‘Os partidos devem atuar de acordo com o superior interesse do país, evitando crises políticas’

O presidente da AEP diz que ‘qualquer cenário de incerteza, político ou de outra natureza, é prejudicial para a atividade empresarial’ e admite que o atual, em termos partidários, ‘é mais complexo e propenso a ‘dramas políticos’ do que a situação anterior de maioria absoluta.

Que desfecho está à espera em relação ao Orçamento do Estado?

Apesar das limitações do Orçamento do Estado, aprovado na generalidade, espero que passe, visto que a instabilidade não é boa para ninguém – empresas e famílias – e estou na expectativa que ainda possam ser incluídas alterações significativas na especialidade que permitam construir um clima económico favorável e com previsibilidade, no qual os agentes económicos possam atuar com confiança. As empresas enfrentam hoje crescentes desafios. A curto prazo entrarão em vigor as exigências para as empresas em matéria de relato de sustentabilidade e de cumprimentos do dever de diligência na governação sustentável, que irão representar um desafio significativo acrescido para o tecido empresarial. Desta forma, é da maior importância que os agentes económicos não tenham outros focos de instabilidade, que acabam sempre por condicionar a produtividade e competitividade da economia, aspetos em que Portugal tem vindo recorrentemente a revelar um desempenho modesto.

No seu entender, que linhas vermelhas é que deveriam ser impostas na especialidade?


A AEP não entra em ‘jogos políticos’, ainda assim, espera sentido de Estado de todos os intervenientes políticos num momento tão importante para o futuro do país como o Orçamento do Estado. A política orçamental, ainda que condicionada pelas regras europeias, é mesmo o único instrumento de política económica que os governos dos países da Área Euro possuem.

Em relação às empresas, o que se pode esperar e o que teria sido desejável?


No que se refere às empresas, apesar deste Orçamento do Estado incorporar alguns sinais positivos, as medidas são pouco expressivas para estimular um crescimento económico mais significativo e, nem sempre, com a previsibilidade desejada, o que limita a ação do tecido empresarial. Note-se a redução da taxa de IRC, onde está prevista uma ligeira diminuição, de um ponto percentual para o ano de 2025, o que, além de insuficiente, acrescenta um clima de imprevisibilidade, pois não existe uma direção previsível até 2027. Com o intuito de se criarem as condições necessárias para um crescimento económico sustentado e sustentável, atempadamente a AEP propôs cinco eixos para promover o investimento, a produtividade e a competitividade da economia portuguesa, onde as empresas desempenham um papel central. Sem essas condições propícias à criação de riqueza não será possível distribuir os apoios sociais sem hipotecar o futuro. Por essa razão, teria sido desejável mais e melhores medidas direcionadas para os cinco eixos propostos pela AEP: atratividade fiscal: redução, simplificação e previsibilidade fiscal; demografia e mercado laboral: flexibilizar a legislação laboral, (re)qualificar, fixar e atrair mão-de-obra; melhorar o financiamento e a capitalização das empresas; redimensionamento empresarial – fomentar ganhos de escala às PME – e desburocratização da relação do Estado com as empresas: Simplexs.

Chegou a dizer que era um documento com medidas avulso e que não tinha ambição, falando mesmo em ‘espartilho de ordem política’, mas também elogiou o PS por se ter abstido na votação na generalidade. Se isso não acontecesse estaríamos em risco de uma nova crise política? Portugal não pode ficar ‘refém’ destes ‘dramas políticos’?


Qualquer cenário de incerteza, político ou de outra natureza, é prejudicial para a atividade empresarial. Reconhecemos que o cenário partidário atual é mais complexo e propenso a ‘dramas políticos’ do que a situação anterior de maioria absoluta. Ainda assim, reafirmo, o sentido de Estado deve prevalecer em todos os partidos com representação parlamentar. Significa isto que, apesar das dificuldades acrescidas e incompatibilidades do cenário político atual, a expectativa é que os partidos atuem de acordo com o superior interesse do país, evitando crises políticas. Deste ponto de vista, a decisão do PS em aprovar o Orçamento do Estado foi sensata. Uma maior ou menor instabilidade política fazem parte dos regimes democráticos, no entanto, o respeito pelos eleitores e agentes económicos exige a resolução dos conflitos partidários por forma a assegurar a maior estabilidade e previsibilidade possíveis. É esta atitude que a AEP espera tanto do Governo como de todos os deputados.

Como vê o crescimento económico do país. Apesar das subidas continua a ser ‘poucochinho’ o que poderia e o que seria desejável fazer para pôr a economia a crescer mais?


