Porque, se o PSD e o CDS ficassem a governar em minoria, seria um inferno – mesmo com um acordo com o PS.
Porquê?
Porque o PS estaria sempre com um pé dentro e outro fora.
Veja-se o que aconteceu na legislatura anterior: tendo sido o PS a chamar a troika, rapidamente arranjou maneira de se desresponsabilizar – começando a atacar o Governo que cumpria o programa que ele próprio tinha assinado!
Para justificar a cambalhota, o PS argumentou que o Governo estava a ir “além da troika”.
O que era obviamente uma mentira: como se sabe, Portugal ficou sempre aquém das metas impostas pela troika, quer no défice quer nas reformas estruturais.
O ‘além da troika’ foi um embuste arranjado pelo PS para poder fazer oposição.
Imagine-se o que aconteceria agora se a coligação dependesse do PS para governar.
A todo o momento os socialistas arranjariam pretextos para roer a corda.
Por isso, é ótimo o PS disponibilizar-se a formar Governo com o PCP e o BE.
Porque aí as dores de cabeça passam a ser de António Costa.
Que vai sofrer (em dose dupla, tripla ou quádrupla) o que a coligação sofreria.
Costa nem sabe no que se vai meter, tendo de governar o país – que ainda tem problemas muito difíceis para resolver – sempre dependente do apoio de dois partidos radicais.
A coligação de esquerda repousa, aliás, sobre um paradoxo.
PCP e BE comprometem-se a ser muletas do Governo socialista – mas afirmam em simultâneo que “não abdicam da sua natureza” revolucionária.
Ora, como é possível ao mesmo tempo ser revolucionário e apoiar o poder?
Como é possível repudiar o capitalismo e cumprir as ‘imposições da Europa capitalista’?
Vejam-se estas declarações de Catarina Martins ao DN:
“Nós não levamos muito a sério as metas da União Europeia porque ela não as leva a sério. Ninguém cumpre as metas, o Governo da direita não as cumpriu uma única vez”.
Mas mais adiante: “Estamos muito interessados na consolidação das contas públicas, porque quando não há o país fica mais dependente de fatores externos e perde soberania”.
Ou seja, Catarina diz uma coisa e o seu contrário.
E com o PCP passa-se o mesmo ou pior.
Jerónimo de Sousa já disse, preto no branco, que só apoiará “as medidas que beneficiem o povo português”.
Ora, o que acontecerá quando Jerónimo achar que certas medidas exigidas por Bruxelas não convêm aos portugueses?
Em princípio, rejeita-as.
E o que acontecerá a seguir?
O que fará Bruxelas?
É assim que vai viver António Costa – permanentemente entalado entre Bruxelas e a extrema-esquerda, tendo de negociar medida a medida com o PCP e com o BE.
Alguém acredita que isto possa durar muito?
Não invejo o líder do PS.Ele presta um serviço à direita, dispensando-a de governar em minoria.
E quando o seu Governo cair, por implosão ou por imposição exterior (por exemplo, a subida descontrolada dos juros da dívida), a direita vai outra vez ter condições para governar em maioria.
É claro que, aí, vai ser preciso começar outra vez do princípio – porque os cofres cheios por Maria Luís Albuquerque estarão de novo vazios.
De facto, o Programa de Governo divulgado pelo PS representa uma cedência em toda a linha ao PCP e ao BE, e tem por trás uma ideia suicida: voltar para trás em tudo.
No ponto em que estamos, um Governo de esquerda inteligente só poderia ter uma atitude: aproveitar o que a direita fez em termos de medidas impopulares – e ir depois inflectindo lentamente, aqui e ali, no sentido das políticas que preconiza.
Mas não: o PS decidiu regressar ao passado rapidamente e em força.
Fazer tábua rasa de tudo o que foi feito.
Até a privatização da TAP vai ser anulada, ficando o novo Governo com mais um bico-de-obra para resolver.
É este um dos grandes problemas de Portugal: estar sempre a voltar ao princípio.
Ora, quem acredita num país que não consegue manter um rumo?
O grande derrotado
O grande derrotado destas negociações do PS com a extrema-esquerda foi o coordenador do programa económico do Partido Socialista, Mário Centeno.
Talvez por isso, a cada reunião com o PCP ou com o BE em que ele participava, as olheiras cresciam-lhe mais. No fim, já lhe davam quase pelo meio da cara…
Julgo que Mário Centeno foi escolhido para chefiar o grupo de economistas encarregado de elaborar o programa económico socialista pelo seu perfil moderado ou mesmo liberal – capaz de compensar o ímpeto revolucionário de militantes como João Galamba.
Assim, embora muito voluntarista, o programa incluía algumas medidas destinadas a suscitar a simpatia dos empresários, tais como o despedimento conciliatório ou a descida da TSU.
Eram sinais de que o PS não estava só a pensar nos trabalhadores mas também nas empresas.
Ora, depois das negociações com a extrema-esquerda, todos estes sinais desapareceram.
E outros, como os círculos uninominais – que mostravam uma vontade de dar maior estabilidade ao poder político -, também caíram.
Em suma, o PS cedeu em toda a linha às exigências de comunistas e bloquistas.
Se o programa de Centeno já era arriscado, pois baseava-se muito no aumento do consumo, este é arriscadíssimo.
Ao redistribuir ainda mais rendimentos, num prazo mais curto, o estímulo ao consumo ainda é maior.
E isto, somado à hostilidade que se percebe em relação aos empresários, é uma autêntica bomba relógio.
Num sistema capitalista, o Governo tem de parecer amigo das empresas, pois são elas que investem e que criam emprego.
Não é com vinagre que se apanham moscas.
Este modelo que o Programa de Governo do PS propõe não vai estimular o investimento dos empresários portugueses em Portugal e muito menos o investimento estrangeiro.
E, por isso, a criação de emprego e o crescimento serão uma miragem.
O que vai acontecer é o aumento rápido do consumo e o consequente aumento das importações.
E as exportações também poderão cair, pois cresceram muito nos últimos quatro anos exatamente por causa da retração do mercado interno.
Ora, com as importações a crescer e as exportações a cair, a balança comercial – que estava positiva ao fim de décadas – voltará a desequilibrar-se, fazendo aumentar a dívida externa.
Julgo que pior cenário para o país não poderia haver.
Mário Centeno tentou esconder na terça-feira a sua clamorosa derrota com um discurso pouco elegante e despropositadamente agressivo.
Por isso, prefiro citar um governante que foi ministro da Economia de um Governo socialista (Daniel Bessa): “Quanto mais estivermos preocupados em distribuir e menos cuidarmos de criar e de produzir, menos longe iremos”.
Para onde nos estarão a levar?