André Ventura: “Se fosse líder do PSD tinha maioria absoluta”

O líder do Chega quer conquistar o eleitorado do PSD e é essa equação que o pode aproximar ou afastar dos dois dígitos nas legislativas.

Por Joana Mourão Carvalho e Vítor Rainho

Quando se senta no restaurante, fala pausadamente, cumprimenta quem se lhe dirige, e ninguém diria que é a mesma pessoa que em palco, ou nos debates televisivos, ‘vira’ personagem troculenta e ofensiva. Numa conversa de quase duas horas, percebe-se que está a querer piscar o olho ao eleitorado do PSD e que, para isso, precisa de ‘amenizar’ o seus discurso. Está convencido que terá entre seis a 15 por cento e anuncia que o economista Pedro Arroja terá um papel importante na elaboração do programa do partido.

67 mil votos nas legislativas, quase 500 mil nas presidenciais e 208 mil nas autárquicas. Quantos votos acha que o Chega vai ter nas legislativas?

O nosso objetivo é claro. Queremos atingir os 15% dos votos, para isso temos que subir em relação às presidenciais. Esse é o objetivo, é para isso que vamos lutar. Acho que o mais provável agora, ao momento que estamos e antes de começar a campanha eleitoral, é alguma coisa entre as autárquicas e as presidenciais. Portanto, acho que o normal para o partido, na fase de crescimento em que estamos, será entre os 250 mil e o meio milhão de votos. 

Está a jogar tão à defesa em relação aos 250 mil porque acha que os eleitores vão privilegiar o voto útil?

Não acho que vá acontecer, mas quero estar preparado para tudo. O Chega cresceu muito e isso é notório, as presidenciais foram exemplo disso. Mas temos que ser realistas, o sistema político português é como é. Há sempre uma tendência em cenários de crise para uma certa bipolarização. Sou prudente. Temos já um eleitorado fixo na casa dos 6% – 7%, e isso acho que vamos ter sempre. Entre 6% e 15% há uma grande margem que vai desde uma campanha que corra muito bem e seja bem conseguida e que vai depender também do crescimento do PSD. Da nossa parte a estratégia vai ser clara, vai ser mostrar que o PSD é o PS dois, que tem estado ao lado do PS em todos os casos e que, portanto, Rui Rio é a versão laranja de António Costa. É um espécie de António Costa, mas versão laranja para chamar o eleitorado de Direita a ver se querem uma coisa diferente, mas só o Chega é que lhes pode dar essa coisa diferente.

Se tiver 5% acha que é um bom resultado. Isto é, não se demite?

Não, o partido teve eleições agora e não faz sentido. Evidentemente, que se me mantivesse como deputado único tinha que tirar consequências. Mas aí não me recandidataria. Não seria minha missão recandidatar-me. Isso seria um falhanço em toda a linha. Se me mantiver como deputado único, vou-me embora. Face ao crescimento do partido, isso era uma derrota pessoal. Acho que o partido passar para um grupo parlamentar vai ser muito positivo, mas agora nós não queremos só passar para um grupo parlamentar, queremos passar para um grupo que influencie a governação. E queremos passar a marca histórica dos 10%, que o Bloco de Esquerda sempre teve muita dificuldade em ultrapassar, porque isso já mostra que entramos não só  no eleitorado de protesto, no eleitorado mais das faixas ou no antigo eleitorado do CDS, por exemplo, mas entramos já no eleitorado mais moderado. Entramos no eleitorado social-democrata e isso é o que nós queremos. Nós queremos neste momento ser a terceira força política, mas a ambição é clara, é tornarmo-nos numa alternativa ao PS. Para isso, temos que ir conquistando os eleitores sociais-democratas.

Já falaram em 19 deputados. Que nomes é que estão em cima da mesa?

O que posso anunciar já, porque o resto ainda não está fechado, é que, primeiro, esta vai ser uma legislatura mais de combate e, portanto, vamos privilegiar a força e a combatividade. Vai ser uma legislatura ainda de escolhas internas e não tanto de abertura externa. Serei o cabeça de lista por Lisboa, tal como já fui em 2019. Há vários nomes que acho que são os bons quadros do partido. Temos pessoas de reconhecido trabalho. É o caso do embaixador António Tânger, com o trabalho que teve em zonas muito difíceis, como no Kosovo e em cenários que prestigiou o nome de Portugal. O Diogo Pacheco Amorim, acho que é incontornável, apesar de já me ter substituído na Assembleia da República e da idade que tem. E quero anunciar também a participação, que para mim é muito relevante, do economista Pedro Arroja como um dos principais artífices do nosso programa eleitoral. Será uma figura de proa das legislativas na campanha do Chega. Não posso dizer já se vai ser candidato a deputado ou não, porque não tenho isso fechado. 

