O que Cavaco pode exigir ao PS

Os conselheiros mais próximos de Cavaco defendem que o Presidente da República deve exigir condições a António Costa para o indigitar como primeiro-ministro.

Alguns dos constitucionalistas mais ouvidos pelo Presidente entendem que a Constituição dá margem a Cavaco Silva para fazer depender a posse de Costa de uma série de garantias concretas. Blanco de Morais, Paulo Otero, Jorge Pereira da Silva e Miguel Nogueira de Brito são unânimes ao considerar que Cavaco tem margem para impor condições ao secretário-geral do PS.

Mesmo que na Constituição isso não esteja preto no branco, Paulo Otero entende que o Presidente pode “impor condições de vário género” para dar posse a um governo. “Não só da Constituição escrita vive um país, há convenções e precedentes constitucionais”, frisa o jurista, defendendo que “o Presidente não está obrigado a escolher para primeiro-ministro quem uma maioria lhe impuser”.

Jorge Pereira da Silva diz mesmo que o Presidente tem “uma dupla prorrogativa”, a de interpretar os resultados eleitorais e a de “fazer uma avaliação das soluções governativas”.

Dentro deste espírito, Paulo Otero diz que Cavaco pode impor “condições políticas” que vão do respeito pelos tratados e compromissos internacionais até à exigência “da aprovação rápida do Orçamento do Estado de 2016, já que depois desse já não será ele o Presidente”, passando por coisas tão concretas como “respeitar o limite do défice” ou “a não reversão da privatização da TAP” pelas consequências financeiras que isso teria.

Pereira da Silva faz, contudo, uma ressalva, lembrando que “é ao Parlamento que cabe apreciar o programa de governo, pelo que o Presidente não pode pedir a Costa que antecipe esse programa”. Ou seja, o constitucionalista da Católica entende que o Presidente pode fazer exigências ao líder do PS, desde que “não entre em áreas setoriais”, mas apenas em questões políticas sobre “a coerência e a estabilidade” dos acordos à esquerda.

Carlos Blanco de Morais afirma mesmo que o Presidente “pode impor condicionalismos à formação do Governo”, tendo em conta que o partido que será convidado a formar governo “foi o segundo mais votado e não tem nenhum acordo maioritário de coligação”.

 Recordando o nosso sistema semipresidencialista, Blanco de Morais considera que “o poder de escolha de que o Presidente dispõe é ainda mais reforçado pelo facto de estar impedido de dissolver a Assembleia”, defendendo que Cavaco “não ficou de modo algum diminuído no seu poder de designação do chefe de Governo”.

Blanco de Morais considera que o chefe de Estado “pode impor condições máximas, como uma coligação formal entre partidos ou uma maior definição do acordo; ou condições mínimas como, por exemplo, uma moção de confiança”. Mais: acha que a possibilidade de isso acontecer é alta. “Não me espantava que o Presidente colocasse uma série de condicionalismos”, antecipa.

Miguel Nogueira de Brito está também entre os que defendem que  “em tese o Presidente pode exigir mais condições” a Costa “e nada o impede de o fazer”.

Conselheiros de Estado têm reservas

Contudo, Nogueira de Brito sublinha que “não há balizas explícitas na Constituição” e que “depende muito da apreciação política que for feita pelo Presidente da República”. O constitucionalista explica que “esta matéria é precisamente onde acaba o direito constitucional e começa a política constitucional”, para concluir que “é daqueles casos em que o Presidente tem mesmo de decidir”.

Alguns conselheiros de Estado, todos da área da direita, também preferem que Cavaco peça mais condições ao PS. Entre essas condições está, segundo um conselheiro de Estado ouvido pelo SOL, a participação no Governo de BE e PCP e a assinatura de uma declaração onde reafirmem os compromissos europeus e a política externa.

Outro conselheiro de Estado, Marques Mendes já tinha dito na SIC que o acordo “está cheio de buracos como um queijo suíço” e por isso Cavaco deve exigir condições “mínimas”, como a aprovação do Orçamento do Estado, a votação de uma moção de confiança no dia do programa do Governo e que se entendam sobre as leis vindas do executivo e quanto ao Programa de Estabilidade.

Caso essas condições falhem, “ninguém poderá acusar o Presidente de não dar posse a Costa”, refere ao SOL um conselheiro conotado com a direita. Seja qual for a decisão de Cavaco, o mesmo conselheiro acredita que o Presidente teria respaldo da maioria do Conselho do Estado, se o reunisse: “Se for uma proposta equilibrada e defendida terá uma maioria relativa significativa”.

Nem todos pedem mais condições, mas há mais quem aponte as fragilidades do acordo. Francisco Pinto Balsemão, por exemplo, falou ontem para dizer que  “não podemos perder tudo o que foi conquistado com tanto esforço dos portugueses”, defendendo que é preciso “garantir um bom ambiente empresarial, sindical e uma estabilidade política”. Na mesma linha, Bagão Félix considera que o acordo é de “curto prazo” porque “não há alusão a reformas sistémicas, não há alusão ao sistema financeiro, não há alusão à divida pública, não há alusão às questões europeias”. Também Vítor Bento descreve o acordo de esquerda como “frágil”, não vendo nele a garantia de estabilidade necessária.

Sampaio arrependido

Quando em 2004 Jorge Sampaio indigitou Santana Lopes como primeiro-ministro fê-lo definindo um conjunto de matérias que ficaram sinalizadas no discurso da tomada de posse. Mas, seis anos mais tarde, numa entrevista ao Público, o ex-Presidente confessou-se arrependido. “Foi um erro”, assumiu Sampaio, que se justificou com a “ansiedade” que sentia para ir “mais longe do que devia”.

Sampaio explicou, então, o pensamento que o levou a fazer esse discurso. “Quer dizer: eu vou dar posse a estes senhores, porque me dizem que a maioria vai funcionar, mas vai funcionar, porque eu entendo que é preciso que ela funcione desta e desta maneira. Como se fossem responsáveis perante mim, e eu sabia perfeitamente que não eram. Mas quis dar este grito de alerta: isto não pode agora descambar, porque está muito difícil”.

Caso Cavaco decida impor condições, como lhe sugerem muitos dos seus conselheiros, o processo de formação de governo poderá arrastar-se mais algum tempo, já que será preciso que Costa volte a negociar com a esquerda para respeitar as exigências do Presidente. De resto, fontes de Belém asseguram ao SOL que não é provável que haja indigitação nos próximos dias.

*com Sónia Cerdeira

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