Fernando Ruas: “O PSD tem sido sempre chamado para apanhar os cacos”

Fernando Ruas está de regresso à Câmara de uma das maiores cidades do interior do país e pede as mesmas condições que as áreas metropolitanas. Fala da descentralização, de mudança e do seu partido, o PSD.

Fernando Ruas: “O PSD tem sido sempre chamado para apanhar os cacos”

por Daniela Soares Ferreira e José Miguel Pires

Acaba de reunir-se com a ministra da Saúde. Correu bem?

Tínhamos uma série de assuntos pendentes e foram, pelo menos, todos percebidos pela senhora ministra. Estavam lá os representantes das instituições que têm a responsabilidade deste acompanhamento e acho que colocámos os assuntos nos carris.

Falou-se da descentralização?

Falou também. Naturalmente não foi este o principal assunto que lhe trouxe, mas falámos e a senhora ministra, naturalmente, apontou para o recente acordo com a associação de municípios, coisa que eu conheço, e dei-lhe nota de uma reunião que vai haver em Viseu – a reunião nacional vai ser em Viseu – com os autarcas todos. Vamos ver o que sai dali em termos de conclusões para depois decidirmos sobre o caminho e sobre a nossa posição em relação à centralização na área da Saúde. A Câmara de Viseu foi contra, não aceitou a transferência de competências.

Como vê todo este processo? Também esteve à frente da ANMP…

Acho que é necessário esta descentralização de competências. Se não, não havia nenhuma razão para defendermos constantemente o princípio da subsidiariedade. Acho que é mesmo aquilo que se apura como o aspeto mais importante e mais lucrativo da descentralização. É, de facto, por estar mais próximo, beneficiar dessa proximidade. O processo será mais barato, os cidadãos estarão mais em contacto com quem os dirige. Acho uma vantagem. E acho até que, a tudo aquilo que possa ser descentralizado, as autarquias devem estar em condições de dizer que sim. Agora, não o podem aceitar a qualquer preço. Isto é, não podem aceitar sobretudo a parte negativa da descentralização que é importar aquilo que são complicações que já estão, inclusivamente, inventariadas. Nós sabemos quais são os problemas. É altura oportuna para fazer a descentralização, sempre foi. Mas é a altura oportuna para fazer uma descentralização correta. Dou um exemplo na área da Saúde: foi-nos apontada uma série de equipamentos para receber; e nós dizemos que sim; agora, não se pode chegar àquele edifício alto da Segurança Social, que tem também equipamentos da Saúde que nos são propostos para recebermos e fazer isto: chega-se a um elevador, carrega-se no botão e o elevador responde. E aquilo que se põe no relatório é que está em condições. É preciso outra coisa mais importante. Aquilo tem uma vida útil. E sabendo nós que aquilo é de 1960 e tal, temos que acautelar. Imaginemos que aqueles elevadores todos, que são enormes, avariam. Isto é tudo algo que ia onerar a autarquia. Temos que fazer todas essas continhas.

Ir um pouco mais além…

Exato. Não receber as coisas como estão. Digo que a descentralização será sempre benéfica para as populações. Quem recebe a descentralização, porque está mais próximo, fará melhor. Mas fará melhor com os mesmos meios, não faz melhor com menos meios.

Preside também à Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões, o que tem sido feito?

As comunidades intermunicipais têm sido uma realidade que se vai afirmando progressivamente. Penso que uma boa parte das pessoas não recebeu com muito entusiasmo as comunidades mas elas podem fazer um trabalho ótimo. E nós, em Viseu, estamos apostados nisso. Somos 14 municípios e temos feito esse trabalho de termos apresentado projetos, especialmente a cobrir os territórios todos. E temo-nos dado bem com isso. Ainda há pouco tempo apresentámos – não pelo que se pode tirar dali mas pelo significado que tem – uma orquestra que foi em tempos dirigida por um maestro inglês com gente dos 14 municípios. E era gente que tinha formação musical e gente que não tinha. Era gente que tinha 70 anos e gente que tinha sete. Eram cidadãos com problemas de mobilidade variada. E aquilo correu extremamente bem. Teve muito de simbólico mas são situações como esta de tanto tratar o território em conjunto, apostando nas sinergias e nas características de cada um, que podem dar mais sentido àquilo que se espera de uma comunidade intermunicipal.

