Foi o caso que deu escândalo no dia da votação final global do Orçamento do Estado para 2025, o Chega surpreendeu o país ao pendurar pendões nas janelas da Assembleia da República onde mostrava as caras de Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos e Nuno Melo, atrás de um baralho de notas. Com a ação, André Ventura quis acusar os líderes dos principais partidos de estarem a aumentar os próprios salários em vez de aumentarem as pensões.
No centro da polémica estava a aprovação de uma proposta de alteração ao Orçamento que acabou com os cortes de 5% nos salários dos políticos, uma medida em vigor desde 2010, que permaneceu mesmo depois de terem sido revertidos todos os cortes salariais decretados durante a crise financeira que se iniciou em 2009, ainda no tempo do Governo socialista de José Sócrates.
Aprovada a reversão dos cortes, o líder do Chega apresentou uma declaração conjunta dos 50 deputados do partido declarando que abdicavam do aumento. A resposta dos serviços da Assembleia da República foi rápida: não é possível abdicar de parte do salário. Assim sendo, os 50 deputados do Chega, tal como todos os outros, vão ter um aumento de 204,85€ a partir de 1 de janeiro de 2025.
Os recursos que o Chega pode abdicar
Apesar de não poder abdicar dos 5% a mais que cada deputado vai receber na sua folha salarial, o Chega dispõe de recursos muito superiores dos quais pode abdicar. De acordo com a lei, os partidos com representação parlamentar têm direito a uma subvenção pública proporcional ao número de votos que conseguirem alcançar, mas para receberem esta verba, diz a lei, «é concedida, nos termos dos números seguintes, uma subvenção anual, desde que a requeira ao presidente da Assembleia da República». Se não o fizer, em todo ou em parte, essa verba fica nos cofres do Estado.
«A subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/135 do valor do IAS, por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia da República», esta é, de acordo com a lei, a fórmula de cálculo para apurar o valor da subvenção pública a que cada partido tem direito. No caso do Chega, a subvenção pública anual do partido ascende a 3 971 484€ de acordo com dados publicados pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). Contactado pelo Nascer do SOL, o partido confirma que não abdicou desta verba, mas garante ter pronta uma proposta que deverá dar entrada na AR na próxima semana, a sugerir o corte em 50% das subvenções aos partidos.
Mas esta não é a única subvenção estatal a que o partido de André Ventura tem direito, e da qual pode também abdicar. No âmbito da atividade parlamentar, os partidos recebem uma subvenção para a sua atividade: «A cada grupo parlamentar, ao Deputado único representante de um partido e ao Deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos Deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS anual, mais metade do valor do mesmo, por Deputado, a ser paga mensalmente». No caso do Chega, a subvenção atribuída ao grupo parlamentar ultrapassa o milhão de euros anual, com a particularidade de que se não for gasta na totalidade até ao final do ano, o remanescente regressa para os cofres do Estado.
Segundo dados apurados pelo Nascer do SOL, o Chega tem trinta assessores a trabalhar no grupo parlamentar, a que se juntam quatro secretárias, todos pagos com a verba da subvenção estatal a que o partido tem direito por lei.
Deputados deslocados têm de partilhar casa
São muitos os deputados provenientes de fora da área urbana de Lisboa que se veem a braços com grandes dificuldades para poder marcar presença na Assembleia da República nos dias de trabalho parlamentar. As ajudas de custo (medidas segundo a distância a que os deputados estão do seu distrito de origem), não chegam para alugar uma casa em Lisboa e o recurso à partilha de casa ou ao aluguer de quartos é a solução maioritariamente escolhida pelos representantes da nação nos dias em que têm que estar na capital.
O tema dos salários dos políticos tornou-se tóxico para os que o querem abordar e essa é a principal razão que justifica que os políticos tenham sido os últimos a ver revertidos os cortes salariais a que estavam sujeitos. Com medo de leituras semelhantes à que o Chega fez no dia da votação do Orçamento, os deputados têm vindo a ver degradada a sua situação.
Os salários dos deputados, tal como os de outros titulares de cargos políticos, estão indexados ao salário do Presidente da República (PR), também ele sujeito a um corte de 5% até ao final do ano. A lei dispõe que os deputados auferem de um ordenado que é metade do recebido pelo PR. Neste momento os deputados recebem um salário bruto de 3892€, que depois de descontos fica em 2407€ a que acrescem, no caso de serem deputados em exclusividade de funções 409,70€ de despesas de representação.
Para se ter um termo de comparação, os deputados recebem um salário líquido ligeiramente inferior ao de um professor no topo da carreira, que aufere 2427€ mensais.
A situação não melhorará muito em 2025, a reversão do corte de 5% em vigor desde 2010, vai acrescer apenas 204,85 euros aos salários dos deputados.
Nos últimos dias surgiram vozes, incluindo de vários deputados, a defender que a decisão sobre os salários dos políticos passe para a esfera de uma entidade independente. A ideia é evitar que a situação salarial dos políticos se continue a degradar, pelo facto de qualquer aumento ser decidido pelos partidos políticos no Parlamento.
«Os deputados não deviam decidir em causa própria», comentou um deputado com o nosso jornal, referindo que «ao contrário do que se diz, é muito difícil encontrar pessoas com qualidade que queiram vir para deputados». Apesar disso, é pouco provável que algo venha a mudar, tendo em conta as iniciativas de pedido de cortes nas subvenções que não deverão ser aprovadas, mas que servem para o debate político.