OE de 2021 é campeão nas propostas de alteração. No PSD pede-se reflexão sobre procedimentos e exige-se saber impactos de ‘negócio’ com o PCP. O acordo com o PAN custou 59,6 milhões.
O Orçamento do Estado para 2021 ficará na história como aquele que teve mais propostas de alteração em debate desde 2012: 1547, qualquer coisa como 5 mil votações (com desdobramentos de propostas em vários artigos), e no final, o PS anuiu a 198 mexidas e teve de encaixar 82 alterações que resultaram das chamadas ‘coligações negativas’. Ao todo, a versão inicial sofreu 280 mudanças com um impacto orçamental que pode ter efeitos no défice. As contas do Ministério das Finanças ainda não estão fechadas, apurou o SOL, mas, segundo o Jornal de Negócios, o défice pode subir até 3 décimas (0,2 a 0,3 pontos percentuais) em 2021: ou seja, de 4,3% para 4,6%. E os custos das medidas que resultaram de imposições pela esquerda e pelo PSD representam pelo menos 150 milhões de euros.
Ora, o PSD só fez contas aos descontos de 50% nas portagens das chamadas ex-SCUT, que apontam para os valores apurados pela Unidade de Apoio Técnico Orçamental (UTAO): entre 64 a 82 milhões de euros. A estratégia dos sociais-democratas passou, sobretudo, por fazer as contas aos ganhos de causa dos comunistas: mais de mil milhões de euros de impacto orçamental (onde se incluem medidas como o layoff a 100%, reforço para contratações no SNS ou aumento das pensões mais baixas já em janeiro).
Quando os comunistas anunciaram a sua abstenção no Orçamento, lembraram que a sua lista de 344 propostas de alteração tinham um impacto de 1600 milhões de euros. O Governo atendeu a 40% desse valor, qualquer coisa como 640 milhões de euros. E na versão final foram aprovadas 73 alterações do PCP (contando-se as propostas aprovadas na íntegra ou parcialmente).
Os sociais-democratas voltaram ontem à carga, para saber o custo das negociações entre o Governo e os comunistas, com uma pergunta dirigida ao Ministério das Finanças.
A prioridade do PSD em saber estes valores oficiais não será alheia a dois fatores: primeiro, o PSD foi acusado pelo PS de lançar a «bomba atómica» ao colocar-se ao lado do BE no voto contra qualquer nova injeção do Fundo de Resolução – leia-se no Novo Banco – no Orçamento do Estado para 2021; segundo, no congresso do PCP, que se realizou no passado fim de semana, os sociais-democratas registaram o discurso de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP: «Alternativa política que não é possível só com o PCP, mas também não será possível sem o PCP». Ou seja, o PCP é oposição, mas pode segurar o Executivo para lá das autárquicas de 2021, altura em que entre os sociais-democratas já se admite uma crise política. Ninguém sabe se e quando chegará a dita crise, mas o PCP passou a ser, claramente, um alvo dos sociais-democratas.
O PAN, que também se absteve, fez as contas aos ganhos no documento. «Neste Orçamento do Estado, o PAN viu serem aprovadas 50 propostas de alteração à proposta apresentada pelo Governo só na sede da discussão na especialidade. No conjunto destas propostas, o impacto económico estimado do lado da despesa é de 59,6 milhões de euros e de 145,2 milhões do lado da receita, o que resulta num saldo positivo de 85,5 milhões de euros», declarou ao SOL a líder parlamentar, Inês Sousa Real. Na lista de medidas, o PAN destaca «a aprovação de uma verba de 10 milhões de euros para a proteção animal, 13,3 milhões para contratação de profissionais para o INEM e 200 mil euros para casas de abrigo de vítimas de violência doméstica e albergues de pessoas em situação de sem abrigo». A par destas medidas há também contas do lado da receita: «A taxa de carbono sobre a aviação e navegação marítima, sendo estimável que em termos de receita represente 120 milhões de euros».
Por seu turno, o BE voltou a votar contra o Orçamento, o que lhe valeu críticas do primeiro-ministro, por se ter posto «ao fresco» em período de crise, e apresentou doze propostas de alteração ao Orçamento na especialidade. Foi a força política com o menor número de alterações entregues. O PSD entregou 160 (com as do PSD/Madeira incluídas), o CDS 122, o PEV, 123, o PAN 259, a Iniciativa Liberal 114, o Chega 157, a deputada não inscrita Cristina Rodrigues 101 e a parlamentar Joacine Katar Moreira 60.
No meio de tantas propostas de alteração, o PSD lançou críticas à profusão de propostas. E fê-lo com estrondo antes mesmo da votação na especialidade, com o vice-presidente do PSD, Nuno Morais Sarmento, a alertar para o «absurdo» deste procedimento. «Apenas desde já chamamos a atenção para o completamente absurdo número de propostas de alteração na especialidade que este Orçamento tem e que, portanto, enfim, indiciam que ele poderá piorar significativamente. São 1.400 propostas, estamos a falar de números desses, para que os portugueses percebam o disparate do exercício», declarou Morais Sarmento após uma audiência em Belém.
O número oficial de propostas de alteração ao Orçamento não se ficou nas 1400, mas sim em 1547, segundo os registos oficiais. Para o Orçamento de 2020 foram entregues 1333 alterações, já depois das eleições legislativas, mas no ano anterior tinham sido entregues menos de mil (991). Em 2018, os registos revelam 707 propostas e, em 2016 (o primeiro Orçamento de António Costa) foram 249.
Na era de Passos Coelho, os números foram muito mais baixos: 612 registos de propostas de alteração para 2015, 669 nas contas para 2014, 647 em 2013 e 592 para as contas gerais do Estado de 2012.
A profusão de propostas de alteração nos Governos de António Costa começa, por exemplo, no próprio articulado do Orçamento. A primeira versão tem normalmente o dobro dos artigos face ao tempo de Passos Coelho.
Duarte Pacheco, deputado do PSD e membro da mesa da Assembleia da República, alerta que a profusão de tantas propostas de alteração pode aumentar inclusive a probabilidade de erros. «A probabilidade de errar é grande», admite ao SOL, subscrevendo as críticas do vice-presidente do seu partido. Para o efeito, recorda o que se fez com as votações de propostas para o PIDDAC (Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central) há uns anos, pedindo reflexão, «porque muitas das propostas não têm nada a ver com o Orçamento».
O Orçamento de 2021 ainda não seguiu para Belém para promulgação e há um problema a resolver: o caso do Fundo de Resolução. O ministro de Estado e das Finanças, João Leão, afirmou, a este propósito, esta semana que o Governo não deseja que o Presidente da República envie o Orçamento para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva. «(…) Achamos que o orçamento, como um todo, não deve ser enviado, nesta fase, para o Constitucional», declarou João Leão, insistindo que é « importante termos o orçamento a funcionar no início do ano para nos dar os instrumentos necessários para combater a crise económica».