De Setúbal, a Moscovo e a Kiev…

O PCP comporta-se como uma ‘igreja’ que organiza excursões ‘religiosas’, envolvendo fiéis e a quem se lhes junte para serem ‘catequizados’…

Arrepia saber que o Município de Setúbal, presidido por um comunista, foi capaz de confiar o acolhimento de refugiados ucranianos a cidadãos russos, com conhecidas ligações ao Kremlin, incluindo uma funcionária camarária, com dupla nacionalidade.

O episódio ganhou dimensão, depois de a embaixadora da Ucrânia, ter alertado para associações pró-russas infiltradas em Portugal que «podem receber dados sobre familiares que combatem no exército ucraniano» – algumas financiadas pelo Estado –, surgidas a pretexto de divulgar a cultura, língua e o mundo russos, que não passam de «agências de propaganda».

Arrepia, ainda, saber que tudo isto aconteceu escassos meses após o escândalo que abalou o município de Lisboa, cujos serviços facultavam à embaixada da Rússia, dados pessoais de ativistas promotores de manifestações anti-Putin, comprometendo a sua segurança e a de familiares.

O então autarca, Fernando Medina, não foi além de explicações toscas sobre o sucedido, ‘meteu os pés pelas mãos’, prometeu um inquérito que ficou a marinar, despediu um subalterno como ‘bode expiatório’, perdeu as eleições e acabou ‘recompensado’ com o ministério das Finanças, como se nada tivesse acontecido.

Arrepia saber que um ex-espião português, ‘residente’ em São Bento (pertence aos quadros da Presidência do Conselho de Ministros) jurista e comentador na televisão, com posições favoráveis às teses de Moscovo, é o autor de um relatório a explicar como invadir o Donbass ao abrigo do direito internacional.

Este ‘cientista de direito’, tem uma tese de doutoramento na qual se pronuncia pela legalidade da anexação da Crimeia, e vê a Rússia como «dispondo de um sistema político democrático e livre, à semelhança dos sistemas ocidentais». Surreal.

É uma avançada miopia ou uma bizarria que nem ocorria a Jerónimo de Sousa…

Estão a ficar mais frequentes, as polémicas improváveis no espaço público, o que é uma das grandes virtudes da liberdade em democracia, e uma demonstração escusada das vulnerabilidades a que essa mesma democracia está sujeita, e de como se movimentam, perfeitamente à-vontade, os seus adversários, aproveitando-se de cumplicidades ou de ingenuidades.

Arrastado para a controvérsia indesejada pelo episódio do município setubalense, o Governo viu-se forçado a reagir e António Costa disse o óbvio, ou seja, que «qualquer violação dos direitos fundamentais, de cidadãos nacionais ou estrangeiros, é da maior gravidade» e que «a guerra também se trava através deste jogo de informações».

E, embaraçado, mais não disse, apesar das ‘queixas’ de Marcelo… No meio deste ‘fogo cruzado’, nem se terá notado um título do Público, segundo o qual a «guerra na Ucrânia obriga PCP a rever plano de excursões políticas à Rússia». 

E de que plano se tratava? A quem causar estranheza tal noticia – por desconhecer a vocação ‘complementar’ do PCP para agência de viagens –, recomenda-se uma visita ao site do Avante!, onde é possível encontrar várias propostas, sinalizadas como de ‘turismo político’, a preços módicos, desde vários destinos na Rússia e Bielorrússia, até Cuba. Nem disfarçam.

O PCP comporta-se como uma ‘igreja’ que organiza excursões ‘religiosas’, envolvendo fiéis e a quem se lhes junte para serem ‘catequizados’.

Esta modalidade ‘turística’, será uma ‘imagem de marca’ do partido que, pelos vistos, continua empenhado em divulgar os ‘paraísos’ que restam na terra, cujas ditaduras são ‘purificadas’.

A teia de cumplicidades favoráveis à antiga ‘geringonça’ explica, aliás, a petição lançada por ‘31 personalidades’ antes da legislativas, apelando a uma nova coligação de esquerda, já que consideravam «remota» a hipótese de o PS alcançar uma maioria absoluta. O eleitorado trocou-lhes as voltas e Costa obteve a ambicionada maioria que o PCP e o Bloco temiam.

Não consta, entretanto, que as mesmas ‘personalidades’ – ou outras aparentadas – se tenham manifestado, perante as trapalhadas que surgiram com os refugiados ucranianos, ou a guerra às portas da Europa e as ameaças nucleares de Putin.

Ao menos não foi em vão que António Guterres, embora tardiamente, se deslocou Kiev, avistando-se com Zelensky, e tendo como ‘pano de fundo’ a explosão de mísseis russos, disparados durante a conferência de imprensa do Secretário-geral da ONU, uma proeza inédita. 

Fez história, por isso, a decisão unânime do Conselho de Segurança ao assumir o «apoio firme» a Guterres, lembrando «que todos os Estados membros assumiram, sob a Carta das Nações Unidas, a obrigação de resolver as suas disputas internacionais por meios pacíficos». 

A Rússia de Putin faz outra leitura da Carta. Por isso, a aprovação da declaração do Conselho de Segurança, redigida com pinças, de apoio a uma «solução pacífica» para a Ucrânia, mesmo envolvendo e parecendo uma hipocrisia do invasor, foi um tímido passo.