O Governo está agora a iniciar uma nova fase, depois da aprovação do Orçamento, e parece ter ficado sem discurso. O que acha que está a fazer falta ao Governo de Luís Montenegro para enfrentar os novos tempos? Sendo certo que daqui a uns meses teremos outra vez nova discussão do Orçamento.
Este Governo não tem maioria, também é verdade que não a quis ter politicamente. Não criou desde o primeiro momento – e eu não concordei com essa estratégia – mas tenho que reconhecer que o Dr. Luís Montenegro foi coerente neste processo.
Continua a achar que se devia ter entendido com o Chega? Passados estes meses não acha que era difícil um entendimento com André Ventura?
Essas avaliações só se fazem com a realidade, negação gera mais negação. A rejeição traz rejeição. O PSD rejeitou, eu acho que o Dr. André Ventura nunca mais se recompôs desta rejeição e decidiu penalizar. Ele acredita muito nas sondagens. Eu não acredito assim tanto. Se as eleições fossem hoje, tenho dúvidas que o Chega tivesse o mesmo resultado que teve, porque o Chega não é a chave para uma solução. Foi isso que ela andou a dizer na campanha passada, ele dizia que era a chave da solução para a estabilidade.
Mas voltemos ao momento que o Governo atravessa.
Acho que o que falta a este Governo é um pouco de inquietude. Começou bem, esteve bem nos primeiros meses, depois veio a fase de apresentar propostas e aí veio o desconforto. É um Governo minoritário, é um Governo que precisa de inquietude e de fogo político.
Que lhe parece que não tem?
Passámos a fase do PowerPoint, das propostas apresentadas, mas mais dia, menos dia, vamos ser confrontados com o grau de execução dessas mesmas propostas.
Foi já o que vimos no último debate quinzenal…
É normal pedirem contas. E isso vai-se acentuado, até porque chega a um determinado ponto que não se pode continuar a viver do passado. O Partido Socialista tem uma certa condescendência e um clima de impunidade na sociedade portuguesa que nenhum outro partido tem. O Dr. Costa, em 2023, ainda falava da troika, portanto parecia que a troika tinha chegado ontem ou se tinha ido embora ontem.
A direita quando está no poder não tem essa complacência?
A imagem da direita, o discurso e a atitude da direita, é uma imagem de eficiência. A direita é avaliada por aquilo que faz e não por aquilo que diz. A esquerda é muito avaliada pela imagem da projeção de ideias e não por aquilo que faz. Aliás, se fosse avaliada pelo que faz, raramente ganharia as eleições, porque seria muito difícil encontrar aquela capacidade de eficácia. Agora, o que penso é que o Governo precisa de uma maior coordenação. Há uma ausência de alguma coordenação política. O Governo assenta em dois pilares: há uma mais-valia, que é o primeiro-ministro Luís Montenegro, que tem sido uma agradável surpresa; o outro pilar é o líder parlamentar, Hugo Soares. Têm estado os dois muito bem.
Falta um número dois no Governo?
O número dois no Governo não existe, mas não vejo isso como um problema. O que nós temos de olhar é que é um Governo de coligação minoritária – as coligações faziam-se para serem maioritárias e esta é uma coligação minoritária – é uma coligação entre um elefante e uma formiga. O PSD quis dar ao CDS aquilo que a sociedade sabe que o CDS não vale na cabeça de muitos portugueses que votam neste espaço político, em vez do CDS devia lá estar a Iniciativa Liberal. Esta é a realidade que nós hoje temos, a meu ver, vai terminar mais dia menos dia com uma integração do CDS no PSD. Aliás, é um fenómeno muito idêntico ao que aconteceu noutros países da Europa e que fortaleceu o centro e o centro-direita.
Este Governo que foi formado, num certo sentido, como um Governo de combate até se chegar à meta do Orçamento, precisa de um refrescamento?