Portugal deve crescer mais por forma a se aproximar dos países europeus mais desenvolvidos. Para obter níveis mais elevados de crescimento, o país precisa de visão, de uma estratégia forte para garantir aumentos de produtividade e competitividade, precisa de valorizar os grandes criadores de riqueza e emprego – as empresas – e apoiá-las no seu desenvolvimento, pois só assegurando a criação de mais riqueza é que tornará possível distribuir mais também. Assim, a AEP, como já referido, apresentou um conjunto de propostas para o Orçamento do Estado de 2025 que acredita serem essenciais para assegurar uma trajetória robusta de desenvolvimento e crescimento do país. Algumas dessas propostas têm um caráter mais estrutural e exigem uma reforma profunda, mas outras podem e devem ser implementadas a curtíssimo prazo, diria mesmo, de imediato, por forma a assegurar um maior crescimento económico no país.

Outra dor de cabeça é a falta de produtividade, os diagnósticos estão feitos, mas os resultados não se têm alterado. O que poderia ser feito para mudar?


É verdade que os diagnósticos estão feitos, mas continuam a faltar medidas e projetos reformadores capazes de impulsionar ganhos de produtividade, fator-chave para assegurar o crescimento sustentável da economia portuguesa. A melhoria da produtividade depende de um conjunto muito vasto de fatores, complexos e, simultaneamente, muito interligados, dos quais se destacam o nível de investimento (em capital físico e humano), as qualificações dos ativos, a escala das empresas ou, ainda, as condições de financiamento da economia portuguesa. Em todas estas áreas são necessárias melhorias muito expressivas, por forma a alcançar níveis mais elevados de bem-estar no país. De forma racional, não é viável um aumento sustentado do nível de remunerações se não for acompanhado por um acréscimo, igualmente sustentado, do nível de produtividade. Nesse sentido, a AEP gostaria de ver no Orçamento do Estado para 2025 medidas mais ambiciosas, com o propósito de promover o investimento (particularmente em inovação, transição digital e ambiental), o redimensionamento empresarial, a (re)qualificação das pessoas, o financiamento e a capitalização das empresas, com uma forte orientação para o investimento produtivo, eixos com impacto direto na produtividade da economia portuguesa. Por último, reafirmar a necessária desburocratização da relação do Estado com as empresas, autêntica sugadora de produtividade.

Em relação às eleições norte-americanas, a vitória de Donald Trump poderá ser prejudicial para a economia europeia já que assenta num maior protecionismo? E qual será o impacto em relação à portuguesa?


As mais recentes eleições norte-americanas levantaram questões de potencial risco para a atividade das empresas portuguesas e europeias em geral, nomeadamente, no que se refere à possibilidade de implementação de medidas protecionistas, como um possível aumento das taxas alfandegárias sobre as importações de bens e à valorização/desvalorização do dólar face ao euro, o que poderá impactar a competitividade das exportações de bens das empresas portuguesas para os EUA e a captação de investimento direto estrangeiro proveniente deste mercado. Apesar da vitória de Donald Trump, será prematuro antever potenciais prejuízos para a economia portuguesa, principalmente atendendo ao facto de que as empresas nacionais que atuam em mercados externos, como os EUA, apresentarem, por norma, estratégias diversificadas para atuar nestes mercados competitivos e uma capacidade de adaptação que lhes permitirá mitigar, em parte, alguns riscos.

Tem sido uma das vozes críticas em relação à execução do PRR. Que balanço faz? Já sentiu melhorias?


Numa semana em que o Governo garante que seguirá o pedido do sexto pagamento do PRR à Comissão Europeia, o país ainda apresenta atrasos relativamente ao planeado, tendo inclusive metas relativas a este pagamento por executar. Os atrasos na execução de programas com fundos europeus não é novidade para o país, sendo também preocupante o atual estado do PT2030, que já se encontra praticamente a meio da sua vigência e o qual conta com uma taxa de execução de apenas 4%. A AEP já teve oportunidade de louvar algumas medidas apresentadas pelo Governo, nomeadamente, no programa ‘Acelerar a Economia’, como a de privilegiar avisos em contínuo, a intenção de redução do tempo de análise das candidaturas, a revisão da definição de small midcap e midcap, entre outras iniciativas que, postas em prática, podem influenciar positivamente o acesso das empresas a fundos europeus e um maior sucesso na execução dos fundos europeus. Ainda assim, reitero a necessidade de uma maior celeridade e total desburocratização em todo o processo de tramitação dos fundos europeus, desde a candidatura ao pagamento do incentivo, de forma a assegurar a execução desafiante dos programas em vigor.