Paulo Raimundo: a escolha de Jerónimo

Tal como Cunhal escolheu Carvalhas, desta vez foi Jerónimo quem apontou o nome de Raimundo. Para surpresa de muitos, fora e dentro do partido. Incluindo no Comité Central.

Por Lucas J. Botelho*

Ao fim de 18 anos como secretário-geral do PCP – o quinto na longa história do partido -, Jerónimo de Sousa escolheu o momento para a sua sucessão e também lhe coube a ele apontar o nome do seu sucessor: um ilustre desconhecido fora do aparelho comunista, Paulo Raimundo.

E o novo secretário-geral que há de ser eleito pelos seus pares do Comité Central neste fim de semana foi, por isso, uma surpresa para muitos. Mesmo no interior do próprio Comité Central, como reconheceu Jerónimo de Sousa no rescaldo do Comité Central da semana passada, que acedeu ao pedido de Jerónimo de Sousa para dar início ao proceso de transição e acolheu a proposta do nome do futuro secretário-geral.

As dúvidas que se levantam, agora, é se o perfil de Raimundo será o melhor para ‘dar a cara do partido’ pelo partido num momento em que o PCP precisa de recuperar a confiança do eleitorado e estancar as perdas eleitorais que conduziram a uma vancada parlamentar de meia dúzia de deputados.

O processo de transição, tal como o Nascer do SOL antecipoiu na sua última edição, concretiza-se neste fim de semana, em que se realiza a quarta Conferência Nacional do PCP. O encontro está marcado para o Pavilhão do Alto do Moinho, no Seixal, e estima-se que estejam presentes entre 900 a 1000 donferencistas comunistas de todo o país. No entretanto, Paulo Raimundo será oficialmente confirmado como novo secretário-geral do Partido Comunista Português pelo Comité Central.

Num documento de 16 páginas, repartido em seis pontos, o partido apresentou o projeto de resolução para a Conferência, onde delineou o objetivo de reforçar a estrutura com «1000 novos quadros, com destaque para operários e outros trabalhadores, jovens e mulheres», para executarem «tarefas regulares e organizações do partido» no decorrer dos próximos dois anos.

Quem é Paulo Raimundo?

Pode ser um nome novo para o público, mas é uma figura que já está nos quadros do partido desde a década de 90. Com 46 anos de idade, é o secretário-geral mais novo na história do PCP.

Funcionário do PCP desde muito novo, ainda assim apresenta um currículo com várias profissões – padeiro, carpinteiro e animador cultural na Associação Cristã da Mocidade da Bela Vista. Nasceu em Cascais e viveu a sua infância em Setúbal (para onde os seus pais se mudaram quando tinha 3 anos). Antes, os pais trabalharam e viveram no Estoril Praia. Segundo o próprio, algumas das suas primeiras memórias ficam marcadas pela «vivência de rua e junto ao rio Sado», onde chegou a participar na apanha do marisco com a mãe.

Aderiu à Juventude Comunista em 1991, tornou-se membro do PCP a partir de 1994 e dois anos depois foi eleito para o comité central, com apenas 20 anos. No congresso seguinte, em 2000, foi também nomeado para a comissão política. 

No decorrer da pandemia, em 2020, passou a incorporar em simultâneo o secretariado e a comissão política do comité central, que fez com que passasse a estar no ‘núcleo duro’ do partido, no meio de figuras como o próprio Jerónimo de Sousa, Francisco Lopes, Jorge Cordeiro e José Capucho – os quatro únicos nomes que, além dele, faziam parte, simultaneamente, destes dois órgãos da cúpula do poder do PCP.

Segundo o partido, também apresentou trabalho em «múltiplas áreas de organização e intervenção com responsabilidades pelo trabalho da juventude e da JCP, integração e direção de organizações regionais», tal como «tarefas nas áreas sindicais».

João Ferreira, o vereador da Câmara de Lisboa que era apontado como um dos possíveis sucessores, referiu após o anúncio do novo líder que, com a saída de Jerónimo, «Paulo Raimundo tem um sentimento de identificação genuíno com as dificuldades» que as «pessoas sentem hoje, no dia a dia».

