A interminável semana não acabou

Demissões, ministros a ‘abanar’, polémicas e  trapalhadas. Os últimos sete dias do Governo foram os piores e a próxima semana traz vários testes à solidez do Executivo.

A interminável semana não acabou

«De mal a pior», «semana horribilis», «não há nada que não nos aconteça». Três expressões de responsáveis e deputados socialistas que mostram o descontentamento, à mistura com alguma resignação. Houve três demissões – a do ministro João Soares, a do Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Carlos Jerónimo, e a do secretário de Estado do Desporto, João Wengorovius Meneses – e houve um ministro debaixo de fogo – Azeredo Lopes.

Ontem, no debate quinzenal, António Costa enfrentou uma barreira de críticas da oposição. Clamou que o PSDe o CDS «optavam pela espuma dos dias» em detrimento das questões importantes. É difícil dar razão ao primeiro-ministro, numa semana em que o Governo foi criando casos ou consumindo-se em fogos antigos.

Como o da situação laboral de Lacerda Machado, o ‘amigo de confiança’ de António Costa que tem trabalhado para o governo em dossiês sensíveis como a TAP, o BES e o BPI, sem vínculo com o Estado. O PM anunciou numa entrevista ao DN que o advogado passará a ter contrato que oficializa as suas funções, com um ordenado de dois mil euros, mas o caso vai ter de ser esclarecido por Lacerda Machado no dia 27, no Parlamento. Entretanto, soube-se ainda que o contrato do advogado inclui uma cláusula de transparência: todas as comunicações ficarão registadas por escrito. Dificilmente a polémica ficará por aqui.

As provações de António Costa incluíram ainda a desagradável experiência no primeiro Conselho de Estado de Marcelo. Oconvidado Mario Draghi elogiou as reformas do anterior governo e alertou para a situação frágil do país. O primeiro-ministro reagiu, na entrevista ao DN, com uma proposta de criação de um banco mau para absorver o crédito malparado da banca. Uma proposta que ontem, no Parlamento, indicou que não está fechada. A situação da banca, porém, terá de ser resolvida e o Bloco de Esquerda sinalizou a dificuldade em alinhar com o primeiro-ministro.

As notícias da degradação dos números das previsões económicas apontaram nos últimos dias para a necessidade de rever as contas do governo. A discussão do Programa de Estabilidade, no dia 27, vai trazer mais achas para a fogueira.

No debate quinzenal de ontem, o primeiro-ministro disse que o PEC não trará mais austeridade ou aumentos de impostos. Mas alertou para a revisão em baixa das previsões económicas, afirmando que haverá consequências. A próxima semana poderá trazer más notícias.

«Havia a ideia de que quando começassem os problemas a crise viria dos parceiros da ‘geringonça’, mas não foi bem assim», resume um deputado. De facto, tanto no caso do «par de bofetadas» que João Soares ofereceu no Facebook como nas demissões que se seguiram, os problemas vieram do interior do Governo.

Ótimo com Costa, péssimo com Brandão Rodrigues 

João Soares bateu a porta com estrondo, depois da reprimenda pública por António Costa. «Demito-me também por razões que têm a ver com o meu respeito pelos valores da liberdade. Não aceito prescindir do direito à expressão da opinião», escreveu o ministro da Cultura.

Também o caso da revolta dos militares teve na origem um ‘ralhete’ público: o do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, ao CEME. O ministro aguentou-se e o Bloco de Esquerda deu-lhe uma boa ajuda. «O ministro da Defesa teve uma atitude exemplar quando disse que não podia haver discriminação homofóbica numa escola tutelada pelo seu ministério», elogiou o bloquista José Soeiro.

A demissão de João Soares e saída do CEME tem ‘sequelas’ marcadas para o Parlamento: audições dos responsáveis, pedidas pela oposição, para apurar factos e, claro, fazer estragos políticos.

Outro membro do Governo que ‘abanou’ nestes dias foi um dos elementos mais contestados, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. Na hora de bater com a porta, o seu secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Wengorovius Meneses, revelou no Facebook que saía «em profundo desacordo» com o ministro.

A história completa-se com o estranho caso do chefe de gabinete que Brandão Rodrigues impôs ao secretário de Estado. E fica uma interrogação no ar: se Wengorovius cumpriu funções idênticas na câmara de Lisboa, sob as ordens de António Costa, porque não terá conseguido integrar-se com este ministro?

Por falar em ministros a abanar, a semana não fica completa sem falar de Mário Centeno. O PSD acusou-o de mentir na Comissão de Inquérito ao Banif, mostrando um email do BCE que contraria o que Centeno disse aos deputados. O ministro está disponível para esclarecer no Parlamento. Com tanta polémica em curso, talvez não haja agenda até ao final do mês.