Bernardino Soares.: “Não tenho a menor dúvida que foi o PCP que levou a esta solução governativa”

O presidente da Câmara de Loures rejeita novo acordo com o PSD: “As posições da lista liderada por André Ventura são incompatíveis com a política da CDU”.

Qual foi a sua grande aposta para este mandato de recuperação de uma câmara que foi símbolo do poder autárquico da CDU e que esteve perdida durante três mandatos?

Neste mandato a nossa aposta foi recuperar a credibilidade da câmara. Nós encontramos uma câmara que, para além de uma situação financeira bastante difícil, com cerca de 67 milhões de euros de dívidas a fornecedores – não de dívida bancária –, tinha uma enorme falta de credibilidade perante as pessoas e as outras instituições. No final do mandato anterior, a principal razão pela qual as pessoas conheciam o concelho de Loures era a situação de favorecimento dos próximos. Foi o meu antecessor [Carlos Teixeira], ele próprio, que afirmou que tinha várias pessoas da família a trabalhar na câmara.

Entre os 67 milhões de euros, tínhamos algumas dívidas de há vários anos e chegamos ao final de 2016 sem dívidas a fornecedores. Hoje, estamos a pagar a menos de 30 dias. Fizemos isso com uma política de grande contenção e eliminação de gastos desnecessários. Poupámos dinheiro em combustível, em viagens, noutros consumíveis, encontramos formas de fazer contratos para a prestação de grandes serviços – fornecimento de gás, de combustível, seguros – com concursos mais bem preparados e em que passamos a trabalhar em conjunto com outras entidades, por exemplo, com os serviços intermunicipalizados, porque aumentando o volume do concurso a probabilidade de obtermos preços mais baixos nos concorrentes é maior e poupamos milhões de euros com essa política. Pagamos as dívidas com menos IMI e menos taxas, com um investimento nos trabalhadores –  já gastamos mais de meio milhão de euros em fardamentos e equipamentos de proteção. Este mandato foi marcado por um fortíssimo investimento em escolas, na revitalização dos centros urbanos, na rede viária que estava completamente abandonada há dez anos, (asfaltamos mais de 70 km da rede viária). Voltou a haver política cultural, que sempre foi uma das marcas do concelho de Loures e tinha desaparecido.

Como é que está a situação dos transportes?

É o principal problema que temos. Temos um concelho que é grande em termos de território e tem muita gente, com zonas fortemente densificadas, que têm um tipo de necessidades, e outras, rurais, que têm outro tipo. Temos aqui povoações que estão tão isoladas como nas zonas mais recônditas de Trás-os-Montes. Mas, talvez, o problema mais visível e mais premente seja a deslocação para Lisboa. Temos um conjunto muito grande de pessoas – 25% da nossa população pelo que foi possível apurar nos últimos estudos – que todos os dias se desloca para Lisboa, para estudar, para trabalhar e não há neste concelho alternativa ao transporte rodoviário que permita um acesso franco, barato, cómodo e rápido a Lisboa. Fizemos um trabalho muito forte para pôr este assunto na ordem do dia e julgo que o conseguimos. Os problemas não estão resolvidos, dependem de uma intervenção forte do poder central, do governo. Em relação à questão do metro, realizámos uma petição pública, lançada pela câmara –  aliás aprovada por unanimidade por todas as forças políticas – que reuniu em mês e meio mais de 30 mil assinaturas. Não podemos continuar a ter um concelho desprovido de uma alternativa ao transporte rodoviário. Esse investimento é benéfico, naturalmente, para a população de Loures, é benéfico para Lisboa – porque se Lisboa quer ter menos viaturas tem de ter alternativas para as pessoas lá chegarem – e é benéfico para a população a Norte e a Oeste – que se deslocam para Lisboa em viatura própria.

Nos últimos meses viu-se confrontado com casos de abusos e de perseguições a funcionários dentro da autarquia?

Não, isso é uma notícia completamente inventada a partir de não sei que declarações. Não tem nenhuma objetivação, não há nenhum caso concreto referenciado e denunciado e, nesta câmara, se houvesse alguma situação desse tipo, agiríamos imediatamente em conformidade. Esta é uma câmara que respeita todos os trabalhadores e não aceitamos que continue a desenvolver-se esse tipo de insinuações.

Não há processos disciplinares a decorrer?