Quem serão então essas pessoas que vão estar nas listas? Como é as escolhe? 

Tenho três critérios e é isso que me orienta. A lealdade e o trabalho partidário, aquilo que tem sido feito no crescimento do partido ao longo dos últimos dois anos e meio. A competência, sobretudo, tendo em conta as comissões onde o partido vai ter que ter presença porque muitos não sabem disto, mas o Parlamento tem depois um trabalho muito relevante ao nível de comissões e eu tenho de ter pessoas que consigam falar de Saúde, Urbanismo, Ambiente. Também estou a ter esse critério na escolha de deputados. E, finalmente, o equilíbrio distrital, é preciso não esquecer isto. Sei que muitos líderes desvalorizam as estruturas distritais, mas eu fui eleito com 90 e tal por cento, no congresso tive uma votação acima dos 85%. Isto significa que tenho que ter presentes as minhas distritais. Pode acontecer num caso ou noutro, mas quero evitar a dança de lugares pelo país todo. Ou seja, pegar aqui numa pessoa de Lisboa e pô-lo no Algarve. E depois pegar noutra pessoa de Lisboa e pô-lo em Braga. Quero dar algum relevo a alguns distritos na escolha dos candidatos. 

Nestes dois anos e meio já se debateu com gente altamente preocupante dentro do partido. Como vai peneirar as listas?

O Chega apanhou o melhor e o pior da sociedade. Na minha perspetiva, cresceu muito rapidamente, demasiado rápido para a estrutura financeira que tínhamos e teve que albergar dentro de si pessoas de todas as tendências. Desde pessoas comunistas do Alentejo, até pessoas oriundas de setores radicais do Centro e do Norte do país, até pessoas moderadas do PSD e do CDS. Como acautelamos isto tudo? Com trabalho, esforço e unidade. Como vamos fazer para afastar indesejáveis? É simples. É não lhes dar lugar de destaque, nomeadamente no Parlamento. É essa a escolha que tenho estado a fazer.

Como vai fazer a seleção? Tem o registo criminal?

Tenho um percurso feito, de análises de pessoas que me acompanharam. O registo criminal já tivemos para as autárquicas e é provável que mantenhamos. 

É provável ou vai ser uma das condições?

Não temos isso como condição. Ou seja, a pessoa não tem que ir ao sistema e colocar o registo criminal. Neste momento temos um portal dentro do partido, de onde saem os candidatos onde eles já colocam lá o registo criminal, mas não é isso que nos orienta. Não quero dar a ideia de haver aqui um controlo burocrático, do género, agora as pessoas têm que dar o registo criminal, depois têm que dar o local onde trabalharam, por onde passaram e as faltas que deram no emprego. Não é esse o regime, mas é garantir que não temos pessoas que estiveram envolvidas em crimes de corrupção ou de pedofilia ou outro crime qualquer. Não é isso que me preocupa. Há pessoas que não estiveram envolvidas nesses crimes, mas pertenceram a grupos que são indesejáveis para a democracia portuguesa. E esses não têm registo criminal. Um dos meus grandes objetivos é afastar pessoas estruturalmente antidemocráticas do núcleo do partido, porque acho que isso prejudica o partido e não é a cultura que o partido deve ter. Isto não tem nada a ver com ser antissistema, porque eu sinto-me antissistema e quero que o partido seja antissistema. Uma coisa é ser antissistema, outra coisa é defender que as pessoas devem levar pancada por não concordarem com as nossas ideias. Não posso pôr pessoas que pensam nestes termos. 

Quando se tem um autarca que andou aos tiros em Moura…

Ele não foi eleito, aliás, nem é militante do partido. Isso foi uma daquelas notícias que as televisões gostam de passar. Gostava de ver se de cada vez que alguém do PSD bate na mulher se coloca ‘Candidato do PSD bateu na mulher’. Mas do Chega foi logo. Eu estava a tomar posse em Moura, como deputado municipal, e vejo ‘Candidato do Chega dispara sobre uma família sueca’. Dava ideia até de uma coisa louca que era, imaginarmos loiros altos e o nosso candidato no meio da estrada a disparar contra eles. Aquilo era uma família de iraquianos, ou curdos, ou alguma coisa assim do género, que entraram numa discussão de trânsito com alguém que tinha sido nosso candidato que nem sequer era militante do Chega. Isto chegou para associar ao Chega. É ridículo.  Ele estava numa lista, que não chegou a tomar posse, e nem sequer era militante do Chega. 

Vai ter tantos independentes assim nas legislativas?

Não, nas listas para deputados não tenho. Nas autárquicas privilegiei esse espírito de independência. Aqui privilegio o trabalho partidário.

Quantos nomes já tem para apresentar?

