Escassez de água é um dos problemas mais graves que Portugal enfrenta com o nosso país a ocupar o lugar de 41.º país do mundo com mais stress hídrico, ou seja, as necessidades de consumo de água são superiores à quantidade de água disponível em território português. E, de acordo com as previsões mais pessimistas, teremos de contar com uma redução de 30 a 40% de precipitação até ao final do século.
Atualmente, 69% do total de água em todo o mundo destina-se à agricultura; 19% vai para a indústria; enquanto 9% serve o consumo doméstico, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
O i faz um raio-x das atividades que mais consumem água e os trabalhos que estão a ser feitos para mudar este cenário, tornando a sua gestão mais eficiente.
Turismo
Poupar água é um assunto muito importante, até para o turismo. A título de exemplo, este ano, o Turismo de Portugal e o Turismo do Algarve (uma das zonas do país mais afetadas pela seca) levam a cabo a campanha Save Water. A campanha tem como objetivo fomentar a utilização consciente da água. Pretende-se alertar os turistas para a importância de adotarem boas práticas de uso da água e convidá-los a usufruírem das suas férias de uma forma mais sustentável, contribuindo para uma proteção efetiva dos recursos através de uma atitude consciente e responsável. Na apresentação esteve o secretário-geral do Turismo, Pedro Machado, que destacou que “a proteção dos recursos naturais como a água é um desafio que tem de ser partilhado pelas empresas, entidades públicas e pelas pessoas, residentes e turistas. Nesta medida, o Governo colocou a água como prioridade nas políticas de sustentabilidade nacionais, em particular, no Algarve. O turismo dá o exemplo de mobilização e de compromisso, com ações concretas de mudança de comportamentos e de transformação do tecido empresarial”.
E os dados da campanha têm sido bons. Segundo o terceiro relatório de monitorização do compromisso com a eficiência hídrica, para o setor do turismo, elaborado pela ADENE, os empreendimentos turísticos da região do Algarve que aderiram ao selo “Save Water”, de eficiência hídrica reduziram em 13% os consumos de água nos primeiros meses do ano.
Além disso, a Estratégia Turismo 2027, referencial estratégico para o setor, compromete-se com metas de sustentabilidade económica, social e ambiental. No que respeita à água, define o objetivo de impulsionar uma gestão racional do recurso água no Turismo com a meta de assegurar que mais de 90% das empresas do turismo adotam medidas de utilização eficiente da água. E no turismo os campos de golfe representam um consumo na ordem dos 15 hectómetros cúbicos de água por ano, daí o objetivo da Aguas do Algarve de chegar ao final de 2025 com oito hectómetros cúbicos a serem utilizados para a rega, essencialmente de campos de golfe. Por outro lado, refere, a água reutilizada das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), “pode ser utilizada não só na rega dos campos de golfe, como na rega agrícola, na lavagem de arruamentos e rega de espaços verdes públicos”. Para isso, a empresa está a trabalhar em cinco projetos de eficiência hídrica com fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR): a segunda fase de Vila Real de Santo António, em Vilamoura e Quinta do Lago (Loulé), em Albufeira Poente e na Boavista (Lagos). Os projetos com maior dimensão são os de Vilamoura e da Quinta do Lago, com um investimento de 14,7 milhões de euros.
Em Vilamoura vão ser concluídos até 2025 cerca de 12 quilómetros de tubagem até à ETAR da estância balnear, para a rega de cinco campos de golfe e rega de espaços verdes. Já na Quinta do Lago, também para concluir em 2025, a ampliação do sistema de adução para mais três campos de golfe e rega de outros espaços verdes.
Agricultura
É um das atividades económicas que absorve mais água, já que 75% do consumo destina-se à atividade agrícola e pecuária. A atividade tem vindo a fazer esforços no controlo do uso de água. De acordo com Luís Mira, da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), os agricultores têm investido em tecnologia que permite usar menos água na rega para usos verdadeiramente cirúrgicos. E dá como exemplo, a rega gota a gota que é apontada como um dos sistemas mais eficazes e que pode ser aplicado em várias culturas em linha, hortícolas, pomares e vinhas. “Neste método, a água é aplicada localizadamente através de gotejadores ou emissores, ou seja, apenas nas zonas do solo em que se desenvolvem as raízes das plantas”, refere a confederação.
A par desta técnica, o secretário-geral da CAP diz ainda que os agricultores têm vindo a investir “em sistemas de rega de precisão, com recurso a estações meteorológicas e sondas que medem os níveis de humidade no solo”. E Luís Mira tem admitido que a solução para esta atividade nasce de um conjunto integrado de medidas, em que um dos primeiros passos passa por avaliar a quantidade existente de águas superficiais e águas subterrâneas. “Temos muita água subterrânea e, por isso, devemos fazer uma gestão integrada das duas”, refere e depois ver a questão dos regadios públicos e dos privados, assim como a gestão das barragens que estão hoje concessionadas para produção de energia elétrica.
E quanto às críticas que são feitas em relação ao uso de água não hesita: “A agricultura utiliza água, não gasta água. As pessoas têm de perceber que se querem comprar um quilo de maçãs ou um quilo de tomate, não é possível o agricultor produzir esses produtos se não usar água. 80% do tomate ou da maçã, ou da carne ou de outro produto agrícola, é água. Não sou capaz de produzir cinco toneladas por hectare se não utilizar 500 litros de água. É impossível”.
