Filhos à consignação

O Governo cumpriu o primeiro mês de exercício de funções. Um mês é muito pouco tempo para balanços. Podemos apenas observar que os ministros que se mostram na televisão têm olheiras profundas e parecem mais magros.

estavam avisados: o anterior ministro das finanças tinha dito que os próximos, fossem quem fossem, não teriam sequer tempo para se sentar. confirma-se.

mas confirma-se também que é o tempo daqueles que não têm qualquer responsabilidade nas datas acordadas com a troika. nem na dimensão da dívida externa. e, não tendo sobretudo qualquer capacidade para ajudar a resolver o problema económico-financeiro na sua dimensão macro, dizem como jorge sampaio: «há mais vida para além da dívida».

passo a recontar uma história verdadeira, que me chegou através de mão amiga.

o antónio tem cerca de 15 anos. re- beldes como todos os 15 anos. e talvez um pouco mais agressivos, por uma história vivida com adultos falhados à sua volta.

é filho adoptado, que não correspondeu ao ‘boneco’ que os pais tinham imaginado para o seu menino.

há quase um ano, não sei porquê, deu entrada no centro de acolhimento temporário (cat) de uma instituição de lisboa.

aluno razoável, pensaram os técnicos que se tratava de uma crise passageira que seria remediada. enganaram-se.

sucede que o adolescente, encaminhado para situação de internamento aos 15 anos, filho de pais adoptivos com situação económica desafogada, faz agora um cruzeiro com a mãe – que em contexto de prazer o exibe, bem vestido e perfumado, chamando-lhe filho.

que me perdoe o meu amigo luís vilas-boas, mas nunca concordei com aquela parte da lei que permite a cidadãos adultos levarem filhos à consignação.

ninguém tem saudades daquilo que nunca teve. mas tem-se revolta perante a hipocrisia de quem nos chama filho sem nos amar.

quantos filhos nesta situação não pensarão da mãe (ou do pai): «quando a testei, vendo se era a mim que amava ou à imagem narcísica de si própria reflectida em mim, ela desistiu e devolveu-me ao remetente».

o que significa um internato assistencial para um adolescente de quinze anos cuja ‘mãe’ não o sabe ajudar a crescer mas lhe paga férias em cruzeiros?

em meu nome – e em nome do antónio que não conheço – peço a alteração da lei da adopção no que a esta vertente concerne.

no diário de notícias de 28 de julho, celeste cardona dá notícia das suas preocupações com o número sempre crescente de crianças em situação de acolhimento, vulgo ‘internadas’.

por motivos diferentes (ou talvez exactamente pelos mesmos), junto a minha voz à sua, apelando ao governo para que, «de acordo com o seu programa, não deixe de sujeitar a lei da adopção à respectiva avaliação de eficácia e de eficiência».

não podemos perder de vista a nossa maior riqueza apenas para pagar dívidas que não fizemos.

os portugueses, sobretudo os jovens mal-amados, são indiscutivelmente mais importantes do que o fmi, o bce e a própria comissão, sem os quais se viveu durante muito tempo.

a educação de uma criança numa instituição custa o dobro do que custaria numa família de classe média.

conheço histórias semelhantes à do antónio, e as consequências são trágicas.

as crianças deste país precisam mesmo de um provedor da criança, que lhes dê voz audível. porque a delas só se faz ouvir quando começam a transgredir as leis que foram feitas por senhores e senhoras bem pensantes – mas com a memória embotada no que respeita ao que sentiram e viveram nas suas próprias adolescências.

catalinapestana@gmail.com