Como a esquerda marca terreno sem fazer cair o Governo

     

“A geringonça é como os carrinhos das feiras. Feitos para apanhar pancada de todo o lado e não se partir”, dizia há tempos um deputado do PS. As iniciativas dos últimos dias vêm dar-lhe razão. Primeiro foi a proposta de nacionalização do Novo Banco pelo PCP, agora é o BE que quer ouvir de urgência o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal sobre a venda do banco bom do BES e… novamente o PCP que no último minuto apresentou uma proposta de aumento de 10 euros a todos os pensionistas com reformas inferiores a  5549,34 euros, que faria disparar o défice em 0,3 pontos percentuais.

O fogo amigo que vem das bancadas dos partidos que apoiam o Governo não chega, porém, a ser ameaçador. No caso da proposta de aumentos no valor de 500 milhões de euros por ano para os pensionistas, o chumbo é quase certo. Quase, porque Pedro Passos Coelho já anunciou que o PSD se iria abster nas votações do Orçamento na especialidade. Se sociais-democratas e centristas aprovarem esta proposta de alteração ao Orçamento dos comunistas, António Costa terá uma verdadeira dor de cabeça. Mas como isso não deve acontecer, pode respirar de alívio, ao mesmo tempo que o PCP mostra ao seu eleitorado que continua a bater-se por uma “política patriótica e de esquerda”.

Também sem hipóteses de passar está a proposta do PCP para nacionalizar o Novo Banco. É certo que o BE vai votar favoravelmente, mas o PS continua a defender que se deve tentar tudo para vender o banco e que mantê-lo na esfera pública seria sempre a última hipótese a considerar. À direita o chumbo também está garantido. E Costa pode continuar a dar mostras a Bruxelas de que está a fazer tudo para alienar o Novo Banco até à nova data estabelecida: Agosto de 2017.

O Novo Banco parece, de resto, um dossiê complicado à esquerda, com PCP e BE alinhados na ideia de que o melhor negócio para os contribuintes é a nacionalização. Estas tomadas de posição não devem, contudo, beliscar a estrutura política sobre a qual assenta a geringonça.

O Novo Banco não faz parte dos acordos à esquerda – como os aumentos dos pensionistas também não fazem – e é por isso possível a PS, BE e PCP manter posições divergentes sem que isso tenha consequências na estabilidade governativa.

“Temos uma diferença clara com o Governo e temos feito disso um tema”, assume o deputado do BE, Jorge Costa, lembrando que o Novo Banco está nos outdoors espalhados pelo Bloco pelas ruas. Mas esta “divergência com o PS e o Governo”, como explica o bloquista, “não muda nada” na relação de apoio parlamentar ao Executivo.

“Vamos continuar a defender a nossa posição, até porque há cada vez mais gente no PS e na direita que percebe que é um erro vender o NB”, declara Jorge Costa.

O BE não vai deixar cair a bandeira da nacionalização do Novo Banco, mas esse não será um momento de tensão com António Costa, até porque o assunto já não terá de ser alvo de qualquer votação na Assembleia da República. O processo está nas mãos de Sérgio Monteiro – o ex-secretário de Estado de Passos Coelho –, que foi mandatado pelo Banco de Portugal para concretizar a venda e será preciso apenas o aval do Conselho de Ministros relativamente ao modelo que for encontrado para a alienação.