‘As matérias substantivas não têm interesse para o Chega’

Diz que os casos de violência dos últimos dias são um episódio circunscrito que as forças de segurança vão conseguir conter. E revela que, se o Chega propuser a redução de 2% de IRC, o PSD vota contra para garantir a viabilização do Orçamento pelo PS.

Comecemos pelos distúrbios destes últimos dias em bairros da cidade da zona urbana de Lisboa, que se têm vindo a alastrar nesta última noite. Como é que o PSD olha para isto? Que preocupações é que levanta?

Duas notas sobre o que está a acontecer. A primeira, um repúdio de condenação por todos os atos de vandalismo e destruição de património que temos vindo a assistir na região de Lisboa. E uma segunda nota de total solidariedade com as forças de segurança. Há situações excecionais que devem ser averiguadas, devem ser objeto de inquéritos, mas o nosso princípio é sempre o mesmo, é que as forças de segurança atuam dentro do quadro da lei. E queria aproveitar a oportunidade para deixar uma palavra de muito reconhecimento e de gratidão às forças de segurança que nos últimos dias, como em tantas outras ocasiões que nós nem sequer temos conhecimento, garantem a ordem pública, e a paz pública e a nossa segurança. E, portanto, quero que fique claro que o PSD está sempre do lado das forças e dos serviços de segurança. E não foi por acaso que o primeiro-ministro aproveitou o último Congresso Nacional, precisamente para, numa das medidas que anunciou ao país, falar do reforço da presença e da autoridade das forças e serviços de segurança na rua. Somos reconhecidamente um país seguro que concorre para a captação de investimento externo. Não tenho dúvida que é um dos fatores que pesa quando um investidor escolhe um país para investir, para lá das questões fiscais, para lá das questões burocráticas, para lá do funcionamento da justiça, a segurança pesa na escolha de um país para ser objeto de um investimento. Concorre também para o turismo e, portanto, nós somos de facto, um país seguro. Mas é preciso também que haja uma perceção de segurança e muitas vezes essa é abalada por circunstâncias várias.


Há uma mudança de paradigma na segurança em Portugal?


Estou plenamente convencido que não, estou convencido que este é um caso circunscrito ao episódio que ocorreu nesta semana e que quer a PSP, quer a GNR, quer a Polícia Judiciária, quer os serviços, estão todos a trabalhar em coordenação.


Os serviços de segurança não têm limitações para fazer face a uma situação destas, se ela se prolongar no tempo e se alargar geograficamente?


Estou convencido que não só temos homens suficientes, como temos sobretudo homens preparados para esta missão.


O Dr. Eduardo Cabrita, num debate sobre esta questão, dizia que o facto de o primeiro-ministro ter feito aquele anúncio no final do Congresso é o tipo de discurso que pode acicatar estas situações. Como comenta isto?


Eu tenho muita dificuldade em interpretar essa afirmação. O Dr. Eduardo Cabrita é a mesma pessoa que há dias acusou, ou responsabilizou o governo, pelos incêndios que aconteceram, dizendo que os incêndios tinham de ser preparados no ano anterior. E depois embatucou quando se lembrou que o governo anterior que devia ter preparado essa questão era o governo do Partido Socialista. Isso é público, foi num canal de televisão. Portanto, o Dr. Eduardo Cabrita é muito voluntarioso no comentário político, mas depois engana-se, mete os pés pelas mãos, embatuca. Veja bem como é que é possível dizer-se ou correlacionar uma medida anunciada pelo primeiro-ministro que pretende aumentar a presença e a autoridade das forças de segurança na rua, com o que aconteceu esta semana. É precisamente o contrário. Honestamente, acho que isso é tão obtuso que não merece da minha parte qualquer comentário.