Diria que é muito cedo, ou é antes das eleições autárquicas ou depois das eleições autárquicas. As remodelações pretendem refrescar, pretendem recriar uma dinâmica, e eu não acho que seja ainda necessário fazer isso. O que é preciso é que haja coordenação . A ministra da Saúde tem sido massacrada, mas digo que só houve um ministro em Portugal em democracia que resistiu o mandato todo, que foi Paulo Macedo. Portugal teve até hoje 49 ministros da Saúde, ou seja, não há um maior grau de mortalidade política em Portugal do que ser ministro da Saúde, é um paradoxo. Mas o erro de casting é a ministra da Administração Interna, a ministra da Saúde não é um erro de casting, estivesse quem lá estivesse…
Mas quando apresentou aqueles planos, não pôs as expectativas muito altas?
Mas isso tem sido um dos problemas no Governo, a cultura da consultora, em que se vende uma imagem, vende-se um projeto fantástico, o que diminui depois a eficácia daquilo que se faz. A cultura do PowerPoint na política é um perigo porque reverte a realidade. A eficiência será sempre inferior ao que é apresentado. O que consideraria fundamental era este Governo fazer o combate político no Parlamento e não fugir do Parlamento. Para quê? Para que os portugueses percebessem que o Governo no Parlamento quer governar por lei e não governar por decreto. A primeira vez que fui deputado, em 85, com o professor Cavaco, foi um governo que foi para o combate político na Assembleia da República. O Chega da época chamava-se PRD. Este Governo pretende ser um governo de eficiência política sem ter maioria. Não devia ir só ao Parlamento quando há debate quinzenal, devia provocar o Parlamento, não tentar resguardar-se nas iniciativas legislativas.
Mas não há o risco de ver as suas propostas constantemente chumbadas?
Está certo, mas a razão da força nunca se sobrepõe à força da razão. Compete ao Governo ser capaz, porque na hora da verdade, eu evito ir ao Parlamento, mas eles podem puxar as matérias ao Parlamento. Eu jogava por antecipação. Por isso é que digo, este Governo precisa de um novo fôlego inquieto, até para os surpreender.
E acha que os portugueses percebem isso?
Não, os portugueses há uma coisa que percebem: é quem quer fazer e quem não quer, quem quer construir e quem quer destruir, quem tem um caminho e quem não tem.
E a melhor forma de mostrar isso é no Parlamento?
Porque é o meio mais adverso. A melhor maneira de mostrar é governar. Mas se eu tenho dificuldades…
É a melhor maneira de se vitimizar?
Eu teria um governo a trabalhar e um governo a combater.
Mas esse confronto com o Parlamento que defende, torna inevitável que o Governo não chegue ao fim?
Há um princípio que aprendi na vida política: só se recua para apanhar balanço. E parece-me que a única forma da oposição saber que o Governo tem um desígnio, que o Governo tem um caminho, que tem uma atitude – e eu tenho visto esse caminho, esse desígnio, essa atitude no primeiro-ministro, mas gostava de ver mais estabelecida, mais generalizada.
Acha que é possível que o próximo Orçamento possa passar?
Mas a grande questão que se coloca aqui é que esse próximo Orçamento, vai ser em cima das autárquicas. Ou antes das autárquicas ou depois das autárquicas. Com o Orçamento a ser discutido em cima das autárquicas, não estou a ver as oposições a quererem, em plenas eleições autárquicas, criar um clima de instabilidade no país.
“Se elegermos o almirante as vítimas são os partidos”
Vamos ter um ano de eleições autárquicas, que riscos acha que estas eleições podem trazer para o Governo?
Acho que o clima que a oposição vai querer criar para provocar instabilidade ao Governo, é ganhar as eleições autárquicas. Aí é que me parece que isso possa acontecer. O PSD tem de preparar estas eleições autárquicas, como Durão Barroso preparou em 2013 e levou à saída de Guterres, como Marques Mendes mais tarde preparou e ganhou. A questão das autárquicas, doa a quem doer, joga-se com os nomes. E estou a ver tudo isto um pouco fraco. Pergunto, se há tantas dificuldades em encontrar um candidato para o Porto, porque é que o excelente presidente da Câmara de Braga, o Dr. Ricardo Rio, não é candidato ao Porto? Ele até nasceu no Porto. Porque é que o Dr. Miguel Morgado, que é hoje uma referência televisiva do PSD, não é candidato a Setúbal, que é a sua terra? Porque é que não se decide rapidamente se o Dr. Marco Almeida, que eu acho que pode ganhar, é o candidato a Sintra?
