometido um erro histórico. Resta agora aguardar a dimensão da resposta israelita.

goncalo.nabeiro@nascerdosol.pt