75% dos deputados estão a tempo inteiro no Parlamento

A ida de Maria Luís Albuquerque para a Arrow Global, ao mesmo tempo que cumpre no Parlamento o mandato para o qual foi eleita em outubro, depois de ter sido ministra das Finanças, voltou a colocar na agenda o regime de incompatibilidades dos deputados.

O BE e o PCP querem proibir os deputados de terem qualquer outra ocupação profissional remunerada, enquanto PSD e CDS admitem reforçar a transparência, mas rejeitam essa exclusividade. Por seu turno, o PS pede alterações à lei no sentido de prevenir casos como o de Maria Luís (que foi trabalhar para uma empresa do setor que tutelou como ministra), mas não se compromete com o regime de exclusividade, que já foi proposto pelos bloquistas em 2014 mas que os socialistas chumbaram ao lado do PSD e do CDS.

O debate está relançado na comissão parlamentar eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas, criada sob proposta do PS, mesmo que a subcomissão de Ética tenha afastado que haja alguma incompatibilidade ou impedimento em Maria Luís Albuquerque assumir as funções de consultora da Arrow.

Advogados, comentadores, estagiários… e deputados

A ex-ministra, de resto, está entre os 24 deputados do PSD que declararam exercer outras funções remuneradas fora do Parlamento. Dos 230 deputados eleitos a 4 de outubro, 173 (75%) garantem cumprir o mandato a tempo inteiro. Apenas 47 (20%) declaram, nos registos de interesses entregues na subcomissão de Ética (e publicados no site da Assembleia da República) que acumulam os cargo de deputados com outras funções remuneradas. Além dos 24 (em 89 deputados eleitos) do PSD, contam-se 16 do PS (em 86), 6 do CDS (em 18) e 1 do PCP (em 15) que tem um trabalho pago extra-Parlamento. Na quarta-feira, dia em que o SOL consultou os registos de interesses, não eram conhecidos os dados relativamente a 10 deputados, em virtude de se encontrarem em regularização.

Entre os líderes parlamentares, os da maioria de esquerda – Carlos César (PS), Pedro Filipe Soares (BE) e João Oliveira ( PCP) –  estão em exclusividade. Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira, do PEV, também cumprem o mandato em exclusividade, tal como André Silva, do PAN.

António Filipe, do PCP,  é a exceção nos partidos à esquerda do PS, já que declara receber rendimentos da sua atividade como professor no Campus de Lisboa do Instituto Superior de Línguas e Administração, desde 2012.

 Tanto os líderes parlamentares do PSD como do CDS acumulam as funções no Parlamento com outras fora de São Bento. Luís Montenegro continua a exercer advocacia e Nuno Magalhães é, desde 2011, professor convidado na Universidade Lusófona.

Ao todo, são seis os deputados que dão aulas e são remunerados por isso. Mas há deputados que são docentes na universidade a título gratuito, como Jorge Moreira da Silva (PSD) e Pedro Soares (BE). A liderar o top das funções remuneradas extra-Parlamento está, sem grande novidade, a advocacia: 23 deputados declaram receber dinheiro por atividades ligadas ao exercício da sua formação académica. Marco António Costa (PSD) pediu em novembro do ano passado o levantamento da suspensão da inscrição como advogado na Ordem dos Advogados, o que lhe dá a possibilidade de voltar a exercer, agora que o seu partido regressou à oposição. Já Sérgio Sousa Pinto (PS), licenciado em Direito, está desde 2012 a fazer um estágio remunerado na sociedade de advogados Gomez-Acebo & Pombo.

O socialista não é o único estagiário na bancada do PS. Ivan Gonçalves, 29 anos, licenciado em Engenharia, faz um estágio remunerado desde junho do ano passado na EDP Distribuição, a mesma empresa onde já havia feito um estágio curricular, entre setembro de 2014 e março do 2015.

Entre as principais funções remuneradas dos deputados, estão ainda os economistas e gestores (três) e outras como comentadores de televisão (casos de João Galamba, do PS, e Telmo Correia, do CDS), escritores (Paulo Trigo Pereira, do PS), médicos (Isabel Galriça Neto, do CDS) consultores (João Rebelo, do CDS), arquitetos (Luís Vilhena, do PS) ou vereadores sem pelouro (Carla Sousa, do PS).

Há ainda casos de deputados que não indicam as funções remuneradas no capítulo das ‘Atividades’, optando antes por referi-las no dos ‘Cargos Sociais’. Neste campo, porém, contrariamente ao que acontece no primeiro, das ‘Atividades’, não há espaço para se declarar se a função é paga ou não. Está nesta situação Maria Luís Albuquerque: declara o cargo de administradora não executiva na Arrow Global como um cargo social e não com uma atividade remunerada, como já foi tornado público.

Apesar de tudo, a tendência dos últimos anos parece ser a de os deputados ficarem a tempo inteiro no Parlamento.

Em 2010, 57% tinham funções remuneradas

Em janeiro de 2010, o Correio da Manhã noticiava que, dos 230 deputados eleitos nas legislativas de 2009 – nas quais José Sócrates foi eleito para um segundo mandato, mas sem maioria absoluta –, 131 (57%) acumulavam o cargo com o exercício de outras funções remuneradas. Segundo o diário, o PS contava 56 deputados em part-time, o PSD tinha 49, no CDS havia 16, no BE contavam-se seis e o PCP tinha quatro.

«Ser deputado é ser deputado, não é ser deputado em part-time. Porque, para isso, existiam, ou existem, as câmaras dos lordes, mas nós somos um Parlamento democrático» – notou Jaime Gama, então presidente da Assembleia da República, reagindo ao coro de críticas que se levantou quando o Parlamento quis limitar as justificações  aceitáveis para as faltas dos deputados.