Como Marcelo segurou Centeno

Marcelo Rebelo de Sousa tinha começado por evitar assumir o papel que teve no apoio ao ministro das Finanças. “Sobre isso não me pronuncio”, foi repetindo à porta do São Carlos, aos jornalistas que tentavam perceber de que forma estava o Presidente da República a acompanhar o caso depois de Mário Centeno ter chamado a…

 

Com António Costa ausente em visita às tropas portuguesas na República Centro Africana, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu o protagonismo da gestão da crise em torno do alegado acordo entre Mário Centeno e António Domingues para isentar a administração da CGD da apresentação de declarações de rendimentos. Sempre em contacto com o primeiro-ministro, o Presidente da República passou os últimos dias a recolher informação sobre o caso, ouvindo os vários intervenientes, para ter a certeza de que não apareceria o “documento escrito” que pudesse desmentir a tese do ministro de que esse acordo nunca existiu.

No comunicado ontem divulgado no site da Presidência, Rebelo de Sousa acaba por resumir parte dessas diligências, assumindo ter recebido Centeno em Belém antes deste falar aos jornalistas.

Não é normal que um Presidente da República receba um ministro em Belém, uma vez que quem responde pelo Governo perante a Presidência é apenas o primeiro-ministro. Por isso e quando nos jornais já se noticiava o encontro com Mário Centeno à hora de almoço de ontem, o Presidente deixou claro na sua nota que “recebeu, a pedido do senhor primeiro-ministro, o senhor ministro das Finanças”.

Marcelo dá aqui uma informação importante, que mostra a que ponto tomou as rédeas do caso: revela que Centeno “lhe deu conhecimento prévio da comunicação que iria fazer ao país”, numa referência que deixa antever concordância com a argumentação do governante e a ideia de que se alguma vez Domingues assumiu que havia um acordo para o isentar da obrigação de apresentar declarações de rendimentos isso se deveu a um mal-entendido, um “erro de perceção mútuo”.

Depois dessa nota, Marcelo conta a história em cinco pontos, a começar pelo facto de ter registado “as explicações dadas pelo senhor ministro das Finanças, bem como a decorrente disponibilidade para cessar as suas funções, manifestada ao senhor primeiro-ministro”.

Na sua comunicação ao país, Mário Centeno referiu que o seu lugar “está à disposição” desde que entrou em funções, mas afasta a ideia de ter alguma vez pedido a demissão. Mas a forma como Marcelo conta a história dá a entender que pode ter havido um pedido de demissão em cima da mesa.

No site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa frisa novamente que o Governo lhe transmitiu que a alteração do Estatuto do Gestor Público nunca foi a de “revogar nem alterar o diploma de 1983, que impunha e impõe o dever de entrega de declarações de rendimento e património ao Tribunal Constitucional”. “Posição essa, desde sempre, perfilhada pelo Presidente da República – aliás, como óbvio pressuposto do seu ato de promulgação – e expressamente acolhida pelo Tribunal Constitucional”, vinca o Presidente.

Marcelo usa, de resto, a expressão escolhida pelo ministro de Costa para justificar o “eventual erro de perceção mútuo na transmissão das suas posições” a António Domingues.

No quarto ponto, Rebelo de Sousa reafirma que “a interpretação autêntica das posições do Presidente da República só ao próprio compete”, evitando especulações sobre a forma como se posicionou neste caso, depois das críticas que vieram do PSD ao seu alegado apoio a Mário Centeno.

O Presidente termina dizendo que depois de falar com Centeno voltou a ouvir Costa, “que lhe comunicou manter a sua confiança no senhor Professor Doutor Mário Centeno”.

Marcelo diz que “aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.