Governo adota cultura da ‘cadeira quente’ e ‘secretária limpa’ em novo ‘campus’ | Vídeo

Tem sido um segredo bem guardado, mas um vídeo promocional das novas instalações do Governo no antigo edifício da CGD já está online. E promete-se uma nova dinâmica: não vai haver mesas fixas para todos os trabalhadores. Secretárias não devem ter papel nem bens pessoais. E regressam os cacifos. 

Nem quem trabalha na Presidência do Conselho de Ministros conhecia o vídeo, publicado em junho no YouTube, numa promoção do que vão ser as novas instalações do Governo no antigo edifício da Caixa Geral de Depósitos em Lisboa. Na peça promocional de 4 minutos, a que o Nascer do SOL teve acesso, apresenta-se o ‘Campus APP’. Assim foi batizado o novo quartel-general do Executivo do país, que anunciou nos últimos meses que, numa primeira etapa e até ao final do ano, iriam ser transferidos para o novo edifício precisamente os Ministérios da Presidência, Economia, Infra-estruturas, Ambiente, Coesão e Agricultura, podendo também vir a ter lugar ali reuniões inter-ministeriais.

No vídeo, antecipa-se uma espécie de revolução nas práticas de trabalho do Governo. «No campus APP (Administração Pública Portuguesa), modernizou-se e reorganizou-se o espaço de trabalho, tornando-o dinâmico, organizado e mais ecológico».

‘Mudança cultural’

Mais do que um espaço novo, fala-se mesmo de uma mudança cultural. «Para ver nascer uma nova administração pública portuguesa, que potencia a criatividade e espírito colaborativo, contamos com todos nesta mudança cultural», prossegue a voz off, enquanto as imagens mostram um espaço simplista, com secretárias mais convencionais e outros pontos de reunião mais coloridos e informais, até com bolas de pilates, ou até uma sala com paredes onde se pode escrever. Com alguns anglicanismos pelo meio: «O campus APP alia conceitos mais tradicioais com gabinetes, locais de trabalho fixos, salas de reuniões e o auditório a conceitos mais modernos como o hot desking e o clean desk». Na prática, significa que a maioria das estações de trabalho serão flexíveis, com mesas de trabalho partilhadas, anuncia-se, pretendo-se «ambientes de trabalho mais leves e produtivos».

O vídeo prossegue com uma imagem mais austera: «Todas as secretárias deverão estar livres de papel e objetos pessoais. Para tal, cada trabalhador terá o seu cacifo, de modo a guardar os seus objetos. Procura-se assim otimizar a infraestrutura e evitar o desperdício de espaço».

Bom dia QRcode

O ambiente descrito não podia ser mais ‘futurista’: cada secretária terá um QR Code, diz o anónimo portador das novidades. Acedendo ao endereço online, os trabalhadores terão acesso a informações importantes para quem trabalha no campus, nomeadamente para reservar uma estação de trabalho.

Haverá três tipos de salas de reuniões: as convencionais, com televisão para videoconferência; as criativas com paredes de escrita e magnéticas «que estimulam a criatividade» e as informais. O auditório tem capacidade para 48 pessoas sentadas, informa-se ainda, com todo o equipamento necessário e acesso à copa, onde pode ser feito um coffee-break. A copa destina-se a pequenas refeições, pois para as refeições convencionais haverá um refeitório. Nas zonas mais informais podem ainda ver-se luz ambiente que muda de cor. Impressoras e outro tipo de equipamento com consumíveis serão partilhadas, pretendo-se um local de trabalho mais sustentável.

O Nascer do SOL procurou perceber junto do gabinete de ministra da Presidência quando é que este vídeo, que ontem não era ainda conhecido de todos os funcionários, será apresentado e a quem se destina e qual o custo da produção, bem como qual é o investimento total nesta reconfiguração do espaço e o que inspirou a organização.

Questionou também quando terá lugar a mudança dos primeiros trabalhadores e qual a poupança estimada. Por fim, se haverá lugar à extinção de postos de trabalho, não tendo obtido respostas até à hora de fecho desta edição.

Investimento já supera meio milhão

Na plataforma de transparência na contratação pública BASE encontram-se no entanto já registados alguns contratos relacionados com esta nova casa do Governo, embora sem o respectivo contrato como é de lei.

O mais recente foi a compra de uma bateria de cacifos, por 6.120 euros (mais IVA), no início deste mês. O Desenvolvimento de Protótipo da Plataforma Campus APP Compass, presume-se o que estará para lá dos QR nas secretárias, foi adjudicado no final de junho, por 19.500 euros, a uma empresa do ramo. Há ainda contratos de equipamento de networking,  uma grande compra de material informático e aquisições de mobiliário ou por exemplo vinis, não ficando claro que todos se destinem ao novo campus, já que isso não está especificado e os contratos não constam das fichas. Desde março, a despesa da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros com estas compras totaliza 578 mil euros, a que acresce o IVA.

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