OE2022. João Leão contestado no PS

Discípulo e sucessor de Centeno, João Leão corta na despesa pública – como o governador veio dizer que é obrigatório. E as críticas aumentam no interior do PS. ‘Insensibilidade política’, dizem os socialistas, que fazem eco das críticas de Pedro Nuno Santos ao ministro das Finanças. António Costa continua a afastar a remodelação, mas as…

OE2022. João Leão contestado no PS

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

Com a proposta de Orçamento do Estado para 2022 prestes a ser conhecida, foram aumentando de forma exponencial as críticas dos socialistas ao ministro das Finanças, João Leão, acusado no próprio partido de «insensibilidade» e «incapacidade política» para gerir as prioridades como o seu antecessor, Mário Centeno, tão bem sabia fazer.

Curiosamente, Leão é atacado no PS por cortar na despesa pública, como o seu antecessor e atual governador do Banco de Portugal veio esta semana dizer que é inevitável.

Mas Centeno já não é ministro e João Leão é quem paga as favas da incompreensão de vários setores do PS, que consideram que o ministro está a fazer «cortes cegos», como adiantaram ao Nascer do SOL várias fontes socialistas.
Sendo que o corte na despesa do Estado é inevitável, António Costa tentará estancar as críticas ao ministro das Finanças, mas mesmo no seu núcleo de apoiantes mais próximos reconhece-se que o líder e chefe do Governo tem de ter um ‘golpe de asa’ para acalmar as hostes e ganhar fôlego para o ciclo que se inicia agora e culminará nas próximas legislativas, em 2023.

Costa continua a afastar uma remodelação governamental no imediato, mas as pressões internas sobem de tom no PS e a renovação do Executivo é considerada cada vez mais urgente tanto pelos menos alinhados com o líder como, inclusivamente, por aqueles que lhe são mais próximos.

Sobretudo depois das últimas autárquicas, com a perda de Lisboa e a perceção pública de que os resultados eleitorais, traduzindo-se numa vitória ‘poucochinha’ do PS, podem ter iniciado uma tendência de inversão do ciclo político.

Ao ministro das Finanças – sempre sob pressão quando está em causa a discussão do Orçamento do Estado –, juntam-se vários membros do Governo com imagem desgastada e a prejudicar António Costa – como são os casos de Eduardo Cabrita, Graça Fonseca, Matos Fernandes, Manuel Heitor ou Tiago Brandão Rodrigues. Sendo que, nos últimos dias, também a ministra da Agricultura tem estado sob fogo cerrado da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), que inclusivamente se recusou a reunir com Maria do Céu Antunes, só aceitando falar diretamente com o primeiro-ministro.

Este é, aliás, mais um caso que é apontado por destacados socialistas, incluindo do núcleo duro de Costa, que aconselham a uma revisão da orgânica do Governo e, tal como o presidente do partido, Carlos César, defendeu meses antes das autárquicas (quando está a concluir-se a presidência portuguesa do Conselho Europeu), com a nomeação de um vice-primeiro-ministro que permitisse uma maior coordenação do Executivo com a bancada e o partido e escudasse o líder dos estilhaços das várias polémicas e que envolvem governantes e que estão a desgastar a sua imagem pública.

A sua imagem pública e não só. O debate parlamentar desta quinta-feira revelou um primeiro-ministro agastado e irritado, que chegou ao ponto de perder as estribeiras com o deputado e vice-presidente do PSD André Coelho Lima. O que não deixou de ser notado dentro e fora do partido.

Como o Nascer do SOL noticiou na altura, António Costa não foi de férias sem ter um acordo de princípios fechado com o PCP para a viabilização do Orçamento para 2022.

Mas o Governo e o PS, por intermédio do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, e da líder da bancada, Ana Catarina Mendes, têm mantido intensas negociações tanto com o PCP, como com o BE, PAN e as deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Catarina Rodrigues.
Em vésperas da proposta ser fechada, as críticas chegam de todos os lados. E já há uma garantia de chumbo por parte do Iniciativa Liberal que, para já, foi o único partido a confirmar que irá chumbar o documento. «Este Governo já tinha dado mostras de que não fazia ideia como é que fazia o país crescer, já tinha mostrado que não tinha ideia como é que ia sair desta crise, retomar com força e agora fiquei preocupado com outra coisa, é que não fazem ideia de como é que vão controlar a despesa pública. Aquela noção de déjà vu de algo que se repete relativamente à crise financeira de 2011 começa a instalar-se», afirmou João Cotrim Figueiredo.