O PSD ganhava em antecipar essas decisões?
Enquanto não se discutir as eleições autárquicas, vai-se discutir mais o Governo e as eleições presidenciais. Quando se governa, tem de se olhar para a questão estratégica e para a tática. Mas há uma coisa que nunca se pode perder, que é o posicionamento. O posicionamento político é central e se eu quero posicionar-me como um partido de governo, como um partido de esperança, um partido inquieto, um partido aberto, um partido que se quer afirmar, tenho de ser o primeiro a fazê-lo. Hoje sabemos quem é o candidato do PS ao Porto, quem é o candidato em Gaia. Quem são os candidatos do PSD? Nós não sabemos, isso tem de ser alterado rapidamente.
E olhando agora para a oposição, Pedro Nuno Santos está tão fragilizado no Partido Socialista como dizem?
Acho que não. Comete muitos erros, a questão das presidenciais é um exemplo, lançar candidatos, um líder, é um erro. No lugar dele fugiria das eleições presidenciais como o diabo foge da cruz, ele faz o contrário. Mesmo assim, a forma como ele abordou o fim das eleições legislativas esteve bem, escolheu bem a candidatura para as eleições europeias. Quer dizer, a grande questão que se coloca aqui, vai depender das eleições autárquicas. Parece estar a fazer melhor o caminho das eleições autárquicas: a Dra. Ana Abrunhosa é uma boa escolha para Coimbra, o Dr. Pizarro para o Porto é uma escolha esperada. Mas ainda falta Faro, Lisboa onde tem um grande problema e que ele poderia mostrar rasgo se fosse buscar um Adalberto Campos Fernandes, se for buscar candidatos que só olham para a esquerda, eu penso que o Dr. Carlos Moedas terá mais facilidade em ganhar as eleições. Em resumo, se o PS conseguir ganhar o Porto, ganhar Coimbra… se não ganhar o Porto, se perder Gaia, como não ganha Lisboa, se não ganha Coimbra, se não ganha Faro, se não ganha Santarém, aí a vida do Dr. Pedro Nuno Santos vai ser mais difícil, não tenho dúvidas. Aparecerá muita gente com aquela célebre frase do Dr. António Costa: isto cheira a poucochinho, mesmo que seja o mais votado no país.
Neste momento, apesar da distância que ainda nos separa das eleições presidenciais, assistimos nas últimas semanas a uma chuva de candidatos, sendo que há um nome praticamente certo: o do almirante Gouveia e Melo. Esta semana soubemos que entra já na reforma e, portanto, pode estar próximo de apresentar uma candidatura que neste momento está à frente em todas as sondagens. O que lhe parece que está a acontecer?
Os candidatos óbvios à esquerda do centro esquerda, de centro direita não são candidatos ou ainda não são candidatos óbvios.
Os nomes de que se fala não serão os candidatos?
Vamos falar com toda a franqueza, independentemente do grande mérito, não estou aqui para ofender, não são os candidatos óbvios. No PS, os grandes candidatos seriam António Guterres e António Costa. Nós, quando olhamos para o Presidente da República – já nos bastou a aventura das últimas eleições – se houve uma coisa que Portugal teve boa ao longo da sua democracia, foi ter bons Presidentes da República. Nós olhamos para a Presidência da República e queremos alguém que depois de eleito, gere um consenso no país, que seja institucional, que não comenta a política todos os dias, que não anda todos os dias como entertainer e que que não faz da política um jogo de palavras, que seja afirmativo, que tenha uma palavra e seja respeitador dessa mesma palavra que não gere instabilidade. Queremos um político que esteja em Belém para nos defender e para nos ajudar e para simbolizar o Estado e não para fazer o inverso. Esta é a realidade e aqui a questão que se coloca é que os candidatos naturais, à esquerda e à direita, não estão [na corrida].
