Esta é a primeira leitura a fazer das eleições europeias em Portugal: em terra de cegos, quem tem um olho é rei. Isto explica em boa parte a vitória de António Costa, com mais de 11 pontos de avanço.
A segunda nota vai para a abstenção.
Quase 70% de abstencionistas mostra que as pessoas acham que as eleições europeias não servem para nada.
Por mais que os políticos digam que são «importantíssimas», ninguém acredita.
E com razão.
Por um lado, não se sabe bem para que serve um deputado europeu, como aqui escrevi há 15 dias.
Por outro lado, os 21 deputados portugueses representam menos de 3% do Parlamento Europeu, ou seja, quase nada.
E, para agravar as coisas, cada um puxa para o seu lado.
Se fossem 21 deputados a puxar no mesmo sentido, em nome do interesse nacional, ainda poderiam ter alguma voz.
Mas, como se vê nos debates televisivos em Bruxelas entre os deputados portugueses, todos têm opiniões diferentes, por vezes antagónicas, e votam de acordo com os grupos parlamentares europeus em que se inserem.
Portanto, do ponto de vista nacional, os deputados europeus não valem nada.
Perante esta realidade, quem vota nas eleições europeias?
Os mais militantes, obviamente.
Os mais empenhados politicamente.
E quem são eles?
De uma forma geral, são as pessoas mais marcadamente de esquerda.
Por isso, pode dizer-se que o BE, o PAN e o PCP têm os resultados inflacionados, enquanto o PSD e o CDS surgem subvalorizados.
Basta dizer que o conjunto PSD/CDS teve em 2014 nas europeias 27,7%, correspondentes a 910 mil votos, e nas legislativas seguintes subiu para 36,9%, com quase o dobro dos votos (1.750 mil).
O PS situa-se numa terra de ninguém, em que perderá por um lado mas ganhará por outro.
Nestas condições, extrapolar os resultados destas eleições para as legislativas é um grave erro.
E esta é a terceira leitura a fazer.
Da análise dos resultados, podem entretanto extrair-se algumas conclusões.
Os principais motivos de preocupação devem pertencer ao PCP – que, apesar de beneficiado pela abstenção, perdeu metade dos votos para o BE.
Também o PSD e o CDS, apesar de conseguirem um resultado semelhante ao de há 15 anos, quando concorreram juntos, também não devem estar felizes – pois nessa altura estavam no Governo, sofrendo o impacto negativo da austeridade, e agora estão na oposição, sendo expectável que subissem bastante.
Com o PS passa-se o contrário: obteve aproximadamente os mesmos votos de 2014, mas que valem mais pois o partido tem hoje o ónus de estar no Governo.
Quanto aos outros, serão de destacar positivamente os 1,5% de André Ventura, e negativamente os 1,9% da Aliança, da qual se esperava bastante mais.
Esta leitura nacional dos resultados das eleições de sábado passado constitui a quarta nota que merece registo.
Mas uma quinta nota deve ser feita, que é a leitura internacional.
E o que vimos aí?
Que os partidos verdes e os partidos de extrema-direita estão a crescer muito.
Inversamente, os partidos ‘institucionais’, socialistas, sociais-democratas e liberais, estão em franca queda.
E o que significa isto?
Muito simplesmente, que a esquerda tradicional está a deslocar-se para os ecologistas e afins, e que a direita tradicional está a deslocar-se para a direita radical.
Esta é a leitura óbvia.
E por que razão isso acontece?
As preocupações com o ambiente são lógicas: fala-se muito de alterações climáticas e as pessoas estão justamente preocupadas.
Já não ligam tanto às reivindicações tradicionais – salários, regalias, condições de trabalho, etc., visto que estas começam a estar satisfeitas em muitos países – e ligam mais a questões que implicam com o futuro coletivo.
Dito de uma forma simples, hoje as ‘causas’ são outras.
Quanto à extrema-direita, o crescimento tem sobretudo a ver com duas questões: os migrantes e o nacionalismo.
Ambas eram previsíveis – e sobre ambas aqui escrevi em tempo útil.
Por um lado, as políticas europeias – e a própria globalização – provocaram em muitos Estados reações nacionalistas, exigindo aos governos que se preocupem mais com os seus problemas.
Por outro lado, os imigrantes são vistos por muita gente como intrusos, como estranhos, e em todas as épocas da História as comunidades reagiram mal aos que vêm de fora.
A invasão silenciosa de que a Europa está a ser objeto por parte de migrantes vindos de toda a parte não poderia deixar de provocar reações negativas, por mais que os políticos politicamente corretos façam pedagogia em sentido contrário.
As coisas são o que são.
Estes dois fenómenos – o avanço dos verdes e da extrema-direita – ainda não chegaram a Portugal, porque andamos sempre atrás dos outros.
As necessidades básicas em Portugal estão longe de estar satisfeitas, pelo que o discurso tradicional da esquerda ainda faz algum sentido.
Além de que o BE inventou um conjunto de ‘causas’ que têm eco nas novas gerações que chegam à política.
Quanto ao PAN, o cocktail que preparou para estas eleições – misturando a proteção dos animais com a ecologia e a defesa dos gays – funcionou. Mas pode ser um sucesso efémero.
Resumindo, vitória tranquila de António Costa, enorme transferência de votos do PCP para o BE, deceção no PSD e CDS, regozijo no PAN, alguma esperança para André Ventura e total desilusão para Santana Lopes.
Em outubro há mais, mas aí as motivações serão outras e a abstenção também.
Para já, o PCP tem de pensar rapidamente em deixar a ‘geringonça’ e mudar de líder.
O PSD tem de aumentar muito a agressividade.
O CDS tem de escolher entre ser um partido bem comportado de centro ou assumir-se corajosamente como de direita.
O BE e o PAN têm de dominar a euforia, para não terem desilusões.
André Ventura pode pensar numa carreira política e Santana Lopes talvez deva começar a pensar na reforma.