As críticas também não foram poupadas do lado dos partidos que apoiam o Governo. Se por um lado, o PCP revelou que «os elementos de preocupação mantêm-se exatamente nos mesmos termos», como disse João Oliveira, por outro lado, o PCP somou duas vitórias nas negociações deste documento: o aumento das pensões mais baixas – subida será de 10 euros e irá abranger cerca de dois milhões de pensionistas, no entanto, as reformas acima de 658,2 euros não deverão sofrer qualquer alteração – e aumentos salariais para toda a Função Pública de 0,9%, obrigando a Governo a recuar, depois de ter garantido que não iria existir margem para subir os ordenados dos funcionários públicos. Uma medida que terá um custo de 225 milhões de euros.

Exigências que vão também ao encontro dos pedidos do Bloco de Esquerda e que tenta desmistificar o discurso de Pedro Filipe Soares que falavam em ‘bloqueio’ e contrariava a ideia de António Costa que mostrou estar confiante confiante na viabilização do documento pelos partidos de esquerda. «Felizmente o Bloco de Esquerda parece estar com uma posição diferente este ano. Assim espero que seja e que este ano não tenhamos apenas o contributo do PCP, do PAN, do PEV e das deputadas não-inscritas para a viabilização do Orçamento» afirmou António Costa, esta semana.

Uma ‘pressão’ que parece não ter efeito juntos dos bloquistas. «Teria algum cuidado com a ideia de que um orçamento se debate às décimas de défice. Isso já foi utilizado para fazer uma contração de despesa em Portugal que acabou por contrair a economia e aprofundar mais o défice do que estava esperado», avisou Catarina Martins, recordando que o mandato do antigo ministro das Finanças, Mário Centeno, passou por não executar despesa e depois alcançar um défice ainda menor do que o esperado.

O PAN que, permitiu passar o Orçamento do Estado no ano passado, aponta «sinais positivos», nomeadamente em áreas como a inclusão social e a igualdade ou a violência, mas Inês Sousa Real defende que «é fundamental que haja uma maior ambição, sob pena de voltarmos a ter um Orçamento que tem apenas o cunho do PS». E lembra que, «do ponto de vista ambiental», tem de existir no documento «mais ambição e mais coerência».
Do lado da direita, as críticas já seria de esperar. O PSD mostrou preocupação em relação às propostas apresentadas, mas não se quer comprometer com a viabilização ou não do documento. O vice-presidente da bancada social-democrata chegou a afirmar que o partido «tem sempre reservado para o momento certo a sua comunicação sobre a aprovação do Orçamento». Já o CDS foi mais perentório: «Existem divergências de opção política que são conhecidas e que não se alterarão neste debate orçamental». 

E Telmo Correia foi mais longe: «Logo à partida, registámos que, mesmo considerando as circunstâncias da pandemia, as dificuldades, os dados que nos são fornecidos em relação ao cenário macroeconómico são abaixo daquilo que eram as expectativas inclusivamente do próprio Governo numa fase inicial», apontou o líder parlamentar centrista, destacando, em segundo lugar, que há «uma divergência de fundo entre aquilo que deve ser o motor e a recuperação do país e da economia entre aquilo que é o público e o privado e que são as empresas».

O que se sabe

A par dos aumentos das pensões mais baixas e dos salários dos funcionários públicos, o Governo tem acenado com mexidas no IRS. Uma das medidas mais aguardadas pelos portugueses, uma vez que está previsto o desdobramento de escalões. No entanto, ainda não foram adiantados mais pormenores.

Outra das medidas diz respeito ao aumento da dedução específica a partir do segundo filho e dos seguintes, assim como um reforço do abono de família para as pessoas com rendimentos mais baixos. Já em relação aos jovens que entram no mercado de trabalho e que têm um desconto de 30% no primeiro ano, 20% no segundo e 10% no terceiro, o Governo prepara-se para alargar o regime para cinco anos. 

Do lado do tecido empresarial, para já sabe-se que as empresas que levem a cabo investimentos deverão contar com um aumento da dedução do IRC.

