Poderá um Presidente da República diretamente eleito pelos cidadãos regressar ao sábio uso da gravitas da palavra, ou o novo ecossistema comunicacional desenhou um espaço público onde isso já não é possível?».
Quem coloca a questão é o presidente do Conselho Europeu, António Costa, que, a menos de três meses das presidenciais – marcadas para 18 de janeiro –, propõe uma reflexão sobre o papel do Presidente da República num texto que deve ser lido como uma obra surrealista, para que não nos escapem os elementos inesperados e desconcertantes. Até porque esta ‘intromissão’ de António Costa nas presidenciais acontece precisamente nas vésperas de o seu partido anunciar o apoio formal à candidatura de António José Seguro.
No ar fica a pergunta sobre se Costa – cuja ala de apoiantes socialistas fez tudo o que podia para tentar arranjar um candidato alternativo a Seguro – poderá estar a ensaiar uma qualquer candidatura presidencial daqui a cinco anos. Mesmo que colocássemos a questão a António Costa, não estaríamos certos da resposta. Afinal, em novembro de 2017, Costa disse que não ambicionava um cargo na Europa e que queria reformar-se aos 65 anos – tem agora 64.
Na semana em que os media deixaram as autárquicas para se concentrarem nas presidenciais, com os candidatos a multiplicarem novidades, chega às livrarias o livro de Vital Moreira Que Presidente da República para Portugal? – Contra a tentação presidencialista, que sistematiza as reflexões do constitucionalista sobre as funções do Presidente, e que considera o atual titular do cargo, Marcelo Rebelo de Sousa, «o mais controverso dos cinco presidentes» do pós-25 de Abril.
António Costa concorda com Vital Moreira, acrescentando a preocupação de olhar para «o novo ecossistema comunicacional, em que as redes sociais, por si só, e no modo como transformam os órgãos de comunicação social, alteraram as circunstâncias e estabeleceram um novo enquadramento na mediação entre os titulares de cargos políticos e os cidadãos».
O ex-primeiro-ministro aproveitou o prefácio ao livro de Vital Moreira para elogiar Mário Soares, Jorge Sampaio e até Cavaco Silva; destacou «a valiosa ação pedagógica de Marcelo Rebelo de Sousa durante a pandemia da covid-19», mas logo a seguir enumerou: «Vinte e cinco Governos e dez dissoluções da Assembleia da República em 50 anos confirmam que a legitimidade eleitoral reforçada do PR em nada contribuiu para a estabilidade, antes pelo contrário, todos os presidentes a tendo utilizado no segundo mandato para confrontar a solução governativa existente, mesmo que dispondo de maioria na AR». Escreve isto Costa, ele próprio, que pôs em causa um Governo de maioria absoluta por causa de um último parágrafo de um comunicado da PGR.
Para encerrar este tema, resta acrescentar que António Costa propõe o exemplo italiano e alemão, em que «a eleição indireta dos PR não lhes retira autoridade e reforça o seu papel verdadeiramente moderador».
Carlos Tavares com Gouveia e Melo
Também nesta semana, um dos candidatos presidenciais, e líder nas sondagens, Henrique Gouveia e Melo, afirmou que o «Presidente não pode ser o Cavalo de Troia de qualquer partido. Não está na Presidência para dizer sim a tudo, nem para derrubar governos à primeira oportunidade». Disse-o na quarta-feira, 15 de outubro, durante a apresentação de um manifesto subscrito por 120 personalidades. Na sala cheia do evento, em Lisboa, destacava-se Carlos Tavares, o gestor que liderou a Stellantis (que integra marcas como Fiat, Peugeot, Opel, Chrysler e Alfa Romeo).
O PS anunciou, entretanto, o inevitável: o apoio a António José Seguro. José Luís Carneiro, juntamente com o presidente do PS, Carlos César, proporá oficialmente à Comissão Nacional do partido, reunida em Penafiel no domingo, que o PS apoie Seguro como candidato presidencial em janeiro de 2026.
Ao Nascer do SOL, em conversa informal no Parlamento, José Luís Carneiro afirmou que reflete muito antes de tomar uma decisão, mas que, quando a toma, é firme. Essa firmeza no apoio do PS a Seguro só se encontra, por enquanto, em nomes como João Soares, Nuno Severiano Teixeira ou Pedro Nuno Santos, que parece ter esquecido os tempos de ‘jovem turco’, quando conspirava na Praça das Flores para retirar Seguro da liderança e colocar António Costa no seu lugar. O que veio a acontecer. Mas também é verdade que foi Pedro Nuno Santos, como líder do PS, quem lançou António José Seguro na corrida presidencial, à sua maneira, precipitando-se primeiro, refletindo a seguir.
E como reagiu Seguro ao anunciado apoio do PS? Até ao momento em que escrevíamos este texto não foi possível obter uma reação formal. Essa surgiu na tarde desta quinta-feira, 16 de outubro, durante a apresentação do Movimento Futuro Seguro, na Fundação Cidade de Lisboa, no Campo Grande. Fonte próxima do candidato adiantou-nos que o apoio é «bem-vindo» e que «se não houvesse esse apoio é que seria de estranhar», já que a ala ‘costista’ do partido não conseguiu avançar com um candidato – chegaram a estar em cima da mesa os nomes de Augusto Santos Silva, António Vitorino e Sampaio da Nóvoa. Apoiar Seguro tornou-se, portanto, uma inevitabilidade. O próprio secretário-geral do partido admite que «há várias sensibilidades», mas, nas atuais circunstâncias, é o que é.
Podemos dizer que o moderadamente entusiasmante apoio do PS a Seguro corresponde à forma como muitos socialistas veem o candidato.
Augusto Santos Silva foi um dos primeiros a reagir, dizendo que a candidatura de António José Seguro «não parece cumprir os requisitos mínimos de uma candidatura que possa ser apoiada pelo PS e por um vasto campo de forças democráticas». Mas não apareceu outro…
Mariana Vieira da Silva também afirmou que Seguro não é o candidato que lhe «enche as medidas». E mantém-se razoavelmente coerente: «Não vou fazer de conta que não disse o que já disse sobre António José Seguro», recordou há tempos e confirmou-nos mais recentemente. Admite, porém, que algo pode mudar nos próximos dois meses – um estado de espírito partilhado por muitos outros socialistas com quem falámos.
Parece mais ou menos evidente que José Luís Carneiro e a direção socialista não estarão excessivamente ativos nas ações de campanha de Seguro. Até porque os resultados do candidato presidencial podem ter efeito de boomerang no PS, que se aguentou nas autárquicas e prefere evitar sobressaltos nas presidenciais.
Rui Moreira com Marques Mendes
No entanto, convém não subestimar o bom senso do eleitorado e um certo instinto de equilíbrio. Com o PSD a controlar o país e as regiões autónomas, e com a extrema-direita a crescer, apesar de alguns obstáculos, os portugueses podem querer ver em Belém um Presidente mais à esquerda e menos histriónico do que o atual.
Entretanto, Luís Marques Mendes anunciou, também esta semana, Rui Moreira como seu mandatário nacional. E explicou: «É fácil justificar esta escolha. O doutor Rui Moreira é uma personalidade independente, sem partido. Assim, contribuirá decisivamente para que a minha candidatura seja ainda mais alargada, mais abrangente e mais agregadora».
Marcelo Rebelo de Sousa tentou ser o candidato fora do sistema, e não o conseguiu, como a sua ação política confirmou. Mas é inegável que os atuais candidatos, vindos ou não dos partidos, como André Ventura ou António Filipe, optaram por se apresentar como ‘fora do sistema’.