Energia. “Fechar centrais foi prematuro”

De acordo com Clemente Pedro Nunes, o encerramento da central de Sines em julho do ano passado e do Pego em novembro custa cerca de 2100 milhões, quase a verba que o Governo anunciou para apoiar empresas na conta do gás e da luz. Mira Amaral diz que evitaria importações.

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

O Governo anunciou a «maior intervenção de sempre» na energia. Trata-se de um pacote de três mil milhões de euros para minimizar o impacto do aumento do custo da energia. Uma intervenção que irá beneficiar, acima de tudo, os clientes empresariais. Mas esta é a fatura a pagar por o Governo ter antecipado o fecho das duas centrais a carvão.

A opinião é de Clemente Pedro Nunes, professor catedrático do Instituto Superior Técnico. «Estamos a pagar o preço do disparate enorme que foi feito pelo Governo ao fechar prematuramente as duas centrais. Até agora, o encerramento antecipado da central de Sines em julho do ano passado e do Pego em novembro, custou-nos para cima de 2 100 milhões de euros», ou seja, menos 900 milhões face à verba agora anunciada pelo Executivo.

De acordo com o responsável, apesar de o apoio ao gás natural não estar relacionado diretamente com a eletricidade nem com o fecho da central do Pego acaba por afetar indiretamente. «Com o fecho da central do Pego e da central de Sines ficamos mais dependentes do gás natural e, logo, temos de comprar mais gás natural para produzir eletricidade e, com isso, vamos ao mercado comprar mais e quanto mais se vai comprar ao mercado mais faz subir o preço. Temos que pagar o preço que está a ser pedido. É o princípio básico da oferta e da procura e nós estamos a ajudar o mercado a subir porque estamos a gastar mais gás natural do que devíamos», salienta. 

Também Mira Amaral garante ao nosso jornal que se a Central do Pego «estivesse a funcionar teríamos menos gás natural para produzir energia elétrica e não precisaríamos de importar tanta eletricidade de Espanha».

O que está em cima da mesa

De acordo com Duarte Cordeiro, com este pacote, o Governo tem como meta poupanças de 30% a 31% na eletricidade e 23% a 42% no gás. E esta intervenção terá duas componentes: serão canalizados mil milhões de euros de excedentes das contas públicas de 2022 para fazer descer os custos de gás natural dos consumidores empresariais em 2023. Por outro lado, serão injetados no sistema elétrico 2 mil milhões de euros também para beneficiar clientes empresariais.

Em relação ao gás natural, o ministro do Ambiente prevê que esta injeção de mil milhões de euros, distribuída por consumos empresariais avaliados em 24 terawatt hora (TWh), permitirá baixar o custo do gás para as empresas em 42 euros por megawatt hora (MWh).

Um desconto que irá permitir às empresas economizar 23% a 42% face ao que pagariam em 2023 com os preços que o Governo estima para o gás no próximo ano. Segundo o ministro do Ambiente, o Executivo traçou dois cenários, um em que os custos de gás das empresas podem ascender a 4,9 mil milhões de euros em 2023, e outro em que podem chegar a 2,75 mil milhões de euros. Segundo o Governo, em 2021 as empresas suportaram em Portugal custos com gás natural de 745 milhões de euros.

Em relação à eletricidade, os dois mil milhões de euros poderão dividir-se em 500 milhões de euros de «medidas políticas» (como a afetação de receitas dos leilões de licenças de emissão de dióxido de carbono e da Contribuição Extraordinária do Setor Energético ao sistema elétrico) e 1500 milhões de euros de «medidas regulatórias» (entre estas inclui-se a canalização para os clientes industriais dos ganhos que a central a gás da Tapada do Outeiro teve com os seus contratos de longo prazo de gás natural).

Uma verba que, segundo o governante, poderá permitir às empresas economizar perto de 30% face ao que pagariam em 2023 de acordo com as projeções do Governo, baseadas numa previsão de custo grossista da eletricidade de 258 euros por MWh para 2023.

Duarte Cordeiro disse que «é fundamental esta intervenção por uma razão evidente: Foi a partir da energia que se iniciaram os impactos da inflação, que sentimos em toda a Europa e em Portugal, é na intervenção no mercado energético que conseguimos também conter a propagação dos aumentos dos preços da energia em toda a dimensão da sociedade».

