Muitas perguntas, poucas respostas

A Oposição fez 17 perguntas, mas o primeiro-ministro ignorou e manteve discurso com poucas ou quase nenhumas novidades. Exceção feita às creches gratuitas e ao ‘Novo Simplex’.

País a arder, inflação a subir, médicos a faltar, precariedade laboral, estes eram os temas que tinham tudo para aquecer o debate do Estado da Nação, que, ainda por cima, contava com a presença de um novo líder da bancada parlamentar do PSD. Mas pouco ou nada foi além de morno, porque António Costa tinha a lição estudada e ‘tirou da cartola’ os anúncios que queria fazer, sem responder às questões que lhe foram sendo colocadas pelas bancadas das minorias.

O primeiro-ministro acenou com o apoio a famílias e empresas, reconhecendo que afinal a taxa de inflação irá prolongar-se mais do que estava previsto. E, mesmo sem antecipar as medidas em causa, justificou a situação com o prolongamento da guerra na Ucrânia: «É hoje claro que, com o prolongar da guerra, o efeito da inflação será mais duradouro do que o que se antecipava. É, por isso, que em setembro iremos aprovar um novo pacote de medidas».

Ainda assim, foi ao longo do debate revelando que o Governo tem respondido por «três vias» à escalada da inflação, nomeadamente «contendo o aumento dos preços da energia na medida do possível, apoiando a produção das empresas mais expostas» no consumo de energia, bem como ao apoiar as famílias. Medidas essas que, de acordo com António Costa, permitiram «uma redução de 3,7% do preço da eletricidade para as famílias no mercado regulado», o que representa «uma redução de 18 pontos percentuais da carga fiscal sobre os combustíveis, permitindo uma poupança de 16 euros num depósito de 50 litros de gasolina ou 14 euros num depósito de gasóleo».

Continuando nas famílias, o primeiro-ministro acenou com creches gratuitas no primeiro ano a partir de setembro, em resultado de um acordo feito pela União das Misericórdias e a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, que vai ao encontro de uma das principais medidas do Orçamento do Estado. Uma medida que, de acordo com António Costa, terá de ser complementada pelos incentivos fiscais para os jovens e para as famílias, assim, como o aumento das pensões que já estão a ser pagas «com retroativos a janeiro». 

Para as empresas, o Governo respondeu com um ‘Novo Simplex’, que acabou de ser aprovado em Conselho de Ministros, na quinta-feira, com vista a simplificar os licenciamentos em matéria ambiental e que passa pela «eliminação de licenças, autorizações, atos e procedimentos redundantes», o que ajudará a simplificar as atividades das empresas e contribuirá para «incentivar o investimento pela redução dos encargos administrativos e dos custos de contexto». No entanto, o prazo de implementação está previsto apenas para o segundo trimestre de 2023. 

O que ficou por responder

Da esquerda à direita, nenhuma bancada da Oposição poupou nas críticas. 

Ao todo foram 17 as questões colocadas pelos deputados de todos os grupos parlamentares que ficaram sem resposta.

Do lado do primeiro-ministro houve apenas uma resposta: «A grande diferença entre um Governo e as oposições é que as oposições perante os problemas falam em caos e um Governo quando vê problemas encontra desafios para procurar soluções».

Uma atitude que já seria previsível menos de 24h antes pelo discurso de Eurico Brilhante Dias, ao ter defendido que o país vive um «estado de esperança», com crescimento económico e uma baixa taxa de desemprego, acenando com vontade de diálogo nesta legislatura. No entender de Eurico Brilhante Dias, essa é «uma marca genética desta maioria absoluta».

Um argumento que não convence os partidos da Oposição, que falam em desgaste do Governo quando ainda só passaram 100 dias desde que o Executivo tomou posse. 

Mas isso não parece desanimar o PS. «Há um partido que está sempre ao lado dos portugueses e há um Governo que tem estado preparado para todas as incidências», garantiu o líder parlamentar socialista.

Também houve silêncio total quanto à última sondagem da Universidade Católica: se houvesse agora eleições, PS e PSD ficariam separados por apenas oito pontos percentuais. Desde as legislativas de 30 de janeiro, o PS caiu para 38% nas intenções de voto dos portugueses, abaixo dos 41,37% que deram a António Costa a sua primeira maioria absoluta. De acordo com a sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP), os sociais-democratas são a força política que mais sobe, atingindo os 30%.