Nomes tenho centenas, estou é preocupado com os cabeça de lista. É isso que me preocupa mais com a entrada no Parlamento. Vamos concorrer a todos os distritos. Inclusive nas ilhas. Os cabeça de lista é a escolha que estou a fazer nos últimos dias e que terminará na próxima semana.

Passou de quase 500 mil votos nas presidenciais para 200 mil nas autárquicas.

As pessoas distinguem isso muito bem. O PCP nas presidenciais teve quatro vezes menos que eu, teve 3% ou 4% e nas autárquicas voltou a ter 400 mil votos. Estou convencido que agora o PCP vai baixar outra vez para 5% e nós vamos voltar ao nível das presidenciais. As pessoas querem o Chega a fazer barulho no Parlamento, querem o Chega a ser oposição. Se fossem hoje as eleições, acho que tinha à volta do resultado das presidenciais, 12%. 

Acha que Rui Rio pode ganhar espaço?

Não é por ser o Rio, é por ser o PSD. Se fosse eu o líder do PSD, nós também tínhamos 40 e tal por cento. 

Então tinha maioria absoluta?

Se fosse líder do PSD tinha maioria absoluta, não tenha dúvidas. Aliás, como se viu quando o PSD teve líderes como Pedro Passos Coelho, ou até Cavaco Silva. Quando o PSD tem líderes que falam para o eleitorado do Centro-Direita e não andam ali a dizer que são meio Esquerda e meio Direita, o PSD cresce. Quando acontece o que está a acontecer com Rui Rio, que são damas de honor de António Costa e do PS, aí o PSD desaparece. Ou não desaparece, mas é muito difícil Rui Rio ganhar. Conheço muita gente que vota ao centro e que vota no PS e diz-me assim ‘Por que hei-de votar em Rui Rio, se votar no PSD hoje é o mesmo que votar no PS?’. 

Nessa sua deriva de ‘Deus, Pátria, Família e Trabalho’, a seguir vai dizer ‘Em força para Angola’? 

[Entre risos] Não, não vou dizer isso. Achei muita graça à polémica que houve, disseram que seria uma coisa salazarista. Acho que devemos olhar para os valores separadamente. Sou uma pessoa particularmente religiosa, a pátria para mim também é muito importante e a família também é muito importante. Acho que temos de parar com essa obsessão histórica de que qualquer frase que tenha sido utilizada por outra pessoa significa que estamos a fazer uma reminiscência ou estamos a tentar trazer outra vez para o espaço público essa pessoa. Não quero trazer Salazar para o espaço público. Mas temos de acabar com este revisionismo histórico absurdo. E vou dizer esta frase e ela pode ser polémica, mas vou dizê-la. Nem Salazar foi tão mau como se diz, nem Mário Soares foi tão bom como dizem. Temos que entender objetivamente a história e acabar com esta ideia de que com o Salazar foi tudo mau e que com Mário Soares foi tudo bom e que com o Cunhal foi tudo bom. Foram homens do seu tempo, tiveram coisas boas e coisas más, moldaram Portugal e tiveram o seu papel. 

Mas sabe que as pessoas associam Salazar ao Estado totalitário e ao fascismo.

Como eu associo Álvaro Cunhal ao pior que nos podia ter acontecido, à ditadura comunista, ao PREC e às nacionalizações, e ninguém deixa de citar Álvaro Cunhal.

Está ou não a piscar o olho ao ‘Salazarismo’?

Faço 39 anos daqui a um mês. Quando nasci, Salazar já tinha morrido há muitos anos. Nunca esteve na minha casa. Ao contrário do Presidente da República, nunca escrevi nenhuma carta a Salazar quando era pequeno, nem nunca tive nenhuma proximidade. O que eu olho é para a História desapaixonadamente, como alguém que já nasceu em liberdade e já consegue olhar para a História de forma livre. Acredito que ‘Deus, pátria, família e trabalho’ são bons valores para Portugal, tenha sido o Salazar, o Mário Soares, ou o Afonso Costa a dizê-lo. Acho que temos de parar com isto da História, qualquer coisa é o regresso do fascismo. Se dissermos que os imigrantes têm que ter mais controlo somos fascistas. Se a Joacine Katar Moreira quer que nós paguemos indemnizações às colónias e eu digo que não, é porque sou racista. Acho é que as colónias tinham de nos indemnizar a nós. 

Porquê?

Com os anos todos que lá estivemos e com o que lá deixámos de barragens, de escolas, de enraizamento cultural, de igrejas, tudo o que lá fizemos, nunca nos pagaram por isso. Podia dizer ‘paguem tudo o que nos lá pusemos’ e se calhar até deviam. Se calha nós é que devíamos ser indemnizados.

Não está a brincar?

Não estou, não. É mesmo aquilo que eu acho. 