Para Duarte Cordeiro «ao interferimos no gás e na eletricidade estamos a interferir, naturalmente, no pão, no leite, em todos os domínios que dizem respeito à produção de serviços e produtos da nossa sociedade». Por isso não tem dúvidas: «Temos que nos preparar para cenários de preços mais elevados, se não se verificarem tanto melhor».

Verbas são suficientes?

Para Clemente Pedro Nunes ninguém sabe se essa verba será suficiente. «No gás, o que foi dito, nomeadamente pelos parceiros sociais, há mil milhões que vêm do Orçamento do Estado e isso é dinheiro novo que visa ‘subsidiar’ o preço para os industriais». E lembra que esse valor é acima de tudo para empresas. Já o pacote dos mil milhões de euros, em princípio, é sobretudo para as empresas que não podem ir para o mercado regulado. E dá como exemplo o setor têxtil, do vidro, da cerâmica, da indústria química, que tem bastantes consumos. 

O mesmo argumento é usado por Luís Mira Amaral. «Este valor é claramente insuficiente para as empresas. E isso é visível pelas queixas do setor têxtil, cerâmica e vidros. Estou a falar de indústrias que consomem diretamente gás natural». 

Inflação poderia ter sido menor 

Um dos especialistas ouvidos pelo nosso jornal reconhece que são medidas importantes para mitigarem a atual elevada inflação, mas pecam por tardias. «Se o Executivo tivesse implementado estas medidas mais cedo, a inflação não seria atualmente tão elevada. E se tivesse adotado estas medidas no final do ano passado, quando os preços da eletricidade começaram a sua escalada de alta e os preços dos combustíveis fósseis, desde o petróleo ao gás natural, iniciaram a sua subida, as empresas não teriam repercutido parte desses custos nos seus preços finais aos clientes e consumidores e agravado a inflação». 

Mas reconhece que «é uma medida importante para mitigar a considerável desaceleração económica projetada pelo Governo para o próximo ano», defendendo que, a partir da implementação destas medidas, «é esperado também que as empresas, perante este alívio dos custos energéticos, possam abrandar a transferência de custos para os consumidores, culminando numa desaceleração da inflação».

E mesmo que as empresas sejam as maiores beneficiadas lembra que essas medidas também terão impacto na fatura a pagar pelas famílias, «sobretudo se os preços dos bens e serviços começarem a desacelerar, contribuindo dessa forma para uma recuperação do rendimento disponível perdido pelas famílias nos últimos trimestres». 

Outro especialista defende que a intervenção do Estado tem um papel fundamental para controlar o impacto da subida dos preços (inflação) na energia, o que depois se traduz em aumentos em todos os outros setores, tanto nos bens como nos serviços. Já em relação às medidas anunciadas diz que «deixaram a sensação de que o Governo poderia ir bem mais longe nas medidas apresentadas inicialmente».

E deixa um alerta: «É importante que o Governo olhe também para as restantes categorias, além dos produtos energéticos. Embora numa primeira fase a inflação tenha sido alimentada principalmente pelos produtos energéticos e alimentação, os efeitos inflacionistas estão também a pressionar outros setores que merecem a atenção do Governo para que a ação nesta matéria não se limite apenas ao gás e eletricidade».

No entanto, reconhece que as medidas «deverão ter mais impacto nas empresas, mas que por sua vez também impactarão os consumidores uma vez que as empresas deverão diminuir assim os seus custos e evitarão passá-los para o consumidor final».

Já em relação a esta intervenção do Governo, salienta que «é importante relembrar que este é o papel do Estado: atenuar as desigualdades entre as classes sociais, por via da redistribuição de rendimentos e apoios às classes sociais mais vulneráveis».

E quanto ao montante reconhece poderia ser possível ir mais longe, «se o Estado fizesse novamente uma revisão (em baixa) dos impostos sobre os combustíveis», lembrando que «os preços dos combustíveis continuam a retirar poder de compra às famílias e a penalizar as empresas, sendo que nesta matéria a intervenção do Estado poderia ser francamente maior».