Há processos disciplinares, claro que há, nós não favorecemos a impunidade. Se há um trabalhador que durante meses se ausenta do serviço sem qualquer justificação, tem que ter um processo disciplinar. Não estamos aqui para pactuar com quem não cumpre os seus deveres.

Acha que é isso que está em causa nas denúncias que nos chegaram dos próprios funcionários?

Não, não creio. O presidente recebeu aqui dezenas e dezenas de trabalhadores e continua a receber, com situações mais graves, outras menos graves, mas não há nada que se possa catalogar com essa definição. Havendo, terá que ser investigado e corrigidas as situações. Nós temos processos disciplinares, todas as instituições têm, o estranho seria não ter, porque isso significaria que as situações de incumprimento dos deveres não tinham nenhuma penalização. Estamos aqui para fazer cumprir as regras e quem é trabalhador do município tem direitos, mas também tem deveres.

Garante que não há um clima de mal-estar e de perseguições dentro da Câmara de Loures?

De maneira nenhuma.

Mesmo ligadas ao pelouro do vereador social-democrata?

O que há, nalguns serviços, é conflitos entre pessoas que não se dão bem, que têm esta ou aquela divergência, mas isso é normal numa câmara que tem mais de 2000 funcionários.

Tinha ouvido falar da situação antes de ser noticiada?

Já recebi imensas pessoas desse pelouro, mas isso não significa que essa situação seja verdadeira. Quando forem denunciadas com factos objetivos, o que faremos é abrir um processo de inquérito e averiguar. Depois chegaremos a conclusões e quem tiver responsabilidade terá de pagar por isso.

Como é que se apresentam provas de ameaças, de factos que acontecem entre pessoas?

O que é que me sugere, que penalize quem seja acusado? Não há nenhuma situação comprovada – e estou convencido que ela não existe – que se possa definir com essa tipificação. Há problemas de relacionamento entre as pessoas, não é desejável, mas infelizmente acontece.

É verdade que o plano de destruição de cadáveres da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária de Loures esteve parado alguns anos?

Quando nós cá chegamos a arca frigorífica do canil municipal estava sistematicamente avariada. Aliás, herança do executivo anterior, o canil não tinha rações para os cães, não tinha detergentes para a sua limpeza, estava absolutamente degradado e hoje a situação não é a ideal, mas mudou radicalmente. Foram feitas obras, há melhores instalações, há mais gente a trabalhar nesse serviço, há todos os materiais necessários e estamos a terminar o projeto para a construção do gatil, que é uma obrigação que o município tem e que neste momento não está ainda a cumprir porque não tem instalações.

Mas não me respondeu. É verdade ou não que esse plano de destruição de cadáveres não esteve a funcionar?

Não tenho conhecimento disso, o que sei é que houve dificuldades no início do mandato – até termos feito obras no canil – em lidar com cadáveres de animais, porque os equipamentos vinham fortemente fragilizados do mandato anterior.

E a recolha de resíduos da Veterinária Municipal? Deveriam ser recolhidos no máximo até sete dias para que não haja problema para a saúde pública…

Houve um período em que o contrato para a recolha já não estava em vigor e houve um problema com um concurso. Houve um concurso que ficou deserto, mas penso que agora o problema está resolvido e já se está a recolher esse tipo de materiais. De qualquer maneira, penso que nunca esteve em causa a saúde e a segurança dos trabalhadores. Nunca esteve em risco a saúde pública.

Qual é o balanço desta colaboração com o PSD?

No início do mandato fizemos propostas para a assunção de pelouros ao PS e ao PSD. Não foi possível chegar a acordo com o Partido Socialista, era uma situação em que o PS saía de 12 anos de presidência, percebo que não tivessem as condições ideais. Foi possível chegar a acordo com o PSD, com o dr. Fernando Costa, que foi o cabeça de lista do PSD há quatro anos. Em geral, a participação dos vereadores do PSD correu bem, não temos as mesmas opiniões sobre tudo, mas, na generalidade, foi possível sempre gerir com consenso e penso que isso trouxe estabilidade e beneficiou a necessidade que tínhamos de nos concentrar na credibilização, no pagamento das dívidas e no desenvolvimento dos investimentos.

Se se chama, em termos nacionais, geringonça ao acordo do PS com o Bloco de Esquerda e o PCP, o que é que se chama a um acordo entre CDU e PSD?