É acusado de plantar notícias em jornais. Por exemplo, quando disse que foi convidado por Trump para ir à convenção dos republicanos e depois nada disso se concretizou. As pessoas acham que é aldrabão.

Não, aquilo não se concretizou por causa da pandemia, porque eles reduziram o número de pessoas que lá estiveram. De resto, quando dissemos que Marine Le Pen vinha a Portugal, ou Matteo Salvini vinha a Portugal, vieram sempre. O Trump não se concretizou por causa da pandemia, porque a convenção republicana não recebeu os convidados estrangeiros.

Escreveu no Twitter que estava nomeado para um prémio de anticorrupção ao qual qualquer pessoa pode concorrer.

Nós recebemos um e-mail da diretora a dizer que tínhamos sido nomeados, não fomos nós que nos autonomeámos. 

Mas sabe que qualquer pessoa pode concorrer? 

E depois o júri valora. Fui o deputado no Parlamento que mais propostas fez contra a corrupção e, portanto, isso faz sentido. E isso foi valorado certamente. Não fui escolhido, mas também com um júri onde está a Ana Gomes e a Catarina Furtado é o mesmo que dizerem que estou fora à partida. 

O que se diz é que todas as pessoas podem concorrer. E portanto alguém terá concorrido por si. 

Eu não concorri, nós recebemos a informação do júri de que estávamos nomeados para o prémio. 

Outra das suas gafes é a relação com o Vox, que sempre se demarcou do Chega.

Se isso fosse verdade não teria discursado para 12 mil pessoas no maior evento do Vox nacional. Só eu e a Giorgia Meloni é que discursámos. Isso é prova evidente da consideração que eles têm por nós. O Vox faz o maior evento em Espanha, convida os líderes europeus, e eu e a Meloni somos os únicos que discursam. Os outros estão lá e não discursam. Está aí uma prova da relação que nós temos com o Vox. Fui ao Vox, discursei em espanhol e não foi como o Sócrates, foi mesmo espanhol, para uma plateia de 12 mil pessoas que aplaudiu e que sentiu que agora havia um partido em Portugal que fazia o que o Vox está a fazer em Espanha.   

O falar espanhol é uma coisa que o distingue dos outros políticos?

Não, estou a dizer isto na medida em que somos acusados de não ter relação com o Vox. Quando vou discursar a um comício deles e quando o Vox vem ao encerramento das minhas autárquicas, acho que é inevitável dizer que o Vox e o Chega são hoje partidos irmãos. Não somos do mesmo grupo europeu, mas estamos a trabalhar nisso, evidentemente, e temos uma relação muito próxima. 

Com que outros líderes de Extrema-Direita é que fala?

Falo com o Salvini por exemplo. Estive agora com a Marine Le Pen em Bruxelas e falámos sobre as eleições presidenciais francesas e sobre a possibilidade de eu ir a França ajudar com as comunidades portuguesas. Mas acho graça a que o Salvini seja de Extrema-Direita, o Vox seja de Extrema-Direita, mas o Podemos não é de Extrema-Esquerda. Nunca ouvi ninguém dizer que o Bloco foi a uma reunião da Extrema-Esquerda europeia. Nunca vi isso nas notícias. Mas se o André Ventura chega a Bruxelas está reunido com a Extrema-Direita. Parece uma coisa de bandidos, parece que estou reunido com traficantes de droga e que tenho o Pablo Escobar à minha espera.

O termo extrema-direita é algo que o desagrada?

É desagradável. Sobretudo, porque não é justo que não seja tratado de forma igual nem sequer proporcional. Se nós fossemos considerados de Extrema-Direita, então o Bloco também tinha que ser considerado Extrema-Esquerda. É a Extrema-Esquerda que defende a nacionalização dos meios de produção. E nunca vi ninguém dizer que o PCP está reunido com a Extrema-Esquerda no Avante!. As FARC vieram à Festa do Avante! e andam a matar pessoas na Colômbia. Nunca me encontrei com ninguém que ande a matar pessoas. Mas se o André Ventura se encontrasse com um grupo terrorista, amanhã a PJ estava em minha casa. É com esta esquizofrenia política que temos de acabar. Agora não se pode dizer ‘Deus, pátria e família’ porque o Salazar o disse. Também acho que o trabalho eleva-nos e não vou dizer isto, porque sei que é associado ao pior da História do século XX. Mas é ou não verdade que o trabalho nos eleva? O trabalho eleva.

A propósito de não poder dizer nada, o que não faz no seu dia-a-dia? Pode ir a um supermercado?