Em declarações ao nosso jornal acena com uma mudança de produções – como a aposta na produção da pera abacate, kiwis e mirtilos, por exemplo – e o uso de drones. Sensores de rega e recurso de tablets para controlar a humidade do solo são alguns dos exemplos que têm sido seguidos pelos empresários. “Mudou muita coisa. Evoluiu muito o conhecimento e essa foi a maior mudança. Há questões que são abordadas de forma diferente, como é o caso da questão do carbono, da biodiversidade, da proteção do solo e da sua própria utilização com vista a utilizá-la de uma forma mais reduzida e eficiente”, acreditando que a produção do abacate ser irá manter, enquanto houver procura. “Enquanto o mercado tiver apetência para comprar este produto vai continuar a existir essa aposta porque é um bom negócio e os produtores veem isso como uma boa oportunidade de ganharem dinheiro, já que a laranja, apesar de ser muito boa, nunca teve dimensão para poder, por exemplo, fornecer uma grande superfície durante um ano inteiro”.
Já no início de outubro, Paulo do Nascimento Cabral organizou no Parlamento Europeu (PE) uma conferência dedicada à escassez de água no setor agrícola, num momento crítico em que as limitações hídricas afetam fortemente o setor agrícola e colocam os agricultores sob uma pressão crescente. De acordo com o eurodeputado do PSD, “a escassez de água representa um dos principais desafios para a agricultura em Portugal e na restante União Europeia (UE)”, acrescentando que as menores disponibilidades hídricas “impactam significativamente a segurança e soberania alimentares, a rentabilidade dos agricultores europeus e a sustentabilidade ambiental”. E defendeu que, “dada a gravidade da situação, são urgentes soluções inovadoras e sustentáveis para mitigar a escassez de água na agricultura. Deve-se apostar, por exemplo, nas tecnologias de irrigação inteligente (podem reduzir o consumo de água em até 50%), na gestão integrada dos recursos hídricos (implementar uma gestão integrada das bacias hidrográficas), na reutilização de águas residuais, na adaptação das culturas agrícolas (promover o cultivo de espécies mais resistentes à seca), ou na promoção de ações pedagógicas e de sensibilização”.
Outras atividades económicas
Também a indústria é outra atividade económica que recorre a grandes consumos de água, especialmente em determinados setores de transformação, nomeadamente no fabrico de pasta de papel, papel e cartão (39%), produtos alimentares e bebidas (20%), metalúrgicas de base (11%), produtos químicos (10%) e têxteis (4%). Neste setor, a água desempenha uma função essencial no funcionamento de qualquer unidade industrial, onde pode ter várias aplicações, nomeadamente matéria-prima, fluido auxiliar, geração de energia, fluido de refrigeração e aquecimento, transporte e assimilação de contaminantes.
Com vista a uma utilização mais eficiente do uso de água, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem definido vários pilares para esta indústria: redução dos consumos de água e dos volumes de águas residuais geradas através da adequação de procedimentos, utilização mais eficiente de equipamentos e dispositivos e a adoção de sistemas de reutilização/recirculação da água; redução do consumo de água na unidade industrial através da diminuição das perdas reais nos sistemas de distribuição; redução do consumo de água na unidade industrial racionalizando a água através de alterações efetuadas ao nível dos processos de fabrico industrial: utilização na unidade industrial de águas residuais ou remanescentes, provenientes de outros processos nos sistemas de arrefecimento e na lavagem de equipamentos: redução do consumo de água na unidade industrial através da alteração de hábitos dos utilizadores e redução do consumo de água na unidade industrial recuperando o vapor de água gerado nos sistemas de aquecimento da unidade industrial.
Espaços verdes e de lazer
Quando há alarmes de seca, todas as câmaras municipais e entidades costumam levar a cabo medidas. Uma delas e a que é maioritariamente tomada primeiro é a proibição de rega de espaços verdes. A isto juntam-se também a lavagem das ruas. Muitas são as autarquias que já investiram em sistemas de rega e de limpeza inteligentes, de forma a usar apenas a água indispensável. Outros municípios fazem o reaproveitamento de água.
Além disso, é preciso falar da água usada para lazer como é o caso das piscinas públicas. E a maioria das piscinas municipais não faz o reaproveitamento das águas. Todos os dias mandam milhares de metros cúbicos de água diretamente para o esgoto.
Consumo doméstico vs desperdício
Em Portugal, cada pessoa consome, em média, 136 litros de água por dia, de acordo com os últimos dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Aguas e Resíduos. Este valor é superior ao valor (+ 26 litros/pessoa) face ao número que as Nações Unidas calculam ser a quantidade de água que um ser humano precisa para satisfazer as suas necessidades básicas diárias (110 litros). Segundo o organismo internacional, desde 1995, que o consumo de água tem aumentado 30%.
Por outro lado, as águas residuais domésticas, ou seja, aquelas que resultam, por exemplo, das lavagens de roupa e loiça, dos banhos e das descargas de sanita, continuam a ser desperdiçadas. É certo que o desperdício de água é um dos maiores problemas do mundo atual. Em Portugal, cerca de 3100 milhões de m3 de água são desperdiçados por ano, o que corresponde a 41% da procura total.
Este problema tem-se agravado nas últimas décadas, nomeadamente no Algarve, onde já se regista um risco de escassez de água, fruto das alterações climáticas e da escassez de chuva na região, mas também do estilo de vida e dos hábitos de consumo da população que potenciam elevadas taxas de desperdício.
Anualmente, segundo a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), há milhões de metros cúbicos de água que não é faturada, ou seja, água que, apesar de ser captada, tratada, transportada, armazenada e distribuída, não chega a ser vendida aos utilizadores. Nestes cálculos estão as perdas reais – através de fissuras, ruturas e extravasamentos – as perdas aparentes – devidas a imprecisões nas medições da água e a furto ou uso ilícito de água –, e ainda as perdas correspondentes a consumos autorizados mas não faturados – a água para lavagem de ruas, rega de espaços verdes municipais, alimentação de fontes e fontanários, lavagem de condutas e coletores de esgoto e ainda combate a incêndios.