Melancolia ou Esperança

Torna-se urgente o arranque de um amplo movimento sócio-liberal só possível pelo regresso à liderança do PSD da feição de Passos Coelho, de preferência encabeçada por este. Nesse conjunto, se valorizará a Iniciativa Liberal como circulo de reflexão e intervenção politica seletiva

2.ª Parte – Esperança

Prosseguindo: Estou em crer que a circunstancia pós-covid-19 motivará o inicio de um novo capitulo do percurso nacional, já a partir da campanha para a eleição do Chefe de Estado em vésperas de Portugal assumir a presidência do Conselho da União Europeia, em ambiente da máxima exigência comunitária. Vamos fazê-lo com um inadequado Executivo de 70 membros (30 seria suficiente como o poderei explicitar), alarde de intolerável despesismo ainda por cima num pais, que solicita apoio externo confessando-se financeiramente débil. Mas, também aviltante demonstração de desorganização por acarretar inevitáveis conflitos de competência positivos ou negativos. Exemplo rematado de como se não deve estruturar a governação, seja de uma empresa, seja do Estado.

Acresce que desses 70 elementos, nem chegam a 10 os que não nos envergonham. Será motivo de chacota, no seio da União, ouvir os mais desbocados, alguns titulares de pastas de primordial importância. Impossível manter esses e outros infelizes, confinados em sucessivas quarentenas. Abusar-se-á da presença do ministro da Economia, como vedeta, valorizar-se-ão elementos mantidos ate agora em plano secundário, recorrer-se-á a consultores, secretariados, assessores, amigos influentes e parentes discretos numa profusão, que irritará quem contamos venha a pagar a fatura. Costa ele próprio é um caso nas frequentes interrupções da lógica elementar, também na forma de se exprimir em qualquer língua, incluindo português, ou comportar em sociedade.

Neste clima de desgastante desvalorização comunitário pelo mal governados que somos, sem encontrar na generalidade do Parlamento suficiente compensação, o Presidente da República eleito terá tudo a ganhar em garantir, que tão pronto a Constituição lho permita na calendarização eleitoral, devolverá o poder ao povo, convocando eleições legislativas, neste caso coincidentes com as autárquicas, numa prática corrente nas democracias europeias em situação desgastante. Não haverá portanto lugar para sobressaltos no seio da União Europeia, antes o reconhecimento do correto funcionamento democrático.

Aliás, o prélio eleitoral para Belém acarretou uma reformulação dos protagonistas partidários. Ana Gomes, logo após a derrota, cantará legitimamente vitória, porque em seu torno se formou a génese do movimento dinâmico de esquerda, que o Podemos representa em Espanha. Com ela, a CDU reduzir-se-á, a curto prazo, aos saudosistas leninistas, ao mesmo tempo que se consagrou a pujança latente do BE e da esquerda radical do PS, absorvendo pelo caminho o utópico PAN de donos marxistas de animais de estimação, mais o que de ecologia houvesse nos Verdes. A voz preconceituosa de Louçã será substituída pelo chamamento pragmático à ação pela menos diplomática dos nossos embaixadores, mas com lugar na História pelo papel desempenhado no melindroso processo da independência de Timor Leste. Não se lhe prestou a homenagem devida, porque a seguir moeu o juízo a muitos com quem se cruzou noutros combates. Mas confirmou agora a capacidade predadora de um tigre em ambiente politico onde miam gatos. Melhor se forçar uma 2.ª volta, mas sempre triunfadora ao provar que vale cinco vezes mais do que Costa nas suas artimanhas de sobrevivente.

Defensora naturalmente da mudança tal como, em sentido às vezes não totalmente inverso, Ventura conseguiu, em poucos meses, consagrar-se como líder da direita assumida como tal. Também ganhará ao perder, até por ser noticia todos os dias com a vantagem adicional de o criticarem quase sempre. Churchill salientava ser essencial para um político falar-se dele, mesmo que fosse… para dizer bem. Efetivamente, é na polémica que o líder cresce, respondendo, desdizendo, lastimando-se, esclarecendo, zangando-se. Ventura nasceu ensinado, ou então aprendeu no seminário como ocorrera, décadas antes, com Salazar num percurso curiosamente análogo, porque ambos desistindo de ser padres, passaram a alunos brilhantes de Direito para se revelarem políticos com a ambição de vir para ficar.