Agora é mais difícil, posso ir mas tenho que ir acompanhado. Efetivamente, agora tenho uma vida mais difícil. A minha vida tornou-se de tal forma complexa que quase nunca como em casa. É muito raro. Tenho reuniões de manhã à noite, fora de Lisboa a maior parte. Ando pelo país todo em comícios, porque para mim os comícios não é só nas eleições, são todas as semanas. 

Não teme que a sua mulher lhe diga ‘cá em casa ou se janta, ou chamo o vizinho do lado para vir jantar comigo’?

Já várias vezes me disse que em breve as malas estarão à porta. Raramente estou em casa. 

Acha bem alguém que tem como lema ‘Deus, pátria e família’ descuide assim tanto a família?

Não descuido a família. Repare, Deus em primeiro, pátria em segundo e família. Quando não estou com a família, estou a lutar pela pátria.

A sua mulher acha piada a isso?

Não, ela preferia que fosse família, pátria e Deus. 

E se se divorciasse, continuava a defender ‘Deus, pátria e família’?

Claro. Se o meu casamento chegasse ao fim era uma coisa que me ia custar, naturalmente, mas o amor pode acontecer em qualquer altura. 
Admite a hipótese de se apaixonar por um homem? Tem alguma coisa contra as famílias modernas?

[risos]Não, isso está completamente fora de questão, mas não tenho nada contra a homossexualidade. E tenho amigos homossexuais.

Por falar em religião, disse numa entrevista: ‘Deus vomitará os mornos’, de S. Paulo. Os colegas todos que estiveram consigo no seminário, Deus já os vomitou?

Nem todos são mornos, mas muitos são. O que acho que S. Paulo quis dizer com isso foi que aqueles que são sempre moderados não prestam um bom trabalho. Às vezes temos que romper e, neste momento, em Portugal, temos que romper. Hoje, se S. Paulo viesse a Portugal e me encontrasse na rua ele diria ‘André, tu é que tens razão’. 

Dizia que era Deus?

Não, isso não. Mas ele dir-me-ia que eu tenho razão. Tal como Sá Carneiro diria a mesma coisa se me encontrasse.

Está sempre a citar Sá Carneiro porquê? 

Acho que ele tinha um espírito reformista e de luta. Acho que Sá Carneiro pagou com a vida a luta contra o socialismo. Ele muitas vezes fez afirmações que roçavam uma proximidade com a esquerda, nomeadamente com o socialismo, mas era no contexto dos anos 70, no período revolucionário em Portugal. Mas ele acaba com a Aliança Democrática, que foi precisamente o que permitiu retirar o socialismo do poder, o espírito reformista, as coisas que disse, a valorização da ética, a luta contra a corrupção. Acho que Sá Carneiro hoje seria do Chega, e digo isto sem ofensa à família. 

Nas suas listas vai ter alguém de cor ou de outra religião?

É possível. Vamos ter certamente pessoas de outra cor. De outra religião não tenho a certeza absoluta. Temos muitos afrodescendentes, na verdade, o partido nasce com o apoio dos afrodescendentes e vai continuar, porque muitos estão descontentes com o que se tem passado. Ciganos é que não vou ter. Nada contra, se fossem ciganos trabalhadores e integrados.

Alguma vez se interessou em saber histórias de sucesso de ciganos em Portugal?

Sei que há algumas, embora não concorde com o critério. Quando tens um cigano formado, diz-se assim ‘Cigano ganhou um prémio de qualquer coisa’ e se forem 10 ciganos a partir um restaurante todo, não se pode dizer que são ciganos. Por que razão é que quando é uma coisa boa se pode dizer que são ciganos e quando é uma coisa má não se pode dizer que são ciganos? A quantidade de ciganos que tem destruído restaurantes em Sesimbra ou em Reguengos e ninguém está a dizer que são ciganos. Dizem ‘10 homens de uma comunidade’. É este espírito politicamente correto que nos mata. E as pessoas reagem contra isto, porque estão fartas desta impunidade em que os ciganos vivem. Na minha opinião, a maioria dos ciganos despreza a lei.

Portugal debate-se com um grave problema de falta de mão-de-obra. Vai ter de se  recorrer à imigração. 

Nós sempre dissemos isso. Quando estive nas estufas, não nas da Inês Sousa Real, mas nas de Odemira, nunca apontei o dedo a quem lá trabalha. São pessoas que vieram para cá para trabalhar, para se integrar e pagar impostos. Não vieram para cá para viver à custa dos subsídios. Convém, por bem da nossa parte, ter as portas abertas.

Mas reconhece que vai ter de abrir as portas à imigração?

