A proposta da International Airlines Group (IAG) – que conta com companhias aéreas como a Iberia e a British Airways – na corrida à privatização da TAP ganhou um aliado de peso. O Nascer do SOL sabe que a Qatar Airways está a apoiar a candidatura do consórcio, aumentando assim a robustez financeira da proposta. Ao mesmo tempo, aposta no crescimento do hub de Lisboa, que era, aliás, uma das condições anunciadas pelo Governo neste processo de alienação de 49,9% do capital da companhia aérea.
Uma solução vista com bons olhos pelo especialista de aviação Pedro Castro, para quem «essa é, na realidade, uma das poucas vantagens no modelo de reprivatização minoritária escolhido pelo Governo». No entanto, reconhece que «este tipo de cruzamento acionista intercontinental não tem sido frequente nas privatizações aéreas europeias».
Este interesse por parte da IAG não surpreende, uma vez que este grupo tem vindo a companhar sempre com muit atenção todo o processo, desde o seu início. Jonathan Sullivan, administrador do grupo, tem afirmado que o negócio da TAP é interessante por «muitas razões» e destaca o hub como «um ativo tremendo», assim como a conectividade com a América Latina e com a América do Norte, que funcionariam como «um bom complemento» à operação das companhias que integram o grupo.
À IAG junta-se a Lufhtansa, que ontem mesmo formalizou a candidatura à privatização da companhia aérea portuguesa. «Além de adquirir inicialmente uma participação minoritária, o objetivo do processo é estabelecer uma parceria de longo prazo entre o grupo Lufthansa e a TAP Air Portugal, de forma a garantir o futuro bem-sucedido da TAP enquanto companhia aérea nacional de Portugal», acrescentando ainda que o objetivo é «reforçar a conectividade global de Portugal, preservar a identidade portuguesa da TAP e garantir o crescimento sustentável da companhia».
E também a Air France-KLM, como era esperado, entrou na corrida. «Fica demonstrado, uma vez mais, o forte e continuado interesse» na operação, afirmou ao oficializar a manifestação de interesse, acrescentando que aguarda «com expectativa os próximos passos» do processo.
Recorde-se que o prazo de entrega de candidaturas termina neste sábado e, depois de recebidas as declarações de interesse por parte dos interessados, a Parpública terá de as validar com um relatório descritivo sobre o cumprimento dos requisitos para apresentação de proposta.
Esta manifestação de interesse por parte das companhias de aviação surge depois de a companhia aérea portuguesa ter apresentado um resultado líquido positivo de 126 milhões de euros no terceiro trimestre deste ano e um lucro de 55,2 milhões no acumulado dos primeiros nove meses do ano. Até setembro, a TAP transportou um total de 12,7 milhões de passageiros, um aumento de 2,9% face ao mesmo período de 2024. Já o número de voos operados registou um ligeiro crescimento homólogo de 0,7%, praticamente em linha com o período anterior.
Números que levaram a empresa a admitir que, em 2025, registou «um dos verões mais movimentados, com aumento da capacidade (+4%), mais passageiros transportados (+4%) e mais voos operados (+1%) face ao verão de 2024», apesar de ter enfrentado «várias disrupções operacionais, nomeadamente constrangimentos no controlo de fronteiras nos aeroportos nacionais e no espaço aéreo europeu, impactando a performance operacional e a satisfação dos clientes».
De acordo com Luís Rodrigues, CEO da empresa, «a TAP apresentou uma performance sólida no terceiro trimestre, com um aumento de receitas, impulsionadas por um contributo relevante da manutenção, resultados operacionais sólidos e um resultado líquido positivo que compensou integralmente as perdas do primeiro semestre, dando assim continuidade ao desempenho do segundo trimestre».
Golpe de asa
E numa altura em que o processo de privatização dá passos importantes, a companhia aérea perdeu altitude. Isto porque a Polícia Judiciária realizou buscas em 25 locais, incluindo a sede da TAP, empresas do Barraqueiro e outras entidades ligadas. No centro desta investigação está o controverso processo de privatização da companhia aérea portuguesa em 2015, quando foi vendida ao consórcio Atlantic Gateway, liderado pelo empresário brasileiro David Neeleman e pelo português Humberto Pedrosa, durante o Governo PSD/CDS.
