Governo. As razões que convenceram Costa a deixar cair a ministra

O primeiro-ministro cedeu, finalmente, aos conselhos dos seus próximos: a saída da ministra da Administração Interna confirmou-se na manhã desta quarta-feira.

António Costa quis segurá-la até ao limite, mas acabou por ceder aos conselhos dos seus mais próximos que defenderam que a manutenção da ministra à frente da Administração Interna era insustentável para o governo.

Os incêndios do fim de semana, onde morreram 41 pessoas, vão forçar uma remodelação no governo que deverá estar iminente: a acompanhar a ministra da Administração Interna também o ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, estará de saída. Tanto um como outro já não têm a confiança política do Presidente da República, sabe o i.

Se, na segunda-feira, na reunião de coordenação do governo, Costa voltou a atravessar-se pela manutenção de Constança Urbano de Sousa no cargo, o cenário ontem já tinha mudado. Para a alteração da opinião do primeiro-ministro contribuiu, ao que o i apurou, a convicção que lhe foi expressa pelos seus mais próximos conselheiros – insistir em manter Constança no cargo só contribuiria para desgastar ainda mais a imagem do governo e a sua incapacidade política depois das tragédias dos incêndios que causaram mais de 100 mortos.

É verdade que na direção do PS não veio ninguém defender a manutenção de Constança Urbano de Sousa no cargo. Na reunião de ontem da direção do grupo parlamentar socialista, ninguém “terçou armas” em defesa da ministra. Aos jornalistas, durante a tarde de ontem, o presidente do PS e líder parlamentar, Carlos César, também deixou cair o chavão já usado aquando dos incêndios de Pedrógão Grande do “este não é tempo de demissões”.

Carlos César admitiu a saída da ministra da Administração Interna até ao conselho de ministros extraordinário do próximo sábado, marcado para tratar da questão dos incêndios. Interrogado sobre as condições da ministra para continuar no cargo respondeu: “O senhor primeiro-ministro tem a responsabilidade legal e política de avaliar as condições de cada um dos seus ministros” para o exercício das funções. Segundo César, Costa fará a avaliação sobre “se essas condições existem ou não existem”.

O presidente do PS enfatizou particularmente a necessidade de se “empreender a reforma do sistema de proteção civil”: “Os portugueses esperam que o Conselho de Ministros do próximo sábado seja um sinal inequívoco desse caminho novo”, disse Carlos César.

Bloco quer saída de constança.

Embora num tom delicado, o Bloco de Esquerda também defendeu que a ministra da Administração Interna devia abandonar o governo. Mas a solução do Bloco passa por criar um mega-ministério, liderado por outro protagonista. Catarina Martins defende alterações “na estrutura governativa” que permita “conjugar meios”, concentrando sob a mesma tutela “a prevenção a longo prazo”, a “capacidade de prevenção quotidiana” da floresta e o combate aos incêndios com “forças profissionalizadas”. Em artigo de opinião nesta edição do i, Joana Mortágua, defende a saída de Constança Urbano de Sousa porque esta nova estrutura deve ser dirigida por outro protagonista.

Ontem, num texto publicado na sua página de Facebook, Catarina Martins foi muito dura: “Que se repita a tragédia depois de Pedrógão é indesculpável porque é o sinal claro de que nada mudou quando nada podia ficar na mesma. Novamente a tragédia fora das datas previstas por um sistema rígido que define fases Charlie com base em calendário e não na ciência, que abandona a floresta todo o ano e depois não chega para tanto desastre da incúria, do crime, do calor e do vento, que depende de contratos com privados, que não tem os meios e profissionais de que precisa, que abandona a população sem informação, que se prova repetida e tragicamente ineficaz”.

E continua: “O mais trágico é talvez saber que já sabemos tudo isto há tanto tempo. Que os especialistas o escreveram e os políticos até o propuseram e votaram. E depois foi-se tudo arrastando em passos tão pequenos que não construíram qualquer caminho”.

Um apoio público inesperado 

Se a esquerda corre dividida nos corredores e em dúvida nos holofotes, deu-se ontem uma reação de apoio ao governo de António Costa algo inesperada.

Cláudio Monteiro, juiz do Tribunal Constitucional e pessoalmente próximo do atual primeiro-ministro, pronunciou-se nas redes sociais: “Depois de uma volta rápida pelo Facebook, esta manhã concluo que «de ministro, bombeiro e incendiário todos temos um pouco». Só varia a proporção”. A ironia está lá. A crítica também.