Preferia não o fazer, mas se o tivermos que fazer, não há nenhum problema, não tenho nada contra imigrantes. Portugal já foi um país de emigrantes durante muito tempo. E demos o nosso melhor na França, na Suíça, nos Estados Unidos. Não tenho nada contra a imigração. Não é nenhum choque. Não quero é ter pessoas a vir para cá para viver de subsídios, disso já temos cá muitos. Não queremos pessoas desarticuladas e a pedir subsídios ao Estado. Outro problema que acho que é grande e aí não sei como se pode resolver, é a questão dos imigrantes islâmicos. Na Europa há um problema muito grande, muito sério em algumas cidades, de presença islâmica que se torna maioritária ou muito acentuada. Aí temos que ver que tipo de sociedade é que queremos construir nomeadamente para as mulheres. Em muitos sítios, como em Bruxelas e em Londres, a xaria já se aplica. As mulheres são vistas como objetos, tratadas como submissas. Precisamos de imigrantes, mas temos de perceber se nos interessa ter uma excessiva massa de imigrantes muçulmanos na Europa. Isso é uma questão que a Europa como um todo vai ter que resolver, não é o Chega que vai resolver isso sozinho. 

Qual é a sua opinião sobre isso?

Temos que limitar a presença islâmica na Europa. 

Como se faz isso?

É difícil. Tem que se criar critérios por religião e isso é proibido, não só pela constituição como pelas normas europeias. Nós defendemos quotas e deve haver países de onde o acesso à Europa é mais restrito do que outros. Acho que não devemos tratar de igual forma um imigrante que vem de Angola e um imigrante que vem do Afeganistão. Acho que trazem problemas diferentes e sensibilidades culturais diferentes. O que não pode acontecer é o que está a acontecer agora. Hoje, vamos a Paris, a Bruxelas, ou a algumas zonas do sul do nosso país, em que andamos na rua e só vemos presença islâmica. Não sei se isso é muito positivo. Quando dizemos que não confiamos no PSD para fazer estas reformas, é porque são reformas que exigem coragem política e sentido de rutura que o PSD não tem. O erro que cometi nos Açores não vou voltar a cometer.

Acha que perdeu muitos votos com a questão dos Açores?

Isso é a tanga dos comentadores de televisão. Vamos à história desde o início, dois anos, vai para o segundo Orçamento dos Açores, há um acordo em que o PSD convence o Chega que vai fazer mudanças para tirar o PS do Governo. Nós pedimos quatro coisas, pedimos um gabinete contra a corrupção, pedimos redução da subsidiodependência em metade em quatro anos, pedimos mais apoio às famílias e à natalidade e uma diminuição dos familiares no Governo e do tamanho da Administração Pública. Ao contrário do BE e do PCP pedimos coisas que diminuem a despesa. Foi-nos dito que estava acordado. No primeiro ano, nada, no primeiro Orçamento, nada. Chegamos ao segundo Orçamento, nada. Então, o irresponsável é aquele que exige que o acordo se cumpra ou que está lá só para levantar e baixar a mão?

Mas houve nuances, em que disse ‘Ou fazem ou ele demite-se’ e ele disse ‘Não, não. Quem manda aqui sou eu’.

Mas ao mesmo tempo, cedeu às nossas condições. E quem manda ali é o presidente do Governo. Agora nós temos é o poder de tirar o apoio que quisermos no próximo Orçamento. Passou aquele, mas não passa o próximo.

Não passa como? Se votar a favor do Orçamento…

Não passa.

Se deixou a sede, pode continuar a votar como quiser.

Está a falar do deputado não-inscrito. Mas mesmo assim, eles precisam de um voto a favor do nosso deputado. Não pode haver abstenção, nem voto contra. O deputado não-inscrito não me preocupa. O outro é nosso.

Mas se ele sair passa a deputado não-inscrito.

Ele não vai sair. Subiu agora a vice-presidente. 

Isso é o que se diz da sua magia na mentira.

Não é magia nenhuma. É um sinal de que estamos juntos, ao contrário do que as pessoas diziam. Repare que o gabinete contra a corrupção é uma coisa que se faz em mês e meio. Era fazer a estrutura e nomear pessoas para começar a trabalhar. Sabe quando é que começou a trabalhar? No dia a seguir a eu dar um murro na mesa na Assembleia da República em Lisboa. Nesse dia, começou a trabalhar e teve a sua primeira iniciativa. Isto é o que os portugueses têm que saber. O PSD não queria lutar contra a corrupção. O Chega obrigou-o a lutar e a criar um gabinete. Ontem [quarta-feira] o gabinete começou a trabalhar. Nós exigimos e o PSD aceitou. E mesmo assim, se me perguntar se confio neste acordo, não confio. Acho que isto não vai passar do próximo ano, mas dei o benefício da dúvida.

Vai ser responsável por todos os candidatos?

Vou, vou ser eu que os vou escolher. Não vai haver desalinhamento.

Não tem receio de uma repetição dos Açores.