Quanto a metas orçamentais, os números já foram revelados: o Governo inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para 2022 uma previsão de crescimento de 4,6% para este ano e de 5,5% no próximo. Já o défice deverá fixar-se em 3,2% em 2022 e 4,5% este ano. Já a taxa de desemprego deverá ficar nos 6,5% em 2022 e 6,8% este ano, enquanto a dívida pública irá fixar-se nos 123% do produto interno bruto no próximo ano e o investimento público deverá subir 30% em 2022.

E os economistas?

António Bagão Félix não está à espera de grandes surpresas e diz mesmo que o documento será «mais do mesmo». E explica o porquê: «Por necessidade da sua aprovação à esquerda, haverá a supremacia do ‘retalho’ sobre uma visão global, coerente e estratégica de política orçamental».

O economista lamenta que o Governo não vá mais além, quer no plano fiscal, «onde se passam os anos e o socialismo tributário vem batendo recordes», quer no plano da despesa, «onde o Estado emprega cada vez mais pessoal – mesmo onde há menos necessidade, como no ensino básico, por haver menos crianças. É a rotunda do despesismo socialista, rigidificando cada vez mais os futuros Orçamentos. Com cerca de 750 mil funcionários públicos, a que acrescem as respetivas famílias, não andaremos longe de dois milhões de eleitores. António Costa não quererá deixar fugir o seu bunker eleitoral».

Também João César das Neves admite que a fórmula será semelhante a anos anteriores. «Vai tentar descer o défice através de subida de impostos e cortes em despesas de investimento e funcionamento, dizendo depois que foi um sucesso e que melhorou em tudo».

O economista não se mostra surpreendido com o caminho que está a ser levado a cabo por parte de António Costa ao anunciar medidas que piscam o olho aos partidos de esquerda, nomeadamente em matéria social, ao lembrar que tem sido esta a linha política habitual. «O Governo optou por alinhar à esquerda e esse apoio parlamentar sente-se mais em época de orçamento. O Governo tentará dizer que vai dar muitas coisas para conseguir os votos e depois, com cativações e afins, fazer o mínimo do que diz prometer». 

Já Eugénio Rosa acredita que todas as medidas que tenham como objetivo trazer uma maior justiça social, incluindo a justiça fiscal, são bem vindas e considera que este é um caminho para chegar a um acordo com os partidos de esquerda.

No entanto, lembra que há alguns problemas que não podem ficar esquecidos. Um deles diz respeito à dimensão das medidas anunciadas, nomeadamente as alterações dos escalões de IRS. «É preciso saber o número de portugueses que vão ser abrangidos e o valor da redução da carga fiscal», acrescentando que «se o efeito for reduzido, o anúncio destas medidas terá efeitos apenas propagandísticos e quando analisadas poderão causar uma elevada frustração».

A outra questão, de acordo com o economista, está relacionada com o timing de implementação ao lembrar que muitas vezes são anunciadas para serem realizadas no próximo ano e depois levam anos a serem concretizadas ou então são sucessivamente adiadas.

O que pedem as empresas

Quem não está muito confiante com o futuro documento é o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) ao considerar que o mesmo não terá muito espaço para medidas de apoio às empresas. Ainda assim, António Saraiva defende que algumas das propostas – como é o caso do fim do pagamento por conta ou a redução das tributações autónomas – possam avançar.

Ao Nascer do SOL, em agosto, o responsável chegou a dizer que «os Orçamentos do Estado são invariavelmente opções políticas e este não é exceção». E defendeu que «é natural que o próximo Orçamento, à semelhança dos anteriores, tenha muita preocupação na retoma de rendimentos e em questões sociais, que são obviamente necessárias». No entanto, considera que «era tempo, até pelo período pandémico e pelo efeito que teve na economia, de se olhar para a economia e para as empresas e, da mesma maneira que se vai mexer, pelos vistos, nos escalões do IRS, acautelando uma melhoria do rendimento das famílias, porque não uma sinalização no IRC?». 

Já para a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME) não há dúvidas que o próximo documento deveria incluir «as medidas de apoio à retoma para as diversas atividades económicas, com especial atenção para as que foram (e algumas continuam a ser) muito afetadas pela crise pandémica», diz ao Nascer do SOL, o presidente Jorge Pisco.