Vamos falar de uma votação que houve aqui no Parlamento, que teve que ver com a escolha ou com a indicação que o PSD fez para recompor o Tribunal Constitucional. Tratava se de Maria João Vaz Tomé, que teve apenas 76 votos a favor. Isso significa que, aparentemente, a indicação de voto que deu ao seu próprio partido não foi totalmente respeitada?


Não, de todo, não tenho dúvida nenhuma que todos os deputados do PSD votaram na nossa candidatura.


Então foram os deputados do CDS que não votaram?


Também não tenho dúvida que votaram. Eu explico. Quem contar as presenças de deputados no plenário percebe o que aconteceu. Não estavam todos os deputados do grupo parlamentar do PSD, o que é normal, e também não estavam todos os elementos do Partido Socialista e, portanto, o número de deputados que falta do PSD para atingir os 78, são os mesmos que não estavam no plenário. Aliás, devo dizer que, feitas as contas, há deputados de outros partidos que votaram na candidata. Mas a questão mais importante, e que tem alguma gravidade, é o facto de o Partido Socialista não ter votado na candidata que nós apresentamos. A candidata que nós apresentámos tem um curriculum que é inatacável. Estamos a falar de uma senhora juíza do Supremo Tribunal de Justiça, com profundo percurso académico e profissional de grande categoria. A audição que serviu de base às desculpas que por aí correram – sobretudo nos mentideros da política e no Parlamento -, para que o Partido Socialista não votasse na senhora candidata, é uma extraordinária audição. A senhora candidata, do ponto de vista dos princípios, disse tudo aquilo que é verdade. Não se comprometeu com posições pessoais sobre matérias que estão em discussão no Tribunal Constitucional? Não. Mas não deve, porque como ela própria teve ocasião de dizer, há um princípio de colegialidade nas decisões do Tribunal Constitucional e ela nem sequer tinha sido eleita. O que aconteceu é grave porque eu comuniquei à direção parlamentar do Partido Socialista quem era a nossa candidata e não tive da parte do Partido Socialista, até ao dia anterior à votação, uma qualquer indicação de que a candidata poderia não servir. Qual é a razão, então, para o Partido Socialista votar contra? A senhora candidata tem posições mais conservadoras do que aquelas que tem o Partido Socialista? Vamos aceitar que sim. Mas a minha pergunta é: temos todos que pensar da mesma maneira também no Tribunal Constitucional? O Partido Socialista acha que o Tribunal Constitucional só vai ter homens e mulheres que pensem conforme pensa o Partido Socialista? Nenhum país pode aceitar isso. É precisamente porque deve haver uma diversificação de personalidades, de opiniões, que a composição do Tribunal Constitucional é como é.


Mas para além do PS, segundo as contas da votação, também grande parte dos deputados do Chega não terão votado?


Tem razão, realmente também não se percebe porque é que os deputados do Chega não votaram. Atendendo a que, do ponto de vista curricular, é imaculado o percurso da senhora magistrada, do ponto de vista do posicionamento, das ideias e da personalidade, pareceu-me muito condizente com as posições do centro e do centro-direita, e o Chega não votou. Isso manifesta uma outra coisa que perpassa em toda a legislatura. O Chega não toma posições que sejam coerentes ou substantivas. É mesmo antissistema. Quanto mais caos, quanto mais desordem, melhor. Vindo de um partido ultraconservador, se calhar devia ser ao contrário, mas não, o Chega sabe que é no meio do desprestígio das instituições que pode ter algum sucesso e contribui para isso, para esse caos ou para esse desprestígio das instituições. Porque não há nenhuma razão para que o Chega tenha votado contra a candidata e até, enfim, ninguém se dará a esse trabalho, mas valeria a pena recuperar, designadamente os eleitores do Chega, o vídeo dessa audição que é público, e ver a postura do deputado interveniente do Chega nessa audição, porque foi altamente elogioso à candidata e fez as perguntas que se impunham. E depois, chegam ao fim, e votam contra. Na semana passada, discutiu-se no Parlamento e foi votado, um diploma que tem a ver com a criação de Unidade Especial sobre Estrangeiros e Fronteiras que o governo propôs para ajudar a regular a nossa imigração. Durante o debate foi anunciado o voto favorável do Chega e depois, na sexta-feira, o Chega não votou a favor. Porquê? Porque o Chega percebeu que o Partido Socialista não ia votar e que, por essa razão, o projeto não passaria. Nós fomos obrigados a baixar o projeto sem votação. O que é que eu quero dizer com isto? As matérias substantivas não têm interesse para o Chega. O Chega quer é reinar no meio da confusão e para isso fomenta a confusão. E por isso nós dizemos que não são, nem podem ser fiáveis naquilo que são entendimentos que não sabem fazer.