Chama-se uma coisa normal. Neste concelho todas as forças políticas já tiveram acordos. Já houve maiorias da CDU, já houve maiorias do PS com acordos com a CDU, já houve maiorias do PS com acordos com o PSD. Isso não é só aqui no concelho de Loures, se olharmos aqui à volta na área metropolitana de Lisboa, onde não há maiorias absolutas, o partido que tem maioria entra em entendimento com outros partidos. Isso é o funcionamento do poder local. Há proximidade, há necessidade de gerar consensos, isso é uma coisa positiva e normal, não tem nada de estranho.

Não há diversidade ideológica que impeça esse tipo de acordo?

Claro que há diversidades ideológicas e nós tivemos posições diversas, por exemplo, em relação a algumas decisões do governo anterior e cada um assumiu a sua posição. O que se aplicou foi o programa da CDU e foi possível encontrar consensos. E o PSD esteve disponível para isso, e acho que fez bem.

Está disponível para manter este acordo com o PSD se voltar a vencer a câmara?

Ainda estou para ver qual é o candidato à câmara do país que anuncia acordos antes das eleições, é até um pouco desrespeitoso para com os cidadãos. Não vale a pena estar a distribuir os ovos antes de a galinha os pôr.

Não acha que o eleitor deve saber à partida que o partido em que vai votar está disponível para ter acordos com outros partidos e quais?

É preciso olhar para esta situação com cuidado e respeito pelos eleitores. Por outro lado, temos na campanha em Loures uma situação particular em que, talvez, essa pergunta seja mais pertinente. Temos, como princípio, abertura para acordos em situações normais, mas o posicionamento do candidato André Ventura é incompatível com a política da CDU, não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. E, portanto, não vejo como é que as orientações políticas que o candidato André Ventura exprime, aliás em contradição com o que o PSD defendeu este mandato e, pelos vistos, até em contradição com a matriz nacional do PSD, que tem vindo a demarcar-se das suas afirmações – não só vários ilustres militantes, mas ontem mesmo [quarta] a direção do PSD e, portanto, tenho de dizer que as posições do candidato André Ventura são incompatíveis com a política da CDU.

Portanto, exclui a possibilidade de voltar a fazer um acordo com o PSD?

Quero dizer o que acabei de dizer, que as posições da lista liderada pelo candidato André Ventura são incompatíveis com a política da CDU. Não estou a ver como é que podemos entender-nos com alguém que defende aquilo que tem vindo a defender ao longo desta campanha eleitoral.

Se não vencer continuará em Loures como vereador?

Sim.

Não quer voltar à política nacional?

Não.

Quer desenvolver?

Desenvolver só enfraquece esta resposta: sim e não.

Por que não há réplicas em termos locais do acordo PS-PCP-BE se este tem funcionado em termos nacionais?

Porque as coisas são diferentes. Há um entendimento para essa política nacional e não há nenhum acordo em relação às políticas locais. No concelho de Loures seria desastroso o regresso do Partido Socialista, que deixou o concelho no estado em que o deixou há quatro anos.

Não seria bom, em termos autárquicos – para conquistarem câmaras à direita –, os partidos de esquerda terem esses acordos?

O projeto da CDU é autónomo e completamente diferente do dos outros partidos em matéria autárquica e, portanto, não se pode confundir – nem nunca se confundirá – com os projetos dos outros partidos se é que os têm, se não são apenas organizações para a conquista do poder em cada local. Nós temos um projeto próprio assente na participação, na gestão rigorosa e na defesa dos serviços públicos e isso torna-nos únicos e é por isso que a CDU tem uma implantação tão grande a nível autárquico e nacional, sendo de longe a terceira força política, com a presidência de 34 câmaras municipais.

Há mesmo um problema com a minoria cigana em Loures?

Não há nenhum problema por etnias em Loures. Eu julgo que a estigmatização só agrava a marginalização. É preciso enfrentar os problemas que existem e que não se resumem apenas a uma etnia. Não estamos aqui para esconder dificuldades, mas este é um concelho que tem vindo a diminuir todos os anos a criminalidade grave e violenta. A ideia de que estamos aqui a ferro e fogo é completamente errada e não há um sítio no concelho em que isso seja uma realidade. Julgo que quem procura catapultar essa imagem, que não corresponde à realidade, é porque quer aproveitá-la para as suas afirmações e propostas.