Pessoalmente, desagrada-me o estilo e alarma-me desconhecer-se quem respalda o Chega, ao que me dizem do agrado dos núcleos duros de Trump e de Putin. Ora, só há uma forma de evitar que esse partido tenha, nas eleições legislativas e autárquicas, um resultado similar ao êxito de Ventura na corrida à Presidência da Republica. Torna-se urgente o arranque de um amplo movimento sócio-liberal só possível pelo regresso à liderança do PSD da feição de Passos Coelho, de preferência encabeçada por este. Nesse conjunto, se valorizará a Iniciativa Liberal como circulo de reflexão e intervenção politica seletiva, já reconhecido como tal pelo mérito dos seus rostos mais visíveis, cabendo ao CDS encontrar objetivo próprio.

Obviamente que Marcelo Rebelo de Sousa não deverá nunca encabeçar tal movimento, porque o seu papel será o de Presidente da Republica, magistrado supremo, arbitro cimeiro, garante da recondução das Forças Armadas ao prestigio indispensável. Mesmo que não optasse pela recandidatura ficaria com o estatuto próprio de um ex-Presidente.

Contudo, a sua vitória dará alento a todos os reformistas, tonificando a sociedade civil, promovendo animicamente a classe média, se no novo contexto pós-covid-19, se apresentar como o Chefe do Estado da Ética e Boa Mudança, remetendo Ana e André para os respetivos campos radicais, tornando-se desde logo o Presidente Novo, o que dispensará a necessidade de um novo Presidente. Importa sobrepor a atitude de respeito generalizado dos portugueses a uma popularidade em si mesmo efémera, tanto mais que os tempos não vão ser fáceis. Homem cortês compreenderá embora a necessidade de fazer má cara a quem o mereça para não ter de vir a bracejar no mar revolto causado por atos ou omissões de outros.

A não ser assim, melhor fora ter dado por finda a presença em Belém. Futuro brilhante não deixaria de ter: professor emérito, conferencista internacional, autor de sucessivos livros de sucesso, analista profundo e sibilino. Contudo, ficar-lhe-ia a frustração de não ter ousado ser esse paladino do progresso. Uma vez mais me ocorre Cesário Verde, quando após lhe ecoar na memória as gloriosas crónicas navais do século de oiro, olhando o Tejo, diz, atrevo-me a escrever sussurra: «Singram soberbas naus que eu não verei jamais».

Marcelo tem neste momento o próprio destino entre as mãos. O desafio será efetivamente tão severo quanto galvanizante. Faz lembrar Eanes quando em pleno PREC teve de restabelecer a ordem nas Forças Armadas e contribuir decididamente para controlar a turbulência geral. Será por isso que tantos o citam como exemplo.

Acresce que na ciência política, sobretudo a partir dos EUA, se começa a por em causa a vantagem de uma democracia rotineira assente no culto do número de votos, propondo-se modos conducentes a um estilo mais qualificado de governação, pela exigência da comprovação de níveis suficientes de preparação por parte dos elegíveis. Fala-se de uma cartilha cívica análoga à carteira profissional ou à carta de condução rodoviária, o que implicaria representantes ou dirigentes mais habilitados do que desembaraçados. Imagine-se a revolução que a opção epistocrática viria acarretar entre nós, trazendo designadamente a lugares de responsabilidade uma nova geração, que tem sido obstaculizada em progredir. Será que também poderemos contar, para a subida de nível do pessoal político, com a recomendação veemente do Candidato da Ética e Boa Mudança? Seria outro motivo mais para acreditar, que Portugal iria evoluindo gradualmente da Melancolia para a Esperança.