Os destinos cruzados de Durão e Guterres

Durão Barroso e António Guterres podem estar no caminho um do outro. Resta saber para que cargo. Ambos são dados como possíveis candidatos às presidenciais de Janeiro de 2016. Mas são também falados para um cargo que só estará vago a 31 de Dezembro de 2016, o de secretário-geral da ONU.

Os destinos cruzados de Durão e Guterres

Durão Barroso não se esquiva a essa possibilidade. Quando confrontado pelo SOL com a ideia de suceder a Ban Ki-moon, é um sorriso que responde à insistência das perguntas sobre se o lugar está fora das suas ambições. “Não falo sobre hipóteses que são para já irrealistas”, remata, depois de explicar que “o mais provável é que o próximo líder seja da Europa da Leste”.

A resposta de Barroso tem em conta uma ideia que corre nos meios diplomáticos segundo a qual deveria ser um europeu de leste a suceder ao coreano Ban Ki-moon. A tese tem, contudo, sofrido variações, desde que o polaco Donald Tusk foi nomeado presidente do Conselho Europeu, entregando assim à Europa de Leste um cargo importante no xadrez internacional.

A nomeação de Tusk dá, por isso, alguma força à ideia de que um português como Barroso ou Guterres podem aspirar a esse cargo. E ambos têm argumentos a seu favor.

Pontos a favor de Barroso

Durão pode tentar influenciar Washington – a par de Pequim o voto mais importante na eleição do secretário-geral da ONU – através de João Vale de Almeida. Barroso deu-lhe o lugar de representante da União Europeia nos Estados Unidos, um cargo que dificilmente teria ido para um português se o presidente da Comissão não fosse da mesma nacionalidade. Agora, Vale de Almeida é falado para ir para a ONU e pode ser uma peça importante nesta estratégia.

Mas se desde a Cimeira das Lajes, nos Açores, que as relações entre Durão e Washington são próximas, o mesmo não se pode dizer com o Kremelin.

Um recente incidente com Vladimir Putin, no qual o presidente russo acusou Durão de divulgar uma conversa privada sobre a Ucrânia, fez tremer as relações do presidente da Comissão Europeia com o leste. Esse pode, porém, não ser necessariamente um problema, se Washington decidir apoiar um candidato sem medo de enfrentar a Rússia.

Um apoio com que Durão não deverá contar é o do Reino Unido. Os embates entre Barroso e David Cameron à volta das restrições às migrações e do orçamento europeu deterioraram as relações com Londres nas últimas semanas.

Mas há outros pontos fracos de Durão Barroso. É considerado rosto da Europa, está muito associado às políticas de austeridade e ganhou anticorpos graças à Cimeira das Lajes – onde apoiou a invasão do Iraque, ao lado de Tony Blair e George W. Bush. Até agora, os secretários-gerais da ONU têm sido personalidades com perfis muito mais discretos.

E se manter um low profile é um requisito, esse é um aspecto que dá pontos a favor de Guterres, que não é tão conhecido internacionalmente como Durão, mas tem feito um percurso sólido à frente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). O cargo, que lhe valeu prestígio na estrutura interna da ONU, termina este ano e nos últimos meses têm sido várias as notícias que falam da possibilidade de suceder a Ban Ki-moon.

O apoio de Ramos-Horta

Até agora, o socialista tem estado em silêncio sobre o assunto, mantendo também em aberto a hipótese – muito defendida no PS – de ser candidato a Belém. “Não quero ser candidato [nas presidenciais], mas não faço juras eternas; há sempre uma probabilidade, mesmo que mínima, de isso acontecer”, dizia António Guterres em Maio à Sábado.

Para já, os dois portugueses são a aposta do timorense Ramos-Horta, que chegou a ser falado para liderar a ONU, para assumir o lugar que ficará vago em 2016. “Depois de Ban Ki-moon será a vez de um europeu. E na Europa defenderei acerrimamente dois candidatos: Durão Barroso ou António Guterres. Em termos de qualificações, não vejo ninguém na Europa que possa bater Barroso ou Guterres”, defendeu Ramos-Horta em 2012, em entrevista ao Público.

Em Bruxelas não falta quem veja em Durão Barroso mais vontade de tentar chegar a secretário-geral da ONU do que em regressar à vida política portuguesa. A comprová-lo, dizem fontes de Bruxelas, estão as inúmeras viagens que fez neste seu último mandato a países fora da União Europeia (UE).

O discurso que fez esta terça-feira no Centro de Artes Bozar, em Bruxelas, mostra, aliás, um Durão Barroso preocupado com as questões internacionais. O tema era Uma Nova Narrativa para a Europa, mas o presidente cessante da Comissão Europeia dedicou grande parte das suas palavras a matérias que extravasam as fronteiras da UE. Temas como o terrorismo, a xenofobia, os nacionalismos, a crise na Ucrânia, a fome no Terceiro Mundo e as alterações climáticas fizeram parte de um discurso que parecia piscar o olho a um lugar na ONU.

Mesmo que as possibilidades de um português chegar à liderança das Nações Unidas sejam – como diz o próprio Barroso – “irrealistas”, estar entre os nomes de que se fala para suceder a Ban Ki-moon pode ser importante para o seu futuro como conferencista. Durão está a preparar-se para dar palestras e aulas pelo mundo (ver pág. 6) e toda a publicidade à volta do seu nome será positiva para ser requisitado para este tipo de eventos.

Nesta semana, uma brincadeira organizada pela sua equipa na Comissão – auto-designada Team Barroso – dá espaço para especular que a ONU está dentro dos horizontes de Durão.

Num jantar privado de despedida, esta quarta-feira, os membros do gabinete fizeram uma paródia à música dos Pet Shop Boys, Go West (Vai para Ocidente), mudando-lhe a letra. “(Together) We will start life new”, cantaram os barrosistas, exortando Durão a encontrar um sonho lúcido (“find the lucid dream”).

Resta saber se será “lúcido” sonhar com a ONU e se o cargo vai para alguém do ocidente, como na letra inventada pelos barrosistas para música dos Pet Shop Boys, ou se será mesmo para um político que venha do Leste.

De qualquer modo, o homem que ficou conhecido como o cherne – graças ao poema Sigamos o Cherne de Alexandre O'Neill, dito pela mulher de Durão, Margarida Sousa Uva, na campanha para as legislativas de 2002 – usou também a poesia na despedida de Bruxelas para falar do futuro. O poema escolhido – Recomeçar, de Miguel Torga – mostra que Barroso, sonha alto: “Nunca saciado/Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar/ Sempre a sonhar e vendo/ O logro da aventura/ És homem, não te esqueças!/ Só é tua a loucura/ Onde, com lucidez, te reconheças”.

margarida.davim@sol.pt