Para o responsável, as medidas devem «focar-se no apoio à recuperação das micro, pequenas e médias empresas (MPME), nomeadamente no que se refere à manutenção e criação de postos de trabalho, à criação de um fundo de tesouraria adequado às reais necessidades e condições de fragilidade de muitas delas, à reforma fiscal que alivie a carga de impostos suportada e à contenção dos chamados custos de contexto que estão a condicionar seriamente a sua atividade», nomeadamente os combustíveis, a eletricidade, gás, telecomunicações e água.

No entanto, Jorge Pisco admite ter «poucas expectativas» quanto à adoção destas medidas por parte do Governo, dizendo que aparentemente, o OE 2022, em termos fiscais, apenas contemplará incentivos fiscais ao investimento. 

A CPPME já remeteu ao Governo um conjunto de 13 propostas consideradas prioritárias para o documento do próximo ano e estão agendadas reuniões a partir do início da próxima semana com os diversos grupos parlamentares para que as propostas sejam apresentadas. Para já, Jorge Pisco diz que «existe sensibilidade quanto às necessidades, mas não quanto à premência dessas necessidades». E não tem dúvidas que o ministério de João Leão «tem sido um verdadeiro obstáculo à introdução de medidas mais amigas das MPME, mesmo quando outros ministérios as propõem e defendem». 

Já Luís Miguel Ribeiro, da Associação Empresarial de Portugal (AEP) diz ao Nascer do SOL que espera ver neste documento «uma política pública determinada em estimular a atividade empresarial, que permita ao nosso país alcançar rapidamente uma forte recuperação económica e, por essa via, manter de forma robusta e sustentada o emprego e o rendimento disponível das famílias».

Em relação a medidas, a associação propôs a redução da carga fiscal sobre as empresas e sobre as famílias. Mas também o apelo à indispensável eliminação das restrições que persistem ao bom desenvolvimento da atividade empresarial, nomeadamente: redução dos custos da energia, flexibilização da legislação laboral, regularização das dívidas do Estado a fornecedores privados, incentivo às operações que visem ganhos de escala empresarial, estímulo e apoio ao investimento para a reindustrialização do país, a (re)qualificação dos ativos e, ainda, a necessidade de acelerar o pleno funcionamento do Banco Português de Fomento, «muito relevante na vertente do financiamento e da recapitalização das empresas».

Estas propostas já foram, aliás, enviadas ao Governo. Questionado sobre se considera que o Governo está sensível em relação às necessidades das empresas, o responsável diz considerar que o Executivo «também não terá dúvidas de que só com um crescimento económico muito significativo é possível resolver alguns dos problemas estruturais do nosso país, como é o caso do elevado peso da dívida pública e, consequentemente, dos respetivos encargos».
Outra das ‘exigências’ e que não tem sido contemplada, nos últimos orçamentos, diz respeito à alteração do IRC. «Estamos na expectativa de que o Orçamento venha a consagrar um desagravamento da carga fiscal, que se situa num máximo histórico (34,8% em 2020). A redução da tributação deve ocorrer em vários níveis, não só no IRC, no IRS e nas taxas contributivas para a segurança social, mas também ao nível dos custos de energia, onde os impostos e outros encargos elevam sobremaneira o preço final», avança Luís Miguel Martins.

Quanto ao IRC, o responsável diz que «não é concebível que Portugal apresente a mais elevada taxa nominal de IRC combinada (isto é, incluindo as derramas estadual e municipal) entre os 37 países da OCDE». Também a atuação sobre os custos de contexto, como a burocracia e muitos outros, está entre as medidas propostas. «Temos que eliminar tais custos, que colocam limitações e entraves muito sérios a acréscimos de produtividade e competitividade e à atratividade do investimento». 

Quem também já enviou as suas preocupações e sugestões ao Governo foi a Associação da Hotelaria, Restaurantes e Similares de Portugal (AHRESP). São 22 propostas que a associação considera prioritárias e que vão desde a redução do IVA à formação.

Entre as medidas, o destaque ao nível da fiscalidade vai para a aplicação temporária da taxa reduzida IVA a todo o serviço de alimentação e bebidas como essencial para reforçar da tesouraria das empresas, travar o desemprego e o encerramento de milhares de negócios, potenciando a sua recapitalização, a isenção de tributação na afetação/desafetação de imóveis à atividade de Alojamento Local e a criação de um regime especial de pagamento em prestações dos principais impostos (IRS, IRC e IVA).