Os alertas em torno da hipótese de virmos a assistir a ‘coligações negativas’ no momento da aprovação do Orçamento do Estado para o próximo ano não eram novos. E, sem surpresa, foram aprovadas uma série de medidas à revelia do Governo, após terem sido apresentadas mais de duas mil propostas de alteração.
Em entrevista ao Nascer do SOL, o economista Paulo Trigo Pereira tinha admitido que havia o risco de os partidos de oposição quererem ‘governar’ a partir do Parlamento e, como tal, fazerem «propostas de aumento de despesa – nomeadamente o aumento de suplementos de risco para forças de segurança – ou de diminuição de receita, como a redução da taxa de IVA de eletricidade, redução de taxas de IRS, abolição de portagens nas ex-SCUT, etc., em que o denominador comum de coligações negativas parlamentares é sempre o aumento do défice orçamental».
E até deixou um recado ao partido liderado por Pedro Nuno Santos. «A menos que houvesse coligações negativas que desvirtuassem completamente o Orçamento, o PS, pelo menos, pelas declarações do seu líder Nuno Santos, veio dizer que os socialistas vão estar livres na especialidade, mas não vão pôr em causa o equilíbrio das contas públicas, o que significa que, se houver propostas que venham de onde vierem, da direita ou da esquerda do PS, que agravem significativamente o saldo orçamental, deverá votar contra», afirmou.
Um risco que também sido admitido ao nosso jornal pelo presidente do Conselho Económico e Social (CES), Luís Pais Antunes: «Quando não existe uma maioria clara e estável há sempre o risco de existirem coligações negativas procurando introduzir alterações. Há sempre discussões na especialidade que são mais intensas, mas diria que isso é o normal num processo orçamental». Pais Antunes acrescentava que considera «perfeitamente legítimo e natural» os partidos tentarem passar outras propostas com outros objetivos, mas com uma ressalva: «Se temos a preocupação de ter um orçamento equilibrado e evitar o risco de termos défice parece-me óbvio que é preciso ter cautela».
Mas não foi este o comportamento seguido pelo PS e um dos exemplos mais emblemáticos diz respeito à aprovação de um aumento extraordinário de 1,25% das pensões até cerca de 1.500 euros. Uma proposta avançada pelo Partido Socialista e que contornou a intenção do Executivo de dar um novo suplemento aos reformados, em vez desta subida extra permanente, mas desde que houvesse margem orçamental. Aliás, ainda antes de esta medida ter sido aprovada, a ministra do Trabalho deu um recado à oposição, dizendo que as medidas extraordinárias devem ser tomadas apenas «quando for seguro para o país» e que «qualquer aumento desproporcional de um dos pilares vai descompensar os demais, expondo o país a risco de desequilíbrios».
Ainda assim, os deputados aprovaram também esta quinta-feira uma proposta do PSD e do CDS-PP que abre a porta a um novo suplemento extraordinário para os pensionistas entre 100 e 200 euros, à semelhança do que aconteceu em outubro.
Também a publicidade da RTP irá manter-se para o próximo ano, depois de o Governo ter anunciado que queria que a RTP1 deixasse de ter os seis minutos por hora de publicidade que atualmente tem até 2027, ao ritmo de dois minutos por ano. Uma ideia que levou a esquerda a unir-se e a aprovar a medida do Bloco de Esquerda que impede o Executivo de tirar publicidade do canal público. E o PCP também fez aprovar uma proposta para que na negociação do contrato de concessão do serviço público fique expresso que a publicidade no canal público mantém-se.
Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, que tem a tutela da comunicação social, lamentou esta aprovação. «É um pouco inaudito que se tente através do Orçamento do Estado ter proclamações políticas, que são legítimas, mas que não devem ser feitas em sede orçamental. Essa medida em particular não tem qualquer implicação no Orçamento do Estado, não está ainda tomada pelo Governo, é no âmbito do contrato de serviço público a ser celebrado entre o Governo e a RTP e vai ser [efetivada], certamente, nos próximos meses, e ainda vai demorar até chegar a esse momento», referiu.
Sem surpresas
Um dos destaques, apesar de não ser uma alteração, foi a aprovação do artigo da proposta de lei documento que baixa em um ponto percentual a taxa de IRC em 2025, uma das matérias mais polémicas nas negociações entre o PS e o Governo.
Outra medida aprovada diz respeito ao fim do corte de 5% nos salários dos políticos, que estava em vigor desde 2011. O PS ainda chegou a fazer uma proposta distinta para que só mandatos iniciados em janeiro ficassem abrangidos, mas acabou por chegar a acordo com PSD e assim acabará por abranger os mandatos já em vigor. Em causa estão vencimentos como os do Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, bem como os restantes membros do Governo, deputados, gestores públicos executivos e não executivos, incluindo os pertencentes ao setor público local e regional e dos equiparados a gestores públicos.
Já polémica foi a aprovação da proposta da Aliança Democrática para a descida do IVA nos ingressos para espetáculos de touradas de 23% para 6%. Uma medida considerada muito importante para o CDS-PP e, de acordo com cálculos da UTAO, terá um impacto orçamental de 115 mil euros.
Chumbada foi a proposta do Bloco de Esquerda que pretendia obrigar o Governo a levar a discussão e votação qualquer «alienação, total ou parcial, da participação social de que o Estado é titular na TAP». Apesar de a privatização não ter de passar pelos deputados, não significa que a alienação se faça sem a aprovação da Assembleia da República, uma vez que é feita por decreto-lei, e , como tal, os deputados têm uma palavra a dizer.
É certo que, mesmo depois de todas estas alterações, o secretário de Estado do Orçamento veio congratular-se com o resultado. «É um bom orçamento e penso que foi cumprida a missão que nos trouxe aqui», disse Brandão de Brito.