Apresentaram uma solução para o IP3 para que fique todo com perfil de autoestrada. Que solução é esta?

Aproveito, mais uma vez, para esclarecer isto: os defensores, diria, normais e a todo o tempo do Governo, vieram dizer ‘cuidado que isso pode ser mais um motivo para se atrasar a obra’. Não. Não é nada. Na proposta que fiz, em nome da CIM, não pode haver nenhum atraso porque nós dizemos que aquilo é uma obra à parte da que está a ser feita. Portanto, andem lá com a obra. Despachem-se. Porque todos os prazos que foram referidos estão a ser ultrapassados. Já foram todos ultrapassados. Mas, em traços largos, digo isto: o troço do IP3 liga o IC2 a Viseu. Neste momento, aquilo que está em obra possibilita três espécies de via. Uma com quatro vias, felizmente é a maior, tem 83% duas por duas. Depois há uma percentagem mais baixa que tem dois por um. Duas vias num sentido e uma noutro. E há só uma parte que tem apenas uma via em cada lado. É a parte mais complicada para a qual não há solução ainda. A parte das Livrarias do Mondego, com a ponte, com aqueles problemas que têm existido no IP3. Defendemos para que se acabe isso e para que se pense numa solução para a parte onde já há duas por duas no sentido Coimbra-Viseu. Façam uma via nova, também duas por duas, até ligar à outra parte. Esta é uma via perfeitamente autónoma. Quando estiverem ligadas, fica tudo com quatro vias. Então deixamos de reclamar a autoestrada, porque a temos de facto, e deixamos de ter o estrangulamento que neste momento, com a obra completa, se iria verificar no IP3. Porquê? Porque ficámos com uma via que não respondia, porque tem um estrangulamento para o qual não há solução. Nós podíamos ter uma boa parte em perfil autoestrada e depois estrangulávamos nas Livrarias do Mondego. Acho que é uma proposta razoável e a proposta única para dar resposta a dois tipos de ambição: pôr o IP3 decente e aos mesmo tempo transformá-lo numa autoestrada completa, que faz justiça, porque ninguém compreende, num país civilizado, que as duas maiores cidades do interior não estejam ligadas por autoestrada. Não tenho nada contra as áreas metropolitanas mas, por exemplo, chego ao Carregado e aquilo parece um novelo de massa de meada, tal é o conjunto de autoestradas que há para ali. Costumo também dizer aos meus cidadãos que, se for de Viseu para o aeroporto Sá Carneiro, se me enganar na primeira, escuso de ter problemas: logo a seguir há outra estrada para o aeroporto. E a seguir outra e outra. Como é que querem desenvolver o país? Temos feito um esforço enorme em Viseu enquanto comunidade. Temos consciência disso e temos consciência de que nos afirmamos – e de que maneira – como comunidade, como concelho e como cidade. Mas também exigimos que sejamos tratados da mesma maneira. Precisamos da via férrea que foi prometida. Disseram que ia haver uma ligação ferroviária para cada capital de distrito, estamos à espera que nos digam. Nós, no nosso PDM, até já definimos o lugar da estação e o corredor. Agora que nos digam quando começam, porque ela, nas transeuropeias, está lá planificada. Não tenho nada contra as áreas metropolitanas. Não posso é estar de acordo que uma cidade capital de distrito com a importância que tem Viseu esteja desprovida de via férrea e, depois, com a mesma velocidade ou com uma velocidade espantosa, faz-se a terceira via do metro em Lisboa. A não ser que se faça uma decisão, como eu costumo dizer, extremada. Eu dou a solução para o país se o caminho for este. Façam apenas uma cidade, como a cidade da China, com 10 mil milhões de habitantes. E vimos todos para Lisboa. Não há nenhum país desenvolvido que se tenha desenvolvido desta maneira, com estas assimetrias que neste momento verificamos no país e que ainda por cima se vão agravando. É que se nós víssemos que as assimetrias iam sendo esbatidas… Mas não. Agravam-se de ano para ano. Estou naturalmente preocupado com isso embora, como digo, seja de uma cidade e de um concelho que todos os anos tem aumentado de população, felizmente para nós.

