A oposição meteu férias…

A operação táctica e de propaganda montada pelo Governo a pretexto da greve dos camionistas lembra irresistivelmente a rábula da ameaça de demissão do primeiro-ministro em exercício quando a direita caiu na esparrela de juntar-se à esquerda para votar a contagem integral do tempo de serviço dos professores.

A operação táctica e de propaganda montada pelo Governo a pretexto da greve dos camionistas lembra irresistivelmente a rábula da ameaça de demissão do primeiro-ministro em exercício quando a direita caiu na esparrela de juntar-se à esquerda para votar a contagem integral do tempo de serviço dos professores. Mordeu o isco e caiu na armadilha.
Em ambos os casos, o objetivo de António Costa – óbvio mas nunca assumido – passou por mostrar ‘nervo’ em vésperas de o país ir a votos, compondo o retrato de uma liderança com autoridade para arrumar a casa e pôr na ordem os recalcitrantes. 
O espectáculo, assaz indecoroso, conseguiu ter a cumplicidade do PCP e do BE, e arrumou o PSD e o CDS, ‘encostados às cordas’ com notório embaraço. 

A montagem do décor caprichou. Doravante, a lei da greve não voltará a ser encarada da mesma forma. Nem o sindicalismo. Todos perderam. 
A ‘novela’ subiu à cena em quatro etapas: serviços mínimos, que eram máximos; requisição civil ‘preventiva’ e depois efectiva; baterias assestadas sobre o porta-voz dos camionistas de materiais perigosos; dividir os sindicatos para reinar e isolar o mais resistente.  
O primeiro-ministro em exercício nem se coibiu de dizer, à saída de uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, que «há um claro sentimento nacional de revolta e de incompreensão perante uma greve que é marcada para o meio de Agosto». 
Fê-lo sem inocência, como se exprimisse também o sentimento do Presidente com quem acabara de falar, e que há meses viajara para o Porto na cabina de um pesado, ouvindo as queixas dos motoristas… 

António costa precisava de insinuar a cobertura de Belém, depois de envolver na encenação o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, cujo parecer, extenso e pormenorizado, «protege a posição do Governo», ao decretar serviços mínimos ‘robustos’, como noticiou em título o jornal Público.
De facto, o documento da Procuradoria ‘ensina’ que «o direito de greve não é um direito absoluto, imune a quaisquer restrições ou limites» e que uma greve pode, «em casos extremos e excepcionais, ser considerada abusiva e, como tal, ilícita». 
Porém, o mais extraordinário foi a PGR citar um parecer anterior do mesmo órgão, datado de 1977, para lhe servir de abono às teses, no qual se preconizava que deviam ser acautelados «danos injustos e desproporcionados (…) nomeadamente quando resultantes do propósito de desorganização da produção e de sabotagem da economia».
A ideia da ‘sabotagem económica’ remete-nos, incontornavelmente, para a linguagem que vigorou durante o PREC e que fazia parte do jargão habitual do PCP. Basta consultar a colecção do Àvante!.
Reencontrar essa citação num parecer que tem como primeira subscritora Lucília Gago é algo que merece reflexão. A escolha de António Costa para substituir Joana Marques Vidal, ‘apadrinhada’ por Belém, já está a dar frutos… 

Outros conflitos houve, como o dos estivadores no Porto de Setúbal, que durou mais de um mês – e bloqueou a saída de milhares de carros da Autoeuropa, afectando as exportações e a economia do país -, e este mesmo Governo ficou-se ‘nas encolhas’. 
Em contrapartida, soube ter uma intervenção ‘musculada’ no caso dos enfermeiros e sujeitou a respectiva Ordem a uma sindicância, sob argumentos no mínimo discutíveis. 
Convirá não perder de vista uma sintomática bipolaridade, entre o ‘robusto’ e o ‘deixa andar’: o Governo usa de ‘bonomia’ perante os sindicatos afectos à CGTP e ao PCP, e fica crispado e ameaçador quando se trata de organismos autónomos, não tutelados pelas centrais sindicais. 
Claro que a lei da greve, com respaldo constitucional, não deve ser exercida de uma forma irrestrita e irresponsável. Mas alguma vez se procurou harmonizar o direito à greve com a protecção de direitos conexos, corrigindo omissões?
Se a greve dos camionistas tivesse ocorrido ao tempo de Passos Coelho poderá imaginar-se a berrata, liderada pelo frentismo de esquerda. Assim, as indignações e os protestos murcharam depressa. 

Embora a coligação PSD-CDS tenha terminado a legislatura com um saldo de greves inferior ao do Governo de António Costa, foi severamente vergastada pelos partidos à esquerda, ‘secundados’ pelo Tribunal Constitucional, que se desdobrou em chumbos.
Em Agosto de 2014, já o Expresso tinha contabilizado nove chumbos, desde a suspensão dos subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e reformados (com rendimentos acima dos 600 euros), até à lei da convergência das pensões do sector público e privado. 
Com o actual Governo – e um Presidente sem dúvidas constitucionais -, o TC perdeu fôlego e desapareceu do radar mediático. Reina o mais completo sossego no Palácio Ratton, sem nada que aflija os juízes, libertos das aflições por que passaram quando pressentiram que o seu estatuto ímpar de regalias poderia ser posto em causa. A ‘geringonça’ devolveu-lhes a paz.

Perante o silêncio concupiscente dos parceiros do PS, o primeiro-ministro em exercício até deu um ar da sua graça ao proclamar, sem pudor, que «o interesse nacional nunca tira férias». 
Pena é que não tivesse sentido o mesmo fervor no Verão de 2017, quando tirou férias nas Baleares, apesar do trágico desfecho dos incêndios de Pedrógão Grande e do desconcertante assalto a Tancos. 
Talvez por tudo isto, o ‘estado de alma’ dos portugueses oscile entre uma felicidade mitigada, a meio da tabela, no ranking mundial elaborado pela ONU, e um pessimismo agravado no Eurobarómetro da Primavera, em que mais de metade dos inquiridos diz não confiar no Governo nem no Parlamento. 
São indicadores que não deverão, contudo, perturbar o sono de António Costa. Alvíssaras a quem souber do paradeiro da oposição…