O Juiz de Instrução Criminal (JIC) e o Ministério Público (MP) mantêm retido há vários meses um recurso da defesa de Hernâni Vaz Antunes – suspeito na Operação Picoas da prática de crimes de corrupção e de branqueamento de capitais, que terão lesado o grupo Altice – sem subir ao Tribunal da Relação. A defesa tem vindo a endurecer o discurso nos sucessivos requerimentos apresentados, mas até à data continua sem obter qualquer resposta.
O primeiro requerimento foi apresentado em novembro de 2024 e Hernâni Vaz Antunes pedia a nulidade do despacho que confere à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) «o encargo de proceder a quaisquer diligências e investigações relativas ao presente inquérito ou, subsidiariamente, a irregularidade; e, consequentemente, a nulidade de todos os despachos posteriores de validação da produção de prova adquirida pelo referido órgão de polícia criminal; e a proibição de utilização de toda a prova carreada para os autos», lê-se no documento a que o Nascer do SOL teve acesso.
O primeiro recurso é apresentado em fevereiro deste ano, e assenta no facto de o MP ter delegado a investigação na Autoridade Tributária e Aduaneira quando entende que há crimes cuja competência para a investigação é da exclusiva responsabilidade da Polícia Judiciária, não podendo ser deferida a outros órgãos de polícia criminal. Um desses casos é a investigação dos crimes de branqueamento e de corrupção, que são da competência exclusiva da PJ, e a lei também prevê a competência da PJ para a investigação de crimes tributários de valor superior a 500 mil euros.
Hernâni Vaz Antunes alega que o despacho do MP a delegar a investigação na Autoridade Tributária «afeta os despachos posteriores e, por isso, entende que um ato de delegação de competências inválido terá, necessariamente, como consequência a nulidade de toda a prova recolhida pela AT, bem como a proibição de utilização dessa prova».
O recurso foi admitido em abril e o Tribunal decidiu que deveria subir de imediato ao Tribunal da Relação, mas até hoje o MP ainda não informou o arguido dessa subida. Por isso, a defesa voltou a dirigir-se ao tribunal em outubro e novamente já neste mês de novembro.
O não envio do recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação consubstancia uma violação do direito de defesa, e os advogados do arguido consideram tratar-se de um caso de negligência grosseira. Para a defesa, ou o Ministério Público, ou o Tribunal ou ambos demitiram-se dos seus deveres funcionais. «Seja qual for o motivo que conduziu a esta situação, a verdade é que se trata de uma obstrução infundada e ilegal aos direitos do Arguido – não pode ser, sob qualquer prisma, justificada com falta de tempo, falta de meios, ou mero lapso, nem, em bom rigor, com o que mais seja», pode ler-se no requerimento entretanto apresentado.
Face à ausência de respostas, Hernâni Vaz Antunes volta a avançar com novo recurso, já esta semana, a 18 de novembro, subindo o tom das críticas e considerando que esta é uma situação inédita na prática processual: «A situação em causa não é tolerável e pode suscitar até questões de responsabilidade disciplinar, situação que se agrava a cada dia que passa».
Artigo corrigido com o nome da autora