Então não há qualquer perspetiva para a existência da ferrovia em Viseu…

Perspetiva temos. Sei que os governos falham muitas vezes àquilo que dizem mas temos esta palavra que ainda não foi desmentida. O Governo prometeu que todas as capitais de distrito seriam servidas pelo caminho de ferro. Está definida que há uma ligação a Aveiro, Viseu e Vilar Formoso. Ainda por cima o ministro diz que tem preferência por esta opção. Agora só aguardamos que nos seja dito quando é que começam os trabalhos.

Viseu tem crescido a nível de habitantes e turístico. É uma aposta continuar a captar pessoas?

É e nós temos algum orgulho por sermos, praticamente, uma exceção. Deixem-me dizer-lhes que, na primeira encarnação, quando cheguei à Câmara, éramos 82 mil almas. E neste momento somos 100 mil. O que significa que vimos aumentando. E aumentamos ao arrepio do que acontece no interior. Curiosamente – e é bom constatar isto – antigamente crescíamos polarizando um pouco os concelhos vizinhos. Recebíamos alguns cidadãos das áreas metropolitanas, mesmo da beira mar, que decidiam ir viver para Viseu. Mas muitos eram dos concelhos vizinhos. E, nos últimos anos, sobretudo nos dois últimos anos, felizmente para nós já não foi isso. Se calhar também já não há, daqui a pouco, habitantes nos concelhos vizinhos para polarizar. Mas temos muitos cidadãos estrangeiros, nomeadamente uma comunidade forte oriunda do Brasil e que não é sequer aquela comunidade, como havia no passado, que tinha ligações familiares com Viseu. Emigrantes de segunda e terceira geração. Curiosamente, uma boa parte são cidadãos com poder de compra, que se instalaram em Viseu, alguns por motivos curiosíssimos. Uns que foram à internet e que viram que foi considerada três vezes a melhor cidade para se viver e foi motivo suficiente. Fui abordado por um jovem cidadão brasileiro que estava a acompanhar comigo o final do ano letivo no Colégio da Via Sacra onde tinha um filho e eu fiz este tipo de discurso. E ele abordou-me na parte final e disse que concordava comigo. Disse ‘sou cidadão brasileiro, nunca tinha vindo a Viseu. Parei aqui para comprar uns brincos à minha mulher e nunca mais daqui saí’. E, neste momento, temos uma comunidade forte, que se veio juntar e o crescimento e o aumento da população já não é pelos motivos tradicionais.

Abrem mesmo negócios..

Sim, sim. É gente com poder de compra, com nível de formação superior. Há um exemplo de um senhor muito colaborante com a associação e, por essa via, colaborante com a câmara que foi para Viseu apenas por esta razão: tem uma filha que vive nos Estados Unidos, o senhor acho que vivia em São Paulo. A filha achava que, até pela idade, o senhor ia ter cada vez mais problemas de segurança e foi escolher uma cidade em Portugal. Viu Viseu e disse ao pai para ir para Viseu. E ele anda encantado.

Mas qual é o chamariz? Falou da segurança mas há mais…

É a qualidade de vida. De vez em quando vão existindo alguns concursos para classificar as cidades. Há uma coisa que dissemos e que digo aqui. Dei na Câmara instruções. Qualquer concurso que tenha um pagamento, a Câmara de Viseu não é candidata. Nós fomos considerados três vezes a melhor cidade para viver com uma instituição, que conhecemos bem, mas com a qual nunca tivemos nenhum contacto e que apenas soubemos quando decidiram e nos transmitiram. É por isso que usamos e vivenciamos esta situação. Mas tem a ver com isso. Este estudo é feito normalmente com uma série de variáveis e eu acho-as todas bem escolhidas, não é porque Viseu tenha ficado em primeiro. Dizem respeito à mobilidade, à qualidade da administração pública, ao conjunto de equipamentos desportivos, ao parque escolar, etc. No que diz respeito à mobilidade – embora há uns anos um colega vosso me tenha rotulado de Fernando Rotundas, o que me agrada muito –, melhorou muito com as nossas rotundas, com a nossa circular e com as nossas radiais.