Mais frágeis

Com o estreante Joaquim Miranda Sarmento, novo líder parlamentar do PSD; a acusar o Governo de não ter sido «capaz de promover as reformas estruturais para resolver os problemas graves que o país tem», nem de «resolver aquilo que são problemas mais conjunturais, mas que afetam o dia a dia dos portugueses de forma muito significativa».

Longe dos tempos da ‘geringonça’, em que apoiavam o Governom os partidos da esquerda também não deixaram de lançar as suas farpas ao Executivo de maioria absoluta socialista. 

Para o PCP, a atual situação nacional é «marcada pelo agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo», acusando o Governo de não resolver os problemas e favorecer os «interesses dos grupos económicos». A líder parlamentar comunista, Paula Santos, não hesitou: «A situação nacional no nosso país está marcada pelo agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo, pela perda de poder de compra. A taxa de inflação continua a aumentar de forma galopante, (…) os preços de bens essenciais continuam a subir, os salários e as pensões dão para cada vez menos».

Também Pedro Filipe Soares (BE) disse que «há problemas estruturais que estão hoje a afetar a vida das pessoas que deveriam ter sido acautelados, prevenidos e, de certa forma, até dirimidos, e o Governo tem-se escudado sempre quando chega o momento de tomar decisões».

Dossiês em aberto

O tema do novo aeroporto continuou a ser tabu e nem o encontro de ontem de António Costa com Luís Montenegro levantou o véu em relação ao futuro da localização (ver páginas 58/59). E a questão do aeroporto transporta ainda para os problemas relacionados com os constrangimentos do aeroporto da Portela. Voos cancelados e malas perdidas têm sido o prato do dia neste verão para quem viaja. 

Outra dor de cabeça é a inflação e as suas consequências para a carteira dos portugueses. Situação essa que levou o PSD a acusar o Estado de «ganhar dinheiro com o aumento da inflação» e de estar a «arrecadar mais receita fiscal do que aquela que tinha estimado» como consequência direta dessa realidade. De acordo com os últimos dados do INE, a taxa de inflação fixou-se em 8,7% em junho, ou seja, é preciso recuar a dezembro de 1992 para encontrar um valor tão elevado. 

Para já, o único suspiro de alívio pode ser dado em torno do crescimento da economia portuguesa. Ainda na semana passada, a Comissão Europeia reviu em alta as previsões para o crescimento do produto interno bruto (PIB) de Portugal em 2022, de 5,8% para 6,5%. Feitas as contas, Portugal acaba por ser o país da UE que mais cresce este ano, mantendo o lugar que já tinha nas projeções anteriores, sendo o único com uma projeção superior a 6%. Já para 2023, Portugal acaba por cair na tabela, registando o 15.º maior crescimento. E, tal como tem acontecido em anos anteriores, o turismo será um dos grandes motores para o crescimento este ano.

Mas neste campo e para surpresa de muitos a última palavra coube ao ministro da Cultura. «Não disfarçamos as dificuldades, mas também não as tememos. Já foi assim quando ninguém acreditava que fosse possível ter as contas certas, gerir os riscos do sistema financeiro e pôr o emprego a crescer. Já foi assim na pandemia, com determinação e serenidade. E foi assim também nestes últimos dias, face a uma vaga de incêndios de contornos preocupantes», afirmou Pedro Adão e Silva. 

O ministro acenou com um Governo «com energia reformista – mas a medida de uma boa reforma não é o descontentamento social».

Frases 

É hoje claro que, com o prolongar da guerra, o efeito da inflação será mais duradouro do que o inicialmente previsto. Por isso, no final deste trimestre, em setembro, iremos adotar um novo pacote de medidas para apoiar o rendimento das famílias e a atividade das empresas. António Costa, Primeiro-ministro

Se o PS fosse tão bom a governar o país nestas três décadas como é na tática e na propaganda, o país hoje era o mais rico do mundo. Joaquim Miranda Sarmento, Presidente do Grupo Parlamentar do PSD

Vamos de medida socialista em medida socialista até entrarmos em bancarrota. André Ventura, Líder do Chega

O estado da nação, em Portugal, com o grau de estatismo que temos tido, confunde-se com o estado do Estado (…) e, quando se olha para o estado do Estado, eu acho que tem de se confessar que ele é preocupante. João Cotrim Figueiredo, Líder da Iniciativa Liberal

Vemos, portanto, um Governo que, sobre os problemas estruturais do país não toma medidas, deixa que esses problemas se avolumem, se agigantem, na expectativa que a realidade os resolva por obra e graça do funcionamento normal da vida. Pedro Filipe Soares, Presidente do Grupo Parlamentar do BE