Com esse comportamento do Chega que acabou de descrever e com o PS muito renitente, até à última, em indicar o seu sentido de voto no Orçamento, o que espera no debate da especialidade? Votações cruzadas que possam desvirtuar o Orçamento?


Da parte do Partido Socialista foi anunciada a viabilização do Orçamento na generalidade e na votação final. Foi também anunciado várias vezes, por vários dirigentes, uma grande preocupação para que o país se mantivesse num rumo de excedentes orçamentais que é salutar e imprescindível. O Partido Socialista anunciou estes princípios, não antevejo que possa desvirtuar o Orçamento na especialidade.


Mas por exemplo, em matéria de IRC, se o PS votar contra a diminuição de um ponto e o Chega tiver o comportamento que descreveu há pouco, e se juntar ao PS, o IRC pode não ter redução no próximo ano?


Eu respondo com uma pergunta: então o Chega anunciou ao mundo vezes sem conta que até achava que o IRC devia descer mais – já agora, nós também, só não descemos mais por não ter uma maioria parlamentar para isso -, o Chega é a favor e agora ia votar com o Partido Socialista? Se o quiserem fazer, podem fazer.


E se o Chega apresentar uma proposta para reduzir 2% no IRC como estava inicialmente previsto? Como vota o PSD?


É muito simples, o Partido Socialista não viabiliza porque é contra e o PSD tem o compromisso de ter um orçamento viabilizado pelo Partido Socialista, portanto não pode viabilizar, embora gostasse. Nós somos gente de compromisso. Nós gostaríamos de descer dois pontos, agora, não temos uma maioria parlamentar, temos uma maioria relativa no Parlamento e para poder ter a adesão do Partido Socialista ao Orçamento só reduziremos um ponto.


Há um partido de que não falámos porque não conta para a aritmética, que é a Iniciativa Liberal. Há muitas notícias de entendimentos com a Iniciativa Liberal e vêm aí as autárquicas e as presidenciais. Há conversas com a Iniciativa Liberal?


Nós somos partidos diferentes, com matrizes diferentes, com pontos de convergência muito grandes, uma vez que muitas das pessoas da Iniciativa Liberal eram votantes do PSD e alguns até foram militantes do PSD. E eu tenho muito respeito pela Iniciativa Liberal, porque é um partido fiável. Tenho a certeza de que aquilo que eu combinar e acertar com a Iniciativa Liberal não falhamos nem uns nem outros no compromisso. E é evidente que, havendo esses pontos comuns, do ponto de vista substantivo, a probabilidade de irmos acertando posições é muito grande. Devo dizer, de resto, que o líder da Iniciativa Liberal teve um comportamento extraordinário na forma como defendeu a verdade e a credibilidade e o prestígio das instituições. Isto dito, vai haver uma convenção da IL, esperamos por esse conclave, mas não posso deixar de dizer que é evidente que a vontade da parte do PSD em várias autarquias, quer das estruturas locais, quer da direção nacional, é que possa haver conversas para que possa haver entendimentos.


Lisboa e Porto são duas hipóteses?


É evidente que parece que há projetos comuns nessas duas cidades e noutras, desde logo em Braga.