Eu sei. Custa muito admitir julgamentos na praça pública antecipando condenações que o exercício da justiça pode recusar.
Infelizmente, por várias razões, muitas vezes assim acontece.
Talvez o exemplo mais recente seja aquele em que, muitos anos depois de falecer, um homem honesto e bom como o Eng. Duarte Silva se viu absolvido das acusações que sobre ele impendiam.
Sei, também, que a opinião pública nunca admitiu a ideia da sua culpa, nunca fez dele exemplo negativo. Pura e simplesmente porque ninguém acreditava tal coisa possível.
Mas, a verdade é que a lei deve impor-se, a ilegalidade e a corrupção devem ser investigadas e combatidas, a justiça deve ser respeitada.
Por isso mesmo, não pode ela própria servir agendas políticas, não pode viver do espetáculo mediático, não pode deixar de ser rápida, tranquila e eficiente.
O arrastar penoso dos processos, o abuso dos recursos garantísticos, a obstaculização, a incerteza para além do admissível, são a sombra que sobre aquela se projeta .
Quando uma traquibérnia é descoberta e punida, é a própria sociedade que encontra a sua defesa.
Quando isso acontece em tempo útil, sem possibilidade de discussão da sua bondade, é o sistema de justiça que se afirma.
Os nossos dias são recheados de comportamentos dúbios, de incompetências, de alheamentos, de distrações, de conluios que custaram milhares de milhões.
Somos, portanto, levados a concluir que a justiça também foi incapaz, também esteve ausente, também se não deu conta. Não se prestigiou.
Isso mesmo nos espanta ao apreciar a avaliação feita quanto ao incumprimento das recomendações a seguir pelo Estado português na luta contra a corrupção. É, objetivamente, uma vergonha.
E tanto o é em maior grau quanto os partidos se alheiam dessa realidade e a silenciam.
O tempo é, o tempo não pode deixar de ser, de compromisso geral na luta contra a corrupção, contra os interesses dos grupos, contra a impunidade dos poderosos vigaristas.
Disse o Presidente da República e bem que as notícias sobre as múltiplas investigações em curso, em lugar de diminuírem o país, se davam conta da normalidade do exercício da justiça e que o seu alargamento a setores tão diversos significavam não haver tabus, zonas cinzentas defendidas, impedimentos, proteções.
Todos são iguais em direitos, como o são na sujeição aos deveres.
Bom, mas sendo assim, o respeito pela independência da função jurisdicional, quer judicativa, quer investigatória, está na ordem do dia.
E foi, sem dúvida do modo mais inábil, mais inoportuno, mais caricato, que as propostas de alteração do PS e do PSD quanto à composição do Conselho Superior do Ministério Público surgiram.
Porquê? Porque passa ao lado dos problemas essenciais, parece autodefensivo, tem laivos de combate ao grande combate.
Porque, independentemente da sua discutível bondade, dificilmente se poderia encontrar coisa menos essencial.
E, convenhamos, se tal comprometeria o PS, atormentado com histórias il, a incompreensível companhia do PSD foi a cereja.
Felizmente funcionaram as consciências no momento do voto e o sobressalto terminou.
As questões essenciais, o que falta fazer para melhorar a eficiência do sistema de justiça, ficaram de fora. A corrupção agradece.