Mesmo com a questão da ferrovia a ser ‘a mancha’.

Acho que merecíamos. E espero vir a tê-la. A administração central tem que dar resposta ao comportamento que Viseu tem tido. Viseu têm-se constituído quase como um peão de brega no interior. Tenho a conceção de que a desertificação é um movimento que é imparável. As pessoas caminham naturalmente e cada vez mais. Mas há uma forma de os parar mais próximo do seu lugar de origem que é criar uma rede de cidades de média dimensão onde possam ter as mesmas oportunidades. Têm que ter oportunidades nessas cidades. E Viseu oferece isso. Costumo dizer que um cidadão de um concelho vizinho que se vá radicar em Viseu, também não faz, não desertifica o seu concelho. E é possível fazer cidadania nos dois sítios. E dou exemplos. Temos concelhos que as duas capitais do concelho distam uma da outra, em tempo, 15 minutos. Veja quanto tempo demoram de Santa Apolónia não sei para onde. É importante a mobilidade e a qualidade de vida para atrair os cidadãos.

E também os estudantes. Muitos ficam.

Temos estado atentos a isso. O nosso politécnico tem excelentes condições. Vimos agora aprovado um programa de residência de estudantes que vamos pôr no centro histórico. É para fazermos dois em um. Por um lado proporcionarmos boas condições aos estudantes e, por outro lado, vivificar o centro histórico. É isso que queremos fazer. Viseu é atrativo por isso. É um sítio onde se anda com muita facilidade e mesmo a mobilidade em termos do automóvel é extremamente simples. Só há muito movimento no centro da cidade porque as pessoas querem, não é porque têm necessidade de lá ir. Mas têm curiosidade. Nas circunvalações, permite fazer toda a vida sem ir praticamente ao centro.

Está contra o encerramento do Centro de Acolhimento Temporário de Viseu. O que se está a passar aqui?

Acho que as entidades a nível central nem se aperceberam disso. É das decisões que ninguém entende. Este centro foi criado penso que em 2005, 2006 com a particularidade de acolher crianças de famílias desestruturadas, crianças sem retaguarda familiar, de famílias problemáticas. E arranjou-se, com o envolvimento da Santa Casa, instalações espetaculares, com funcionários dedicadíssimos, um ambiente espetacular. Visitei há uns tempos e fiquei espantado. Já conhecia mas fui rever. E aquilo está ainda melhor. É a administração central que diz quanto ganham os funcionários, quantos são os funcionários. É a administração central que diz quantas crianças é que tem. E depois a administração central não cobre os prejuízos, atira-os para a Santa Casa da Misericórdia. O que é isto? A administração central pede a uma instituição que faça por mim aquilo que eu devia fazer. Dá prejuízo, então os senhores que façam o favor de se encarregar disso. A Santa Casa da Misericórdia arcou com isto até agora, são cinco ou seis anos seguidos de prejuízo e agora rebentou a corda e diz que não.

São muitas crianças?

São 20. Não é possível que a administração central tenha este tipo de resposta.

O que lhes aconteceria em caso de encerramento?

Vai mesmo encerrar. Vão ser recolhidas, se calhar separadamente. Podem ser institucionalizadas num outro sítio. Se calhar já criaram laços, já tinham uma rotina perfeitamente definida. E isso asseguro porque visitei um acolhimento espetacular. Tinham um lar. Não é possível permitir isto. Espero sinceramente que a tutela olhe para isto e que não trate aquelas crianças como números.

Viseu é candidata a ser Cidade Europeia do Desporto 2024…

Vamos ser. Tenho a certeza que vamos ser.

É uma aposta certa?

