As longas férias da justiça

O próximo ano judicial anuncia-se fértil em processos, como os seguintes, porque o tempo da Justiça é muito elástico…

O protagonismo da Justiça é inquestionável. Quando se somam milhares de páginas nas acusações deduzidas contra José Sócrates e mais de uma dezena de arguidos na Operação Marquês, ou contra Ricardo Salgado e uma ilustre coleção de ‘discípulos’, obedientes e bem pagos, na falência do BES, é impossível ficar indiferente ao volume de trabalho realizado pelas polícias e pelo Ministério Público para chegarem a tais resultados. É muita mão de obra intensiva…

Quando se acompanha na SIC o verbo eloquente de um ex-bastonário dos advogados, que trocou a toga pelos estúdios – para quem Ricardo Salgado foi «um grande banqueiro» e «não era um gangster» – fica-se pasmado. 
E quando o ouvimos garantir que a Justiça precisará de dez anos para julgar o megaprocesso do BES, é de presumir que os arguidos da Operação Marquês, à cautela, rezem uma novena em nome do juiz de instrução Ivo Rosa. 
Afinal, reside nele a esperança de que o caso não seja enviado a julgamento, garantindo a paz ao residente mais conhecido da Ericeira. 

Anos de diligências e de investigação podem ficar ‘a marinar’ nos tribunais, graças à legislação garantística em vigor, que protege quem dispõe de liquidez para contratar bons advogados. São especialistas em ‘costurar’ as malhas legais, obtendo a dilação de prazos e, não raramente, o arquivamento por alegada insuficiência de provas. 
O pior, é que o ‘tribunal’ da opinião pública é muito mais célere, arruinando a vida de quem está inocente, enquanto os verdadeiros culpados gozam de tempo de sobra, até para se arvorarem em vítimas de supostas maquinações conspirativas. 

Em quase meio século pós 25 de Abril, o país tem convivido com manchas acrescidas de corrupção, à medida que os ‘crimes de colarinho branco’ ganharam lastro de impunidade.

Pelo caminho, não faltaram os ‘sacos azuis’, os enriquecimentos súbitos e as ‘histórias de embalar’, para distrair a opinião pública. 

É costume dizer-se que a Justiça em Portugal é lenta. Estamos a meio da tabela na União Europeia no rácio de magistrados judiciais por 100 mil habitantes. Mas, quando se compara a produtividade, as conclusões não favorecem o nosso ‘modelo burocrático’.

Porém, quanto ao padrão salarial não há razões de queixa. Um relatório do Conselho da Europa, divulgado em outubro de 2018, já indicava ser Portugal um dos países em que a remuneração dos juízes mais crescia ao longo da carreira, conseguindo mais do que duplicar o valor auferido de inicio. 

Recorde-se que, não obstante a situação ser desafogada, o Presidente da República ainda promulgou um diploma, em agosto de 2019, com o aumento das remunerações dos magistrados judiciais, apesar de, nalguns casos, já serem superiores ao vencimento do primeiro-ministro.

Mesmo assim, neste Verão atípico, pesem embora os processos amontoados – e que a paralisação forçada do covid-19 agravou – não foi dado um passo para encurtar as sagradas férias judiciais.

Aparentemente, para as magistraturas, há direitos adquiridos que não se discutem – desde os tribunais de primeira instância aos tribunais superiores, com relevo para o Constitucional, imbatível em matéria de regalias.

O próximo ano judicial anuncia-se fértil em processos, como os seguintes, porque o tempo da Justiça é muito elástico. Além da dimensão de alguns, impressiona o elenco de nomes sonantes envolvidos, incluindo políticos e gestores ‘geniais’, a quem muitos dobravam a cerviz.

Caiu a PT, caiu o BES, e caíram também o BPN, o Banif ou o Banco Privado. Neste último, só agora, seis anos depois de João Rendeiro ter sido acusado, é que o Tribunal da Relação o condenou a prisão efetiva e deu como provados os crimes que lesaram o banco, encerrado em 2010. 

Foi outro escândalo financeiro, afetando numerosos pequenos investidores, atraídos pelo chamariz do ‘retorno absoluto’, outra patranha para enganar incautos, em que colaborou muito boa gente. 

Se a PT, antes do colapso, era comummente apontada como a «joia da coroa», a Banca parecia ter uma robustez a toda a prova. Viu-se. 

Entretanto, derreteram-se muitos milhares de milhões de euros, para cobrir os prejuízos resultantes de erros, incompetências, favores políticos, irregularidades e corrupções.

O país dissipou recursos imensos e essa sangria paga fatura elevada. Por isso, continuamos de mão estendida, mas exibimos depois uma altivez patética. Um exemplo recente foi dado por Fernando Medina, aspirante à liderança do PS, ao chamar «forretas» aos países ditos ‘frugais’, que vão contribuir com os impostos dos seus contribuintes para salvar o ‘milagre’ português. 

A Justiça em Portugal tira férias grandes. E há políticos a precisar delas…