Já em 2008 o candidato do PS levantava a questão dos ciganos e à frente da presidência da câmara chegaram a estar famílias inteiras.

Por acaso não eram só famílias ciganas. Resumir os problemas que existem no concelho a esta ou àquela etnia é agravar os problemas e não ajudar a resolvê-los. Aliás, esse é o papel dos demagogos e dos populistas. Os demagogos e os populistas não querem resolver os problemas, querem aproveitar-se deles para se catapultarem – e é isso que tem acontecido com o candidato do PSD.

É verdade, como se dizia naquela altura, que a maioria não paga a renda dos apartamentos do município onde vivem?

Não é verdade. Temos, como qualquer município que tenha um elevado volume de habitações municipais, uma taxa de não pagamento que não desejaríamos ter. Devo dizer também que, ao longo de muitos anos – e estamos a procurar agora inverter isso –, a falta de investimento nos edifícios foi absolutamente gritante. E, portanto, quando o senhorio, que é a câmara, não arranja os esgotos, não arranja os telhados, não faz a manutenção do edifício onde as pessoas vivem, não está a incentivar ao pagamento, está a incentivar ao não pagamento. Para lhe dar números concretos, que é disso que devemos falar, nós temos vindo a aumentar a taxa bruta de cobrança, que inclui quer os juros quer os pagamentos atrasados dos anos anteriores, e ela está à volta de 60%. Se é o que gostaríamos de ter? Não é, mas é a situação que temos. Mais, temos vindo a desenvolver um trabalho muito intenso para recuperar dívidas anteriores e temos hoje em vigor mais de 600 planos de pagamento. Eu penso que esse é que deve ser o primeiro objetivo: fazer com que as pessoas paguem, mantendo-as na habitação que lhes foi atribuída por critérios previstos na lei. Quanto às situações em que não se consegue chegar a esse acordo, partimos para o contencioso. Neste concelho não há insensibilidade para as situações sociais nem impunidade. As habitações são um bem público e necessário, há muita gente a precisar ainda de ser realojada e se não há cumprimento dos deveres temos que exercer os direitos da câmara.

Isso é generalizado, ou seja, não tem nada a ver com a minoria cigana?

Não. Os pagantes são de todas as etnias e os devedores também.

Teme que argumentos populistas possam atrair o eleitorado numa altura em que o populismo e o discurso securitário estão em voga?

Eu acho que esse risco existe sempre, senão não havia o discurso do candidato André Ventura, que está aliás pouco preocupado com Loures e tem um deserto de ideias em relação a Loures. Procura alavancar a sua candidatura à volta da tentativa de aproveitar os problemas que existem para alicerçar um discurso populista e em muitos casos xenófobo. Há dias, e a propósito deste assunto, lembrei-me daquela quadra do António Aleixo que dizia mais ou menos assim: “Para a mentira ser completa e atingir profundidade é preciso trazer à mistura qualquer coisa de verdade”. Há quem use uma base real para fazer um discurso sobre uma dimensão do problema que não é real porque isso lhe interessa. Julgo aliás que este projeto político do candidato André Ventura tem pouco a ver com Loures, como penso que o futuro comprovará. Será, sem dúvida, um projeto para se transformar numa figura nacional do populismo e Loures é apenas um trampolim.

Acha que poderá ser um projeto-piloto para testar uma viragem à direita do discurso do PSD?

A liderança atual do PSD está sem discurso e pode ter a tentação de abraçar este discurso. Felizmente, digo eu, com todas as distâncias e divergências políticas que tenho com o PSD e com as pessoas do PSD, tem havido muitíssimos militantes do PSD, alguns de grande notoriedade, que têm rechaçado sem nenhuma hesitação este tipo de discurso. Julgo que o candidato a Loures do PSD não colhe dentro do próprio partido os apoios que gostaria de ter.

Recuperou a câmara há quatro anos com minoria, uma câmara que foi referência da CDU durante muitos anos. Porque é que a CDU perdeu influência?

Provavelmente, houve um momento político em que as pessoas entenderam que era preciso ter uma mudança. O certo é que muitas das pessoas com quem tenho contactado ao longo destes quatro anos perceberam que todo aquele património que Loures tinha conseguido com a CDU foi desbaratado ao longo desses 12 anos.

Tinha muita experiência política nacional quando chegou à câmara, mas não em termos autárquicos.