É, a julgar por quem tem essa responsabilidade. Ainda por cima, penso que não temos adversários, portanto seremos Cidade Europeia do Desporto, aliás a culminar uma série de apostas que temos feito seriamente, por exemplo no ciclismo. Somos, neste momento, a cidade com maior ligação à Volta a Portugal, não tenho a menor dúvida, o Joaquim Gomes [diretor da Volta a Portugal] também o diz. Este ano tivemos um dia de descanso, que é um acontecimento notável, ainda por cima com cerca de 800 ciclistas, que não têm nada a ver com a Volta, mas são amantes do ciclismo e fizeram uma jornada ótima. Para o ano vamos ter o início da Volta, com prólogo e tudo mais, e, em 2024, exatamente a culminar essa situação de cidade capital europeia do Desporto, vamos ter o final da Volta, que é sempre apoteótico.

Viseu também costuma fazer uma grande aposta no desporto…

Sim, e agora até fizemos outra coisa: voltamos com o desporto à Feira de São Mateus. É um acontecimento que acho que é único no panorama nacional, até porque não há nenhum evento nacional que dure 49 dias. A Feira de São Mateus dura 49 dias, todos os dias com espetáculos. Não há nenhum artista que se preze que não queira ter no seu currículo passar pela Feira de São Mateus. E agora, confesso até, há também algumas novidades. Estive no Rio de Janeiro há menos de um mês e confesso que havia nomes daqui que eu não conhecia e que têm cartaz internacional: o Kevinho, o Lucas Neto, são gente que tem cartaz de nível elevado. Portanto, a Feira de São Mateus é um espetáculo e um evento de grande importância, mas que estava desprovido, até à pouco tempo, da componente desportiva. E nós voltamos a colocá-la, de duas formas. Primeiro, com um torneio quadrangular, de andebol, que, de facto, tem já um histórico elevado, e que este ano tem uma particularidade: o Académico de Viseu subiu à primeira divisão em andebol e vai competir também neste quadrangular com uma equipa espanhola e com duas das melhores equipas portuguesas. Depois, e este era um anseio velho, juntamos a componente do automobilismo. Viseu foi muito conhecido, no passado, por ser um local de passagem do rali de Portugal. Aliás, eu conheci um dos grandes automobilistas da história lá, a ver o rali, e também deixou de ter. Fizemos uma associação com o Rali da Constálica, que é realizado num concelho vizinho [Vouzela]. Vai lá ter um prólogo e uma saída do centro histórico, e achamos que esta é uma boa oportunidade e um bom argumento para voltar a ter rali em Viseu.

Há pouco falava das assimetrias. Luís Montenegro empurrou o eventual referendo à regionalização para 2026 ou depois. Que visão tem sobre isto?

No último Congresso da ANMP já se apontava para 2024. Eu não vou mudar de opinião, disse que não havia nenhuma razão. Na minha perspetiva, podia ser mais cedo. Apesar de ser um apoiante incondicional do Dr. Luís Montenegro, não estou de acordo. Faria isso o mais cedo possível.

Como é a sua relação com o presidente do PSD? Tem falado com ele?

É excelente. Tenho falado, sim. É uma excelente relação e, aliás, devo-lhe essa obrigação porque o Dr. Luís Montenegro esteve sempre nas minha campanhas. Acho que até foi o político que mais vezes esteve comigo. Esteve na campanha para as legislativas, esteve agora nas autárquicas, portanto só podia ser seu apoiante. Pese embora, não tenho nada contra, antes pelo contrário, tenho grande consideração pelo Eng. Moreira da Silva, que me convidou também e eu disse que não podia deixar de ser apoiante do Dr. Luís Montenegro.

Já sedimentada a chegada à presidência do partido, o que espera? Acha que terá um resultado diferente do que teve com Rui Rio, ou será mais do mesmo?