E à direita, quem seriam esses candidatos?
Passos Coelho, é o único, aliás, seria o candidato normal da direita.
Mas não sendo previsível que algum desses nomes se candidate. Nenhum.
Será previsível elegermos alguém que nós não sabemos para que lado vai, que anda de mão dada com Dom João II. Fiquei surpreendido, ficámos todos. E tenho medo de que ele se rodeie de figuras históricas na sua campanha. Tenho medo de que ainda lá vamos ver Pedro Alvares Cabral, Vasco da Gama ou o Nuno Álvares Pereira, que são as grandes figuras da história, porque é uma visão da política. Mas estamos a falar de uma pessoa que terá os seus méritos, pessoalmente nem conheço, mas a ideia que tenho é que foi preparado para mandar e para ser mandado. Não foi preparado para ser alguém que vai ser um denominador comum, alguém que vai ter de falar com os partidos. Não tenho dúvidas. Se nós elegermos alguém fora deste espetro político, as primeiras vítimas serão os partidos, como Macron fez em França. Macron encarregou-se de destruir o Partido Socialista e os gaullista. Porque ele queria isso. Ele queria ser o denominador desse espaço. O almirante, se for eleito, vai querer ser o denominador desse espaço. Agora, o que é que eu sinto? Sinto que é um candidato forte, pela imagem que ficou das vacinas, nós temos esta visão sempre sebastianista.
E também por projetar uma imagem que é o contrário da do Presidente atual?
E vamos ver uma coisa, também isso é verdade, agora vamos ver como é que será a campanha desfardado. Se for eleito, só tem a ver com a fragilidade do centro-direita e do centro-esquerda, por não terem gerado candidatos fortes.
Marques Mendes e Mário Centeno não são candidatos fortes?
Não sou o porta-voz de ninguém, acho que têm de fazer o caminho. A verdade é que partem com alguma desvantagem. Apoiarei o candidato do meu partido, não tenho esse problema.
E, nesse sentido, sendo uma questão até de regime, Pedro Passos Coelho não seria convocável para essa missão?
O Dr. Passos Coelho não tem porta-vozes nem nunca precisou. Ele é o porta-voz de si próprio. Sinto que há uma vontade na sociedade portuguesa de o sensibilizar, como eu não via há muito tempo na vida política em relação a um político. As pessoas que vejo falar, as pessoas que me vêm falar, as pessoas que falam consigo, as pessoas que falam como muitas outras pessoas desejariam que isso acontecesse.
Eleições na Madeira
Esta semana caiu, mais uma vez, o Governo da Madeira, serão as terceiras eleições no espaço de um ano e meio. Como olha para a situação na região? Todo o processo em si é contraditório: primeira contradição, estamos a falar de uma região que foi um referencial de estabilidade ao longo de décadas, neste momento é de instabilidade; em segundo lugar, mesmo esta instabilidade, criada artificialmente, tem levado a que o PSD tenha ganho as eleições sem maioria…
As sondagens dizem que o cenário se repetirá?
A terceira contradição é o facto de o Partido Socialista perder votos e continuar a querer deitar o Governo abaixo, é um processo de autossacrifício que só aquele líder do Partido Socialista é que consegue compreender. Eu, no lugar dele, preferiria estar na oposição a passar pela vergonha de consecutivamente ter piores resultados. Há um fator de resiliência do Dr. Miguel Albuquerque.
Miguel Albuquerque deve ir de novo a eleições?
Ele tem que avaliar se chegado a um determinado momento não é ele, a saída dele, que ajuda a resolver o problema. Mas essa é uma avaliação pessoal. A verdade é que os madeirenses, independentemente das circunstâncias, lhe têm dado a vitória.
Mas isso não tem sido suficiente para evitar crises políticas.
A oposição é que não respeita a vontade do povo madeirense. Agora é uma avaliação pessoal que ele terá que fazer. Eu no lugar dele…
Não iria a votos outra vez?
Chegou a um ponto que a história fará também aí justiça.