As suspeitas incluem crimes graves, como administração danosa, participação económica em negócio, corrupção passiva no setor privado, fraude fiscal qualificada e fraude à Segurança Social qualificada.
Segundo o Ministério Público, o inquérito está ligado a factos reportados pela primeira vez em dezembro de 2022: envolve a aquisição, pelo consórcio Atlantic Gateway, de 61% da TAP à Parpública. A investigação analisa ainda a capitalização da TAP com fundos que, segundo o MP, podem ter origem num financiamento da Airbus à DGN Corporation, antes mesmo da privatização ser concluída.
Além disso, são investigadas decisões contratuais entre a TAP e a Airbus, relativas à encomenda de 53 aeronaves, e o cancelamento de encomendas anteriores, levantando dúvidas sobre se esses contratos beneficiaram indevidamente os compradores. Também estão a ser escrutinados os custos que a TAP suportou com entidades ligadas ao consórcio Atlantic Gateway durante o período em que a companhia esteve sob gestão privada.
O processo teve origem numa denúncia apresentada pelos então ministros Pedro Nuno Santos (Infraestruturas) e Fernando Medina (Finanças), após uma auditoria interna realizada depois da renacionalização da empresa.
O ministro Miguel Pinto Luz disse estar tranquilo com esta operação. «Estou absolutamente tranquilo. Este é dos processos mais escrutinados na vida pública portuguesa. Já teve escrutínio do Tribunal de Contas, já teve escrutínio da Justiça até, porque como já sabemos, já teve um processo que incidiu sobre todo o processo de privatização, já teve uma comissão parlamentar de inquérito», disse o governante.
Poderá este processo, em vésperas de fecho do prazo de envio de candidaturas para a privatização da companhia aérea portuguesa, prejudicar o que aí vem e reduzir o valor da TAP?
Pedro Castro defende que a sua interpretação política sobre tudo o que aconteceu esta semana relativamente à TAP – a carta de José Luís Carneiro, o Sindicato dos Tripulantes a votar a decisão sobre a adesão à greve geral, a investigação da PJ, as declarações de alguns candidatos presidenciais sobre o tema – «é a de que existem partidos que estão claramente interessados em fazer tudo para a TAP sair desvalorizada e não olham os meios para atingirem os seus fins». Esses partidos, acrescenta o especialista, «estão, de facto, a cavalgar naquilo que o próprio Governo afirmou: se as propostas não forem ‘boas’, cancela-se o concurso e não se vende a TAP. Ou seja, mais do que ‘desvalorizar’, eu creio que tudo isto tem uma finalidade muito clara: a de não vender a TAP e mantê-la a 100% no Estado, como aliás tem sido o caso desde que diz que se quer privatizar a TAP no início dos anos 90».
Pedro Castro lembra ainda que a companhia aérea «acabou sempre por ficar no Estado, com exceção daquele brevíssimo período em que o consórcio da Atlantic Gateway passou de maioritário a minoritário logo com a mudança do Governo, Governo esse que, depois da pandemia, queria vender a maioria da TAP mas que, antes de poder concretizar esse plano, foi substituído por um Governo que, em 2013, vendeu a maioria da TAP, mas que agora decidiu vender uma minoria…alguém percebe isto?».
E atira: «Se alguém tiver dúvidas, os únicos privados que alguma vez conseguiram ultrapassar tudo isto são tratados da forma que se conhece graças à Comissão Parlamentar de Inquérito e, 10 anos depois, serão investigados pela Polícia Judiciária». Isto serve, na sua opinião, «de alerta para qualquer grupo que esteja a pensar se quer ou não entrar na TAP – pode ser tratado desta mesma forma, consoante o ‘vento’ político soprar».
Recorde-se que, durante esta semana, o líder do PS, José Luís Carneiro, enviou uma carta ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, falando sobre o processo de privatização da TAP e a garantir que o PS fará «o escrutínio da forma como foi realizada a privatização».