Acho, para já, que há um tom na liderança totalmente diferente. Começam a sarar as feridas, é aquilo que eu vejo. Nunca mais vi posições complicadas em termos públicos, diferendos… parecia que estávamos a discutir dois partidos e isso, de certo modo, está esbatido. É bom que haja, de vez em quando, uma ou outra voz discordante. É um partido livre e é exatamente para isso. Eu próprio estou aqui a discordar [da proposta de Luís Montenegro para o referendo da regionalização]. Mas é bom é que sejamos, no essencial, reunidos à volta do líder. Deixe-me dizer-lhe isto: este é um discurso de alguém que já não espera grande coisa da política. Já fiz um percurso bem longo. O país precisa de pão para a boca de um PSD forte. Este rumo que temos tido nos últimos anos… os resultados a que chegamos são perfeitamente conhecidos, veja o que é que deu. Tivemos um líder do Partido Socialista que saiu, e que eu estimo e de que maneira, mas saiu porque achou que o país estava à beira do pântano. Foi isso a que conduziu a política onde estava. Depois, tivemos que ir buscar o país até à Troika, que também foi a mesma política. Bem, agora esperamos… não sei, um dia destes há de haver outra coisa qualquer. Já prevemos com facilidade qual vai ser o resultado desta política.

Às vezes há esta ideia de que o PSD acaba por recolher o país em situações de mais austeridade e fica mais ‘manchado’ por isso.

É verdade, mas deixe-me dizer-lhe que, mesmo assim, não deve enjeitar essa possibilidade. Tem sido isso. Há quem diga, e há militantes que me referem isso e constata-se, o PSD tem sido chamado sempre em situações para ‘apanhar os cacos’. Mas ainda bem que é um partido que depois consegue fazer isso. Será, e tem sido penalizado sempre a seguir, mas põe isto na ordem, às vezes com medidas impopulares que, se calhar, numa situação normal não teria que tomar. O que é facto é que tem sido sempre a seguir a estes períodos, é histórico. Isto é, digamos, constatável.

Está o PSD o unido o suficiente como para fazer uma oposição forte?

Eu acho que está, e tem agora uma oportunidade única. Não se vislumbram eleições, que são normalmente momentos para agitar os partidos, portanto o PSD está numa situação em que pode, calmamente, definir as suas estratégias e mostrar a diferença com quem está no poder e ir apontando também medidas alternativas. Tem este tempo todo para o fazer. Reunir-se de facto com os melhores e ir apresentando propostas, porque o povo português vai precisar delas seguramente.

Acha que este Governo chega ao fim da legislatura?

Pode sempre haver uma crise política, mas não prevejo nenhuma, a não ser que o Sr. Primeiro-ministro tenha a vontade de ir para a Europa… de resto, se não for isso, não vejo nenhum problema.

E não crê nessa hipótese de o primeiro-ministro ir para a Europa?

Não estou a ver. Acho que o Governo tem todas as condições para durar até ao fim da legislatura, e diria até, para mal dos nossos pecados, mas tem todas as condições.

Vai estar no Pontal?

Não, não posso, exatamente porque, como disse há pouco, temos neste momento o evento maior de Viseu e que requer constantemente a nossa presença. São sempre momentos marcantes na Feira, e não só, e tenho de lá estar.

A ver se este ano se ultrapassa o recorde de visitantes, não é?

Ai este ano vamos ultrapassar, de certeza absoluta. As condições climatéricas têm sido ótimas, o número de pessoas que têm acedido à Feira é um número impressionante. Há muito tempo, não me lembro nunca de ver uma inauguração da Feira como aquela que fizemos com o Sr. Presidente da República. Demoramos quase duas horas e meia ou três para percorrer não mais de 300 metros de um palco para outro. Portanto, sei como é que trazia a camisa no fim… perfeitamente encharcada. Foram milhares de pessoas. Nem me arrisco a dizer o número que me transmitiram antes de ele ser perfeitamente aferido, porque é um número perfeitamente anómalo.