José Neves, historiador e apoiante do PCP, recordou ao Público as «aptidões conciliatórias» do futuro secretário-geral, principalmente no decorrer da década de 90, onde houve enormes disfunções entre os «mais ortodoxos e renovadores» e que «toda a gente lhe reconhecia a preocupação em manter o partido o menos fracionado possível e de resistir a purgas».

Nuno Ramos de Almeida, jornalista e ex-militante do PCP, comentou ao Nascer do SOL, que Paulo Raimundo pode ser uma ‘figura desconhecida’ no mundo jornalístico e mediático, mas não o é no partido. Sobretudo se considerarmos que «João Ferreira, Bernardino Soares ou João Oliveira são figuras que dão cara»  e «têm cargos que atraem a atenção mediática, como é o caso, das funções de deputado, vereador, presidente de Câmara, eurodeputado, presidente da bancada parlamentar». Mas, sublinha o jornalista, Paulo Raimundo é «muito influente no interior do partido» e «apenas quem conhece a estrutura e funcionamento do PCP pode compreender isto». Quando questionado quanto à competência e qualidades do novo secretário-geral, em comparação com os seus putativos ‘concorrentes’, Nuno Ramos de Almeida referiu que não se trata de os outros serem «superiores ou inferiores». Simplesmente, «é provável que Paulo seja a figura mais adequada, dado ser alguém mais representativo da sociedade e observando a crise social que enfrentamos atualmente, com um aumento das dificuldades em cumprir os créditos à habitação, a subida das taxas de juro e a inflação galopante, o partido considerou benéfico escolher um cidadão que se identifique com estes problemas».

João Rodrigues, professor de Economia na Universidade de Coimbra e apoiante publicamente do partido, defende a escolha de Paulo Raimundo como sendo a correta. O economista reconhece o novo secretário-geral como «alguém de elevada inteligência e competência», que já está no centro da força partidária há muito tempo. 

Para o professor universitário,  tendo em conta «que nos situamos num sistema político de subrepresentação popular, alguém como Paulo Raimundo, que cresceu no Bairro da Bela Vista em Setúbal, pode ser uma pessoa que vai ajudar nessa representatividade». Quanto a esta subrepresentação, João Rodrigues também não se esqueceu de relembrar que «no interior do espetro político, não observamos um meio que corresponda ao salário médio nacional».

Futuro ainda Incerto 

No entanto, nem todas as opiniões são favoráveis a esta escolha. Apesar de alguns membros ou apoiantes do PCP referirem que já se sabia no interior da organização quem seria o sucessor, o antigo secretário geral da CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional), Arménio Carlos, mencionou no podcast da Rádio Observador que a escolha de Paulo Raimundo surpreendeu, tanto de dentro como fora do partido.

Já o histórico Carlos Brito, antigo líder do grupo parlamentar do PCP, revelou em declarações à TSF que ficou «surpreendido» com a saída de Jerónimo e que o seu novo sucessor é uma «figura apagada».  O também escritor retirado na vila de Alcoutim acrescentou que Raimundo é um elemento «muito importante, virado para o trabalho» e «a organização interna», mas que «o partido tem que ter uma projeção para fora», pois «é aí que ganha massas, é aí que ganha os trabalhadores» e «é aí que ganha a opinião pública», concluindo que «o trabalho e a organização» têm peso, mas não pode ser subestimada a outra função partidária de «contacto com o país».

Domingos Lopes, um ‘renovador’ e, tal como Carlos Brito, antigo dirigente do PCP (acabou por desvincular-se em 2009), comentou que um partido que insiste no marxismo-leninismo «é natural nestas circunstâncias» que «tenha encontrado alguém que tenha este perfil, que possa perpetuar a vida do partido, de acordo com estes pressupostos ideológicos». E acrescentou, crítico, esta solução corresponde a algo «completamente sintonizado»  com o «início do séc. XX».

Manuel Loff, historiador e professor universitário, que já foi várias vezes candidato independente pelas listas da CDU, reconheceu que, tal como a maioria das pessoas, não conhecia o novo secretário-geral, mas fez questão de assinalar, que isso não significa que não seja capaz para a tarefa.

*Texto editado por Sónia Peres Pinto