Não tenho receio porque não vai haver. Para agora haver acordo tem que haver Governo nosso, ao contrário dos Açores em que não fomos para o Governo. Nós confiamos no PSD e essa confiança já morreu. Agora só há Governo à Direita com presença do Chega.

Tinha dito que recebia várias ameaças de morte. Continua a receber?

Continuo. Em alturas de campanha, com mais presença mediática, recebo mais. Mas estou a começar a conseguir lidar, a entender que é normal e que tenho de aceitar porque foi uma escolha minha. Nem sempre é fácil. Tolero mais as ameaças a mim do que a familiares. 

Vamos imaginar que o PSD precisa dos seus hipotéticos 7, 8 por cento. Nestes quatro Ministérios que  pediu – Segurança Social, Agricultura, Justiça e MAI, qual é que era o que gostaria? 

Para mim, pessoalmente, não sei, não pensei mesmo nisso. 

Então não quer ser ministro?

Não é obrigatório. Quero é que o Chega tenha presença nisso. Talvez o de Justiça fosse o que mais está ligado à minha formação e à minha pessoa, acho que é também onde tenho as ideias mais claras. 

Continua a defender a prisão perpétua? 

Sim. A maior parte dos países da Europa tem prisão perpétua. 

Mas ninguém tem prisão perpétua efetiva… 

Mas o que eu defendo é uma revisão de 25 em 25 anos. Estudei na mesma faculdade de Direito que estes que me criticam, e não foram melhores alunos do que eu. O que eu defendo é um modelo equilibrado. Se eu me levantar aqui e o esfaquear, e morrer, a partir desse momento, honestamente, é indiferente ir embora ou ainda matar todos os que estão aqui. É a mesma coisa, é a mesma pena. Posso esquartejá-lo, escrever coisas macabras, pendurá-los de cima para baixo, e a pena é a mesma. Acha isso normal? Tem de haver aqui uma gradação. Se eu o matar a si são 10 anos, se for a si e a mais alguém são 20, e se matar toda a gente é pena perpétua, porque eu acabei com 10 vidas porque me passei da cabeça. O que eu defendo é uma prisão perpétua como acontece em Espanha, na Alemanha ou em Inglaterra. E depois, de 25 em 25 anos uma revisão que permita dizer assim ‘Bom, esta pessoa efetivamente mudou, arrependeu-se verdadeiramente, é uma pessoa diferente e está em condições de voltar à sociedade’. 

O que pensa dos Hell’s Angels, e dos skinheads?

Acho que não contribuem para nada, isso não ajuda nada o país.

E também devem ter prisão perpétua? Por exemplo, no caso do homicídio do Alcino Monteiro?

Para mim, é igualzinho. Uma vez perguntaram-me o que achava dos padres que abusavam de crianças. É a mesma coisa: castração química. Uma vez perguntaram-me se o meu irmão matasse alguém e violasse, o que é que eu achava. É a mesma coisa: prisão perpétua. Não faço distinções entre as pessoas. Se mataram alguém, se violaram, se destruíram famílias, têm que ter a mesma justiça que os outros todos. Eu quero uma justiça igual para todos, pretos, brancos, ciganos, amarelos, mulheres, homens, tudo. Eu acho que têm de ser todos iguais.

Neste momento decidimos chamar um dos homens de confiança de André Ventura que estava noutra mesa com o guarda-costas.

Sendo negro, o que pensam os seus amigos de trabalhar com André Ventura?

Luc: Depende, tenho amigos que são a favor, e tenho outros que dizem que sinceramente não concordam. Mas os que não concordam têm a particularidade de vir com a lengalenga que se ouve fora sem procurar saber de facto. O que se ouve na televisão, ou nos cafés… quem procura saber a fundo as questões, normalmente acaba por concordar.

Não é posto de lado, não é ostracizado?

AV: Ou seja, para além de ter um negro a trabalhar comigo, é imigrante. Repare como sou um tipo aberto à sociedade

Há quantos anos se nacionalizou?

Luc: Nacionalidade, efetivamente desde 2014, mas estou em Portugal desde 94.

Mas o que dizem os seus amigos? Que anda com um racista, com um sacana? 

Luc: Lá está, é aquilo que muitas vezes se ouve cá fora e não se procura saber. Vou dar um exemplo. Há dois dias tive um evento familiar, um aniversário, e na minha família também há pessoas de várias origens… e há uma pessoa cabo-verdiana que me disse assim ‘Eh pá, aquilo que ele diz de facto é verdade’, porque uma pessoa trabalha, já começa a sentir na pele. Ela é uma jovem trabalhadora, começou há pouco tempo numa junat de freguesia. Começa a sentir na pele as pressões de impostos, aquilo que leva para casa, e diz ‘O André tem razão, mas a forma de falar…’. Ou seja, já não é racismo, aquela lengalenga, já começa a ser outra coisa.