Eu não tinha experiência de cargos executivos. Já tinha sido eleito para uma assembleia de freguesia e tinha estado nos quatro anos anteriores na assembleia municipal. Esta função é muitíssimo exigente porque tem uma proximidade com as populações e com os problemas que obriga a ter respostas e a estar disponível para falar com as pessoas. Devo dizer que isso também era o que fazia quando estava na Assembleia da República. Funções diferentes mas com princípios idênticos: servir as populações, defender os interesses de todos e estar próximo, disponível e falar com as pessoas. De facto, aqui, é preciso depois introduzir elementos de gestão, de recursos humanos, de pensar grandes projetos para o futuro.

O que é que mais o surpreendeu neste trabalho?

As pessoas costumam dizer que ser autarca é muito bom porque os efeitos das nossas políticas se veem mais diretamente nas vidas das pessoas. Isso é verdade, mas também há o reverso da medalha. Os problemas que não conseguimos resolver – ou porque não temos recursos suficientes ou não são da nossa competência – também estão sempre a aparecer-nos.

A pressão é maior?

Pressão costuma ser uma palavra negativa e isso não é nada negativo, é muito positivo. Fizemos ao longo deste mandato cerca de 150 sessões públicas sobre os mais diversos temas, em todas elas sempre apareceram opiniões, contributos, que nos permitiram afinar as decisões de forma a serem as mais adequadas à realidade das pessoas e aos problemas. A participação das pessoas, que é para nós uma questão fundamental, não é só um direito democrático, é também um precioso instrumento de gestão.

Não gostava de voltar ao debate nacional?

Não particularmente. Gostei muito de ser deputado. Acho que é uma função da maior importância que me deu muito prazer desempenhar e gostei muito de estar durante 18 anos no parlamento, mas estou completamente vestido na pele de autarca e com muita vontade de continuar a desenvolver os importantes projetos que temos pela frente.

Para alguém que esteve 18 anos na Assembleia da República, ter pela primeira vez em Portugal um acordo parlamentar à esquerda não lhe fez sentir saudades de estar lá também?

Não me fez sentir saudades porque o trabalho aqui é muito intenso, absorvente e interessante. Agora, de facto, é um período completamente diferente daqueles que vivi enquanto lá estive.

Tinha ideia que este acordo poderia acontecer?

Há muitos anos que o PCP tinha vindo a dizer que se o PS quisesse acordos à esquerda, em vez de à direita, como historicamente sempre fez, estávamos disponíveis para conversar. O PS é que nunca quis. Na noite das eleições legislativas, o que aconteceu foi que tanto o PS como o Bloco de Esquerda assumiram a vitória da direita e o PCP afirmou que a direita tinha sido derrotada, que havia um resultado que a punha em minoria na Assembleia da República e que o PS só não formava governo se não quisesse.

Acha que foi essa demonstração pública de vontade da CDU que levou a esta solução governativa?

Não tenho a menor dúvida. A história terá de registar isto. Basta ver os discursos da noite das eleições, basta ver o que foi dito alguns dias depois, na reunião do Comité Central, pelo meu camarada Jerónimo de Sousa. Foi o PCP que pôs em cima da mesa a necessidade de não aceitarmos a continuação da direita no poder.

Tem receio que o sucesso deste governo mercê deste acordo à esquerda possa dar a maioria absoluta ao PS?

Penso que este governo tem – muito por impulso do PCP e das suas propostas – revertido algumas decisões negativas do governo anterior, tomando algumas decisões que vão em sentido positivo, mas está muito longe de atingir aquilo que julgamos ser necessário para uma política de esquerda que defenda o nosso país. Continuamos a ter uma submissão orçamental às regras da União Europeia que não nos deixam desenvolver como devíamos e que a cada momento deve ser questionada. E nós vamos fazendo esse questionamento e o PS não. E há matérias onde a atuação do governo é claramente insatisfatória.

Mas não me respondeu. Tem receio que a maioria absoluta do PS possa acontecer?

Penso que as pessoas sabem que o PS só teve uma política diferente da que tinha tido em governos anteriores porque foi obrigado a fazer acordos à esquerda e que, se não houver essa obrigação, o PS vai voltar a fazer a política que fez, que era uma política de direita.

Acha que mesmo com maioria absoluta o PS faria um acordo com o PCP-BE-PEV?

Isso agora já é muita futurologia.