Guerra pela sucessão do Chefe Estado-Maior da Armada rebenta em Belém

Além de Gouveia e Melo, chefe da Casa Militar e vice-Chefe do Estado–Maior da Armada estão na linha de sucessão e tentaram travar processo.   

A decisão do Governo de avançar com a proposta de Gouveia e Melo a Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA) deixou Belém em brasa e levou o Presidente da República a deitar água na fervura, travando uma substituição imediata, falando de equívocos e de uma situação de “atropelamento de pessoas e instituições”. Um recado que caiu mal no Governo, que ontem pediu uma audiência a Belém.

Mas a trama que promete continuar a fazer correr tinta estala em Belém e, segundo o i apurou, com fortes movimentações para travar o processo.

Na calha para a sucessão a CEMA estavam, além do vice-almirante – cujo nome já era apontado ao cargo antes de Gouveia e Melo se ter tornado conhecido do país como coordenador da vacinação – o vice-almirante Luís Carlos de Sousa Pereira, nomeado em março chefe da Casa Militar, e o vice-almirante Jorge Novo Palma, atual vice do Chefe do Estado-Maior da Armada, que não gostaram de perceber esta terça-feira que a decisão estava tomada. Os três estão a pouco mais de um ano de passar à reserva, tendo antiguidade e mérito para subir na hierarquia e estando igualmente em cargos de relevo – embora mediaticamente menos visíveis que o coordenador da task-force.

A tensão já era latente nos bastidores mas rebentou quando o Executivo formalizou as suas intenções de exonerar Mendes Calado e promover Gouveia e Melo, tudo isto no mesmo dia em que foi anunciado o fim da task-force.

Ao que o i apurou, eram cerca das 17h de terça-feira quando o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, telefonou ao Chefe do Estado-Maior da Armada, António Mendes Calado, cujo mandato foi prolongado em março, a informá-lo de ia pedir a sua exoneração, o que caiu mal na cúpula – o que tinha ficado acordado era que Mendes Calado sairia no verão de 2022. Com a vacinação terminada, do lado do Governo já não havia mais motivos para esperar.

Horas depois, a informação chegava à comunicação social, lançando um rastilho para a polémica e minando o processo.

No fim de semana, os ecos da substituição na calha começaram a ganhar contornos públicos, com Paulo Portas a dizer na TVI que não estranharia se Gouveia e Melo viesse a ser o novo Chefe Estado-Maior da Armada, mas o Governo não confirmou publicamente quaisquer intenções nesse sentido. Na última reunião da task-force na terça-feira de manhã, as palavras de António Costa já foram lidas como um sinal: desejando-lhe felicidades e, como se diz na marinha, “águas mais safas e ventos de feição”. Horas depois surgia a confirmação do pedido de exoneração e de promoção do vice-almirante e, ao que i apurou, começaram movimentações na Casa Militar para travar o que estava a ser dado como um facto consumado. O Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas ficou com a batata quente nas mãos: gerir o problema da sucessão e salvaguardar o nome de Gouveia e Melo das críticas internas e externas que depressa começaram a cair, perante a leitura de que a exoneração de Mendes Calado, crítico da reorganização da estrutura superior das Forças Armadas, tinha motivações políticas.

 

“Há aqui um equívoco de momento”

E a solução foi ganhar tempo. Em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa resumiu a polémica a três equívocos. Por um lado, lembrou que a substituição do CEMA irá acontecer e que já não estava previsto que acontecesse só em fevereiro de 2023, quando Gouveia e Melo, que passa à reserva em novembro de 2022, já não seria elegível. Marcelo lembrou que houve uma renovação de mandato, que habitualmente tem a duração de dois anos, mas na altura o almirante mostrou a disponibilidade para deixar o cargo mais cedo, para permitir que “pudessem aceder à sua sucessão camaradas antes de deixarem a atividade”. Para Marcelo Rebelo de Sousa, ainda não chegou esse momento. “Há aqui um equívoco de momento”, declarou.

A este equívoco, Marcelo Rebelo de Sousa somou mais dois, rejeitando que as críticas de Mendes Calado à reorganização das Forças Armadas pudessem ser motivo para uma exoneração e afirmando que, apesar de terem criticado as mudanças na lei, os chefes dos três ramos militares acataram-na e respeitaram-na, o que é um “exemplo de lealdade constitucional”.

O terceiro equívoco prende-se com a ideia de “substituição”, que só pode acontecer quando alguém termina funções, o que ainda não aconteceu. “Há um momento adequado para falar de substituição, que não é este”. Marcelo Rebelo de Sousa lamentou ainda que Gouveia e Melo tenha sido envolvido na polémica. Pelo seu “mérito e classe”, defende Marcelo, dispensava ser “envolvido numa situação de atropelamento de pessoas e instituições”, disse.

O i tentou perceber junto do Ministério da Defesa Nacional se a proposta de exoneração e nomeação de Gouveia e Melo foi formalizada junto do Presidente da República e com que fundamentos, mas não teve resposta. E a procissão ainda vai no adro. O PSD entregou no Parlamento um requerimento para ouvir com urgência o ministro da Defesa.