Já o conhece há quantos anos?

AV: Há 21 anos, ele esteve no seminário comigo, em Penafirme. Foi onde eu era seminarista e onde o meu pai estudou.

Luc: Mas, de facto, amigos, o tempo filtra. Amigos, amigos, são poucos, e os que são mesmo meus amigos… tenho amigos que não concordam com o Chega, mas que continuam meus amigos como se o Chega não existisse, e também tenho tido pessoas que se afastaram.

Há pessoas que se afastaram?

Luc: Sim, sim tive pessoas que se afastaram, mas é indiferente.

AV: O Luc é meu secretário pessoal e motorista.

O que acha das operações judiciais em curso sobre os clubes de futebol, nomeadamente a Operação Cartão Vermelho?

Sim, fui apoiante de Vieira, como António Costa, aliás… Acho que tem de ser investigado o futebol. Quer o Cartão Vermelho, quer o Cartão Azul, mostram que o Ministério Público… Há muitos anos que se falava da impunidade no futebol. É sabido que conheço o Luís Filipe Vieira e que sou amigo dele, e eu não nego os meus amigos por estarem envolvidos nestas coisas. Se for culpado, tem de pagar como todos os outros, é mesmo assim. Acho que há muitos anos que se fala de negociatas no futebol e isto tem que acabar. Eu estive no futebol muitos anos, quer como comentador, quer na BTV, e posso dizer isto, tenho esta sorte, que poucos têm, eu nunca recebi um tostão do Benfica. Nunca. Nem nunca quero receber, porque eu gosto do Benfica genuinamente, por amor, mesmo. Fui comentador da BTV sem receber um tostão, escrevi no jornal do Benfica, sem receber um tostão, e nunca o Benfica me pagou. Até porque queria-me sentir independente para fazer comentários na televisão sobre isso.

Se Luís Filipe Vieira for culpado…

Tem de pagar, como todos os outros. É igual, porque o Benfica é muito mais do que Luís Filipe Vieira, muito mais do que Rui Costa e André Ventura e Rui Gomes da Silva. O Benfica é o Benfica. Até mais do que o Eusébio, por quem eu tenho uma reverência enorme. O Benfica é o Benfica. Quando morrer gostava de ter uma bandeira de Portugal na lápide e um cachecol do Benfica.

Porque é que nesta conversa parece uma pessoa civilizada, e quando chega a um palco, vira troglodita?

Não, não, quando chego ao Parlamento, isso sim.

Ainda agora no Congresso, com aquele discurso radical?

Às vezes, quando estou a discursar, quando estou a falar para o António Costa, e ele não vai negar isto, irrita-me aquele ar ‘pachongas’ dele. Estou aos gritos, e ele está assim [e bate com a mão no coração]… e quando começo a falar muito alto diz-me ‘Calma, calma, se não o coração não aguenta’. E irrita-me de uma forma imperdível. Eu sou mesmo assim. Num palco, o Sócrates dizia que era um animal feroz.. mas eu sou um animal de palco. Quando estou a discursar, sinto-me completamente como se fosse outra pessoa, como se ganhasse a voz de todas as pessoas. Sinto-me diferente.

Mas percebe que está a entrar numa fronteira altamente perigosa?

Não faz mal, mas sinto que é preciso. Os nossos cartazes vão ser ‘Dia 30, o sistema precisa de um abanão’, e eu acho que precisa. 

E essa postura é válida se um dia chegar a ser primeiro-ministro?

Igual. Eu espero manter o mesmo registo.

E manda matar todos os infiéis?

Não, não. Para mim, a vida é sagrada, toda ela. É mesmo. O Bloco Central não vai existir, o Bloco já existe. Fiz as contas, e o PS votou com o PSD cerca de 61% das vezes no parlamento. Ou seja, o bloco central já existe, não vai existir. 61%, segundo as minhas contas.

Personagens que estão indecisas entre o voto útil…

A questão é que, hoje em dia, votar no Rui Rio é dar a mão ao PS. A verdade é essa. Rui Rio deu a mão ao PS em todo os momentos e deu garantia de estar sempre ao lado de António Costa, e isso é mau. Perguntaram-lhe ‘Imagine que é o provável que aconteça: só tem duas hipóteses de fazer Governo, ou com o PS ou com o Chega. O que quer?’. E ele diz que prefere governar com o PS do que com o Chega. Assim não dá.

Acha que ganhou votos por Rangel ter perdido?

Acho que o Rangel poderia ter tido o efeito novidade. Acho que Rui Rio é mais fácil, só no sentido em que tem histórico já de ligação ao Partido Socialista. Ninguém, em bom rigor, acha que o Rui Rio vai ser alternativa. Vai ser a continuação do socialismo.