As pessoas também estavam com saudades…

As pessoas estão ávidas, sim. Depois a temperatura ajuda, temos, por força das circunstâncias, muitos emigrantes que vieram até nós. Esperaram que a pandemia os ‘libertasse’ para virem até nós. De maneira que há todas as condições. E depois, também foi o culminar de uma intensa atividade cultural e de entretenimento que temos em Viseu. A cidade nos últimos tempos foi palco de atividade cultural e de lazer impressionante, com os Jardins Efémeros, a Festa das Freguesias, o encontro com idosos, o festival de Jazz… só para citar de cabeça, tivemos os percursos pedonais, que têm sempre imensa adesão… nós, de facto, nem sempre transmitimos publicamente aquilo que temos… temos uma rede de museus com para aí 10 elementos, o que não é normal para uma cidade desta dimensão. Temos o Museu do Linho, o Museu do Quartzo, que é único na Península [Ibérica]. Temos um museu com uma ligação impressionante à Fundação de Serralves, que é a Quinta da Cruz, temos um outro museu, o Keil do Amaral, depois o museu nacional, o Museu Grão Vasco, e o Museu da Misericórdia, um excelente museu… o museu de arte sacra! Neste momento temos uma estrutura urbana que nos agrada. Temos ainda um outro tipo de cidade, uma grande ambição para o modelo de cidade que temos em mente, que é uma cidade limpa onde o cidadão se sinta bem. Se cumprirmos três objetivos em Viseu, ficamos satisfeitos: queremos que Viseu seja uma cidade para nascer, para viver e para morrer, é isso que queremos. E para estudar também, claro. Deixe-me dar-lhe este exemplo: Fizemos uma cerimónia de mérito educativo, com alunos que têm 5 a tudo. Fizemos uma cerimónia com 780 alunos… 780 alunos que têm 5 a tudo.

Aliás, a Alves Martins é a Escola Secundária que mais alunos coloca em Medicina…

Exatamente. Eu tenho uma máxima que tenho usado muitas vezes, até com os meus cidadãos. Não temos a obrigação de ser os melhores, temos o dever de ser todos bons. Isso chega-me. Estes alunos, por acaso, são os melhores. Não têm a obrigação de ser os melhores, mas são os melhores, têm 5 a tudo, mas depois temos os bons. Esses são os excecionais, mas também temos os bons alunos, alguns que têm 5 a quase tudo, mas depois 4 numa disciplina… portanto, veja a qualidade do ensino neste momento. Para além destas coisas que disse, somos seguramente a melhor cidade para estuda.

Tem aqui uma experiência que poucos têm de dirigir uma Câmara Municipal em dois espaços temporais diferentes… que ‘vantagens’ traz essa experiência?

E constatei no outro dia uma coisa que não sabia: penso que é o único caso em que assim é, pelo mesmo partido. Parece que há muitos casos assim, mas de gente que passa para independente, ou que muda de partido ou de concelho… mas no mesmo concelho e pelo mesmo partido, não sei se há muitos casos, não vi mais nenhum. Há uma coisa que notei: o poder local mudou. Se me pergunta se é para melhor, tenho fortes interrogações, mas mudou. Há uma outra conceção das relações com a administração central, que também mudaram, não sei se para melhor ou para pior, mas mudaram, e agora têm um desafio, que vai definir durante muito tempo o futuro da administração local, que tem a ver com a descentralização das competências. Os municípios têm dado provas ao Governo central que fazem melhor do que a administração central, e têm dado provas sobejas. Os municípios tiveram maior capacidade de poupança… Às vezes as pessoas não pensam nisto: se não houvesse municípios, há espaços do território onde nunca teria chegado o investimento público, não teria chegado um tostão. Há territórios do país onde só há investimento porque os municípios e as freguesias lá o levaram, de resto, se estivessem à espera do investimento público da responsabilidade da administração central, não tinham qualquer investimento. Portanto, acho que esta realidade municipal pode ajudar, mas naturalmente que a administração central tem de estar atenta a isto, não pode contribuir para que o país seja mais assimétrico.

Permita-me a questão: tomando em conta a sua longa carreira e experiência, alguma vez considerou a hipótese de se candidatar à Presidência da República?

Não, já não ia a tempo. [risos]

O Donald Trump tem 76 anos, e o Biden 79…

É certo, mas não… [risos] Não me passa pela cabeça. Se me perguntasse se se criassem condições, até era capaz de pensar nisso. Alguém que ouvia no outro dia dizia ‘nunca digas nunca’, e eu também não sei. Era capaz de pensar nisso… Também me acho com as competências para exercer esse cargo, deixe-me dizer-lhe, agora não estou a ver, sinceramente, nem que seja convidado nem que tenha apoios para tal, portanto vou ficar-me por aqui.