Palestina. O país que ainda não existe

Após meses de esforços diplomáticos, vários países ocidentais acabaram por reconhecer o Estado da Palestina. Ainda assim, o problema continua longe de estar resolvido.

Palestina. O país que ainda não existe

Chegou a hora. Foram as palavras de abertura do Presidente francês, Emmanuel Macron, no seu discurso na Conferência Internacional para a Resolução Pacífica da Questão da Palestina e Implementação da Solução de Dois Estados. A conferência, que decorreu no âmbito da octogésima Assembleia Geral das Nações (UNGA), é o culminar de um processo longo e diplomaticamente tortuoso que se arrasta, com avanços e recuos, desde meados do século XX. E é, como pode ler-se num artigo publicado pela United Nations Regional Information Centre for Western Europe, uma iniciativa que faz parte de um esforço diplomático abrangente [francês] conduzido em conjunto com a Arábia Saudita.

Desta iniciativa conjunta resultou a Declaração de Nova Iorque, publicada a 29 de julho de 2025. Uma declaração que, além dos copresidentes franceses e sauditas, contou com o contributo de um leque de Estados, na categoria de copresidentes de grupos de trabalho, do qual fazem parte a «República Federativa do Brasil, [o] Canadá, [a] República Árabe do Egito, [a] República da Indonésia, [a] Irlanda, [a] República Italiana, [o] Japão, [o] Reino Hachemita da Jordânia, [os] Estados Unidos Mexicanos, [o] Reino da Noruega, [o] Estado do Catar, [a] República do Senegal, [o] Reino de Espanha, [a] República da Turquia, [o] Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, [a] União Europeia e [a] Liga dos Estados Árabes».

No quinto ponto do comunicado, que conta com 42 artigos, o objetivo da iniciativa fica claro: «O fim do conflito israelo-palestiniano e a implementação da solução de dois Estados são a única forma de satisfazer as aspirações legítimas, em conformidade com o direito internacional, tanto dos israelitas como dos palestinianos, e a melhor forma de pôr fim à violência em todas as suas formas e a qualquer papel desestabilizador de atores não estatais, pôr fim ao terrorismo e à violência em todas as suas formas, garantir a segurança de ambos os povos e a soberania de dois Estados, e fazer prevalecer a paz, a prosperidade e a integração regional em benefício de todos os povos da região».

O reconhecimento
Esta declaração foi o impulso final para a cascata de reconhecimentos que teve lugar na última UNGA. E no dia antes de Macron anunciar o reconhecimento, outros países adiantaram-se. Foi o caso do Reino Unido, do Canadá, da Austrália e até de Portugal. Depois dos franceses, seguiu-se mais uma mão cheia de países ocidentais: Andorra, Bélgica, Luxemburgo, Malta e San Marino. Assim, a Palestina passa a ser reconhecida como um Estado por 157 dos 193 membros das Nações Unidas, ficando mais perto dos reconhecimentos conseguidos pelo Estado de Israel, fundado em 1948. São, ao dia de hoje, 165 países que reconhecem o Estado judaico.

No seu discurso, Macron invocou a História como uma das justificações para a sua tomada de posição. E a história, em particular quando o objeto de discussão é o conflito israelo-palestiniano, não é uma questão de somenos. «Em 1947», começou o Presidente francês, «esta Assembleia decidiu dividir a Palestina, à data sob um mandato, em dois Estados: um judeu e outro árabe, reconhecendo assim o direito à autodeterminação de ambos os grupos». «Ao fazê-lo», continuou, «a comunidade internacional consagrou o Estado de Israel, cumprindo finalmente o destino de um povo que, após milhares de anos de deslocação e perseguição, conseguiu finalmente estabelecer uma grande democracia naquele lugar». Contudo, concluiu Macron esta passagem, «[a] promessa de um Estado árabe continua ainda por cumprir».

Porém, a análise histórica de Macron peca por defeito. Mencionou a génese da questão israelo-palestiniana, sem abordar os eventos que se desenrolaram logo a partir de 1948. Entre eles, encontram-se vários ataques ao recém-nascido Estado judaico por parte dos vizinhos árabes. Os de 1948, de 1967 e de 1973 foram os mais significativos, aos quais se adicionam outros episódios de terrorismo, como o de setembro de 1972.
E o seu reconhecimento do Estado da Palestina, neste momento, e ainda que sempre invocando o respeito pelo direito internacional, parece não bater certo com algumas exigências.

A Convenção de Montevideu
Para este efeito, importa voltar a 1933. A Convenção de Montevideu sobre os Direitos e Deveres dos Estados apresenta, logo no primeiro artigo, as condições necessárias para a obtenção do estatuto de Estado: «O Estado, enquanto pessoa de direito internacional, deve possuir as seguintes qualificações: (a) uma população permanente; (b) um território definido; (c) um governo; e (d) capacidade para estabelecer relações com outros Estados».

Também pode ler-se, no sexto artigo, que «[o] reconhecimento de um Estado significa meramente que o Estado que o reconhece aceita a personalidade do outro com todos os direitos e deveres determinados pelo direito internacional. O reconhecimento é incondicional e irrevogável».

Vamos por partes. A Palestina não tem, de momento, um território definido nem um Governo. O Hamas controla a Faixa de Gaza desde 2007 e a Autoridade Palestiniana controla a Cisjordânia. Quanto à capacidade de estabelecer relações com os outros Estados escusado será dizer que, neste momento, e naturalmente em relação a Israel, isso é apenas uma miragem.
No entanto, e com estes objetivos em mente, a Declaração de Nova Iorque aborda praticamente todos estes pontos, ainda que de forma tácita.

Por exemplo, quanto à questão territorial, no décimo ponto lê-se que «Gaza é uma parte integral do Estado da Palestina e deve ser unificada com a Cisjordânia. Não deve haver ocupação, cerco, redução territorial ou deslocamento forçado». E, no que diz respeito ao Governo, logo no ponto seguinte, a declaração afirma que «[a] governação, a aplicação da lei e a segurança em todo o território palestiniano devem ser da exclusiva responsabilidade da Autoridade Palestiniana, com o apoio internacional adequado. Acolhemos com grado a política ‘Um Estado, Um Governo, Uma Lei, Uma Arma’ da Autoridade Palestiniana e comprometemo-nos a apoiar a sua implementação, nomeadamente através do necessário processo de DDR, que deverá ser concluído no âmbito de um mecanismo acordado com os parceiros internacionais e num prazo definido». «No contexto do fim da guerra em Gaza», continua o documento, «o Hamas deve pôr termo ao seu domínio em Gaza e entregar as suas armas à Autoridade Palestiniana, com o envolvimento e o apoio internacionais, em consonância com o objetivo de um Estado palestiniano soberano e independente».
No trigésimo quarto ponto, que aborda a exigência d) da Convenção de Montevideu, está escrito que «[a] integração regional e a independência do Estado palestiniano são objetivos interligados».

Os entraves
Ainda assim, não há qualquer documento que explique os meios para atingir os fins pretendidos, principalmente no que concerne à exclusão do Hamas e à cedência de poder por parte do grupo terrorista à Autoridade Palestiniana.

Pelo contrário, as declarações do grupo que controla a Faixa de Gaza demonstram que as pretensões ocidentais estão longe de se materializar, com o Hamas a aparentar ter saído fortalecido. Porque mesmo que Macron tenha dito que o reconhecimento «é a melhor forma de isolar o Hamas», estes últimos garantem que foi «um resultado merecido da luta do nosso povo» e «um passo importante» que levará o Ocidente a isolar Israel. E importa ainda recordar as declarações de Ghazi Hamad, um dos principais membros do Hamas, no início do passado mês de agosto: «A iniciativa de vários países de reconhecer um Estado palestino é um dos frutos do dia 7 de outubro. Provámos que a vitória sobre Israel não é impossível e que as nossas armas são um símbolo da dignidade palestina».

Por isso, será que as boas intenções ocidentais podem revelar-se um tiro que sai pela culatra, legitimando o terrorismo do Hamas, ou chegar-se-á, finalmente, à paz no Médio Oriente? Para já, esta última possibilidade não